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Fotografia: Sara Graça
Publicado a: 17/10/2022

Oito anos a separar álbuns e transformações que os aproximam tanto do início como do que ainda está para vir.

Entre uma “grande instabilidade interior” e uma “mudança abrupta”, os Gala Drop encontraram a solução possível: Amizade

Fotografia: Sara Graça
Publicado a: 17/10/2022

O mundo não é o mesmo em 2022 que era em 2014 (discutível se mudou para melhor). Portanto, justifica-se que neste regresso dos Gala Drop aos trabalhos de estúdio, oito anos depois de II, estes também já não sejam os mesmos.

Não é como se a banda tivesse estado totalmente desaparecida entre II e este novo Amizade, lançado na passada sexta-feira (14 de Outubro), mas certamente não ouvimos o suficiente da sua parte nesse período. Durante o interregno lançaram um maxi, em 2015, mas só a partir de 2020 começámos a ouvir com mais afinco coisas novas dos Gala Drop. Primeiro com a edição de Live at Boom, uma gravação do concerto dado pelo grupo na edição de 2018 do festival, e depois com um regresso aos espectáculos, revelando também a sua apresentação enquanto trio formado por Afonso Simões, Nelson Gomes e Rui Dâmaso após as saídas de Jerrald James (aka Jerry The Cat) e Guilherme Canhão.

Amizade resulta, em parte, da mutação sofrida pelo grupo durante este período de ausência, mas também de eventos na vida e descobertas musicais que, como os discos anteriores do grupo, adornam os instrumentais da banda, sempre aguerridos pelos seus eventos polirrítmicos, dubs psicadélicos, grooves incessantes em constante repetição, tudo perdido num universo de exotismo em que a comunhão é a cola que liga tudo.

Para construirmos a timeline entre II e Amizade e entendermos o que segue para a frente, fomos passar um final de tarde a beber finos (e quanta camaradagem começou a ser construída nesse simples acto) com os Gala Drop na cidade que os viu nascer e os continua a inspirar: Lisboa.



Passaram-se oito anos desde II, o último disco de Gala Drop. Como é que surgiu a vontade de criar este Amizade?

[Rui Dâmaso] Assim [sendo] mais directo: continuar a trabalhar em músicas novas. E penso que também não foi assim tão premeditado. Ou seja, queremos sempre trabalhar por questões novas, músicas novas, mas depois não há uma obrigatoriedade ou um deadline para isso acontecer. No entanto, acabou por ser espontâneo, e por muito trabalho do Nélson também, como homework quase, em chegar e propor coisas – ideias muito completas – e daí trabalhá-las no seio da banda. Isso aconteceu de uma forma muito espontânea e engraçada porque coincidiu com a saída do último membro e parece que foi assim uma espécie de solução, que ocorreu, ou pelo menos, que todos acarinhámos, e que resultou nisto [Amizade].

Ia perguntar um pouco sobre essa mudança entre II e Amizade porque vocês voltaram a ser um trio os Gala Drop eram um trio quando lançaram o primeiro disco, mas tinham um membro diferente, o Tiago [Miranda] em vez do Rui. Que influência teve, e estavas aí a dar entender que foi positiva, essa mudança na criação deste Amizade, a nível de composição, a nível de ideias?

[Nelson Gomes] A última pessoa que saiu da banda, de certa forma, não acaba por ter um papel tão preponderante; não se reflecte nada disso num disco, só numa cassete ao vivo, por acaso. Não sei, acho que a saída mais preponderante da banda desde o disco anterior é mesmo o Jerry [The Cat], que nos remete novamente para um sítio que é o da génese da banda: a música instrumental que desenvolvemos. Pegamos nos sítios onde vivemos e tentamos reconstruí-los, ou construir um novo espaço através das novas ideias que vamos vivendo diariamente. Isso acaba por ser a grande transformação. Mas acho que a saída do Jerry acaba por ser bastante transformadora.

Falaste aí num ponto interessante que é a questão de a música instrumental ser a base, a génese do trabalho da banda. Isso leva-me a pensar que a vossa música tem uma sonoridade base, ou seja, as explorações polirrítmicas, os dubs psicadélicos, os loops incessantes, mas que depois, conforme o disco avança, é adornada pela vossa exploração de diferentes estilos ao lado disso. O II, por exemplo, tinha muito soul e funk, e este Amizade puxa o baggy e a música house à conversa. De que forma surgem esses cruzamentos nos vossos trabalhos à medida que estão a desenvolver o disco?

[Nelson] Acho que isso é uma extensão do que cada um de nós é. Nós somos pessoas muito interessadas em música nova e também obsessivamente interessadas sobre a história da própria música. Isso influencia-nos de uma forma muito grande e que se vai transformando de disco para disco, porque também acabamos por estar a ouvir coisas novas que acabam por ter uma preponderância bastante grande, ou coisas que estamos a viver num dado momento da nossa vida. Felizmente, como tu dizes, e é interessante sentir ao longo destes anos – e cada vez mais – que as pessoas também sentem isso, que entendem uma identidade da banda que se transforma recorrentemente fruto das nossas vivências e é um bocado isso que procuramos, continuar com a nossa voz e procurar novos desafios e novas vidas dentro da música.

[Afonso Simões] Por acaso sinto uma cena que tenho vindo a pensar. Concordo com essa análise mais formal que tu fizeste a nível de estética, de estilos de música. Como o Nélson disse, são tudo coisas que nós absorvemos e depois se reflectem na nossa música. Mas uma cena que tenho pensado ultimamente – e tenho pensado bastante nisto: no fundo, todas as diferenças – e há muitas – entre as edições que a gente fez, existiu uma cena em comum que é um bocado uma dualidade e um confronto entre a máquina e o homem, estás a ver? Isto é uma cena que é muito falada, muitas bandas já exploraram isso, mas nos Gala Drop há sempre um bocado [essa cena de] às vezes é um bocado mais máquina e outras vezes é um bocado mais banda. Na minha parte em concreto, uma coisa que eu queria muito fazer no início era tentar tocar e fazer uma coisa maquinal e, mesmo que não fosse isso, tocar por cima de cenas electrónicas e, de certa forma, isso também foi uma aprendizagem para fazer ritmos, lá está, muito repetitivos. Tu falaste dos loops e isso também é uma coisa muito presente na nossa música desde sempre, a cena da repetição. Mas agora, por exemplo, a máquina está mais a ser a máquina, que são as coisas que o Nelson criou a nível rítmico – eu também [criei] um bocadinho, mas não tanto a nível electrónico –, e depois, por exemplo, a minha parte é uma coisa mais tipo solística, mais para complementar, mais para fazer uma cena polirrítmica através da percussão acústica.

[Rui] E acho que vem à baila um certo minimalismo que nos agrada a todos e que é transversal ao discos todos.

Essa questão do minimalismo é interessante porque, para mim, a vossa música, se for decomposta em segmentos, não tem muitas componentes, mas tem muita coisa a acontecer ao mesmo tempo na mesma. É muito estimulante.

[Rui] Camadas, várias camadas.

Muita textura, sim.

[Rui] Sim, textura.

[Afonso] Mas, olha, acho que consigo encontrar uma estrutura clássica de música dos Gala Drop. No fundo, isso é uma coisa que nós, muitas vezes, achávamos que estávamos a fugir, mas acho que, no fundo no fundo, a gente acaba por resvalar. Isso é um bocado a nossa identidade também.

Houve alguma cena em específico que vocês ouviram quando estavam a fazer este Amizade que sentem que vos inspirou?

[Nelson] Acho que o mais me inspirou foi uma enorme vontade de voltar a tocar e o facto de estarmos tanto tempo fechados em casa. Este disco começa a ser desenhado, ou construído, através de uma mudança abrupta no alinhamento da banda em que nos era impossível continuar a tocar as músicas que estávamos a tocar e, ao mesmo tempo, uma enorme vontade de entrar em ruptura total com isso e com o paradigma que vivíamos na altura, de estarmos fechados, e eu falo um bocado por mim, não é?

[Afonso] Nós sempre fomos uma banda com ideias e com ambições e acho que temos até vivido um bocado à altura delas, de certa forma, mas acho que muito pragmáticos. Por exemplo, sinto que este disco, se pensarmos nas origens dele, até foi [a partir de] um convite para dar um concerto, em que nós chegamos à conclusão de que não tínhamos material para tocar – não podíamos tocar os três [as músicas antigas]  –, e então tínhamos de fazer coisas novas. Isso foi um empurrão.

Estás a falar do concerto do OUT.FEST do ano passado [2021]?

[Afonso] Não, não.

[Rui] Antes.

[Afonso] Estou a falar do concerto na Casa do Capitão, em 2020.

Então, o Amizade começou a ser desenhado durante o período do pico da pandemia?

[Nelson] Sim, sim.

[Rui] Foi a seguir ao primeiro confinamento. Acho engraçado que o disco, na sua raiz – pronto, com muitas diferenças, mas penso que de detalhe no seu todo –, saiu logo nessa altura. As músicas saíram muito construídas. Aquilo que se construiu para esse concerto [na Casa do Capitão], foram estes temas que, no fundo, estamos a ouvir agora no disco [Amizade]. Saíram logo ali quase feitos. Depois claro que foram enriquecidos, mas a base e a estrutura ficou quase completa.

[Afonso] Ajudou bastante o facto de agora a base, o cérebro da música, ser a MPC do Nelson, com montes de samples e coisas que ele já tinha alinhadas. A gente partiu dessa estrutura e começámos a dar-lhe corpo. Acho que para nós é sempre mais fácil ter muita matéria sonora e depois cortá-la do que o contrário. É uma coisa que acontece mais naturalmente. Nós temos sempre muitas ideias que sobrecarregamos e depois é editá-las para conseguir fazer algum sentido daquilo.

[Rui] Já agora, a pergunta foi mais ou menos influências, não foi? De certa forma, eu não sinto influências directas, pelo menos na minha pessoa, de alguém que eu gostasse muito e que directamente isso me influencia em Gala Drop. Acho que às vezes até acontece uma cena engraçada em, para o mesmo tema, virmos os três com influências completamente diferentes, e quando isso se complementa… Quando não se complementa, e também acontece, pode gerar um certo caos, e somos provavelmente os primeiros a abandonar a ideia, mas quando ali há uma confluência, quando se junta, dá uma cena muito própria.

[Afonso] Para mim, uma grande influência neste disco, sem dúvida, foi o Jerry mesmo, porque o gajo tem uma cena de percussão solística, mas também fazia acompanhamento às vezes. Aquilo que achava mais interessante era o lado solístico e de improvisação dele e a mim, como fiquei sozinho — e eu tocava com ele – éramos dois percussionistas –, isso para mim foi assim um grande vazio que comecei a tentar preencher a nível rítmico só com a máquina. Pronto, quer dizer, com o baixo também, e com os arpeggios, mas estou mesmo a falar daquela coisa só matéria rítmica. No fundo acho que aprendi um bocado com ele. Até tentei, de alguma forma, ocupar o vazio que ele deixou, e isso mudou um bocadinho a minha maneira de tocar. Mas estou a falar por mim. [Risos]



Quando estamos a falar de influências, e daquilo que vos pode ou não inspirar, os estilos que vocês abordam na vossa música, de certa forma, apontam todos para a música de dança e para uma ideia de comunhão. Quando eu estava a ouvir a gravação do vosso concerto no Boom 2018, tudo isso me veio ao imaginário. Pessoas a dançarem ao som daquela música, como se fosse um ritual.

[Nelson] É verdade isso que estás a dizer. Tem sido sempre um ritual todas as vezes, e esse concerto foi bastante especial. Também marca um momento na banda em que as músicas que foram feitas com o Guilherme Canhão, que na altura fazia parte da banda, e teve também uma grande predominância na construção desses próprios temas. Mas está certo isso que estás a dizer.

O facto desse concerto no Boom ter sido assim especial foi também o que vos levou a lançá-lo como cassete?

[Nelson] Sim, sim.

[Afonso] Tocar no Boom, para nós, sempre foi especial. Este ano tocámos lá – foi a quarta vez que lá tocámos – e acho que a nossa música dá-se muito bem lá. É curioso que se dá bem em outros sítios diferentes, mas ali, de alguma forma, funciona sempre. E esse de 2018, depois de ouvirmos a gravação… Lá está, ficámos muito contentes com o concerto, mas uma coisa é o concerto que tu dás, outra coisa é a gravação desse mesmo concerto e, depois de ouvirmos a gravação, ficámos todos a achar que aquilo devia ser editado. 

[Rui] Até porque as nossas músicas não são completamente distantes. Nós temos partes em que cada um faz a sua viagem e hoje há-de ser diferente de amanhã. No Boom também sentimos que houve ali uma certa viagem que não há mais em gravação nenhuma e que ali houve porque estávamos juntos, porque ensaiámos para ir [tocar]. Há ali uma confluência de energias que leve a que aquilo se torne único também.

[Nelson] A música, de certa forma, também não está estanque e também vive muito da relação com o público e a interação, a generosidade imensa que existe. Por exemplo, com os Boomers, como eles se chamam, [a generosidade] é bastante grande. As pessoas não te conhecem propriamente, mas estão extremamente disponíveis para entrarem rapidamente em viagem. Essa empatia muito directa que sempre criámos com o público do Boom foi bastante transformadora ao longo do decorrer do concerto e é bastante interessante quando isso acontece. Faz com que as músicas cresçam, e acabem em sítios às vezes que não são propriamente esperados e que, para nós, são os mais desafiantes.

Acho que essa energia se nota na gravação!

[Nelson] Ela está lá!

Nesta linha de pensamento sobre música de dança e comunhão, dei por mim a pensar, até pelo título do vosso álbum Amizade acho que emana essa energia de comunhão sobre o estado actual de Lisboa. Numa Lisboa crescentemente gentrificada, onde cada vez mais os seus habitantes têm preocupações extra, como pode ser possível trazer as pessoas de volta ao lugar de libertação e comunhão que é uma pista de dança?

[Nelson] Está um bocado implícita. Nós vivemos um momento muito delicado na história desta cidade e do país. Não sei, acho que o título do disco e o disco tentam procurar um bocado essa revolta, essas quebras de laços, não só necessariamente com a gentrificação, mas também com o lado do confinamento, também todo o aspecto de estarmos em casa, cada vez mais agarrados às tecnologias e à alienação que elas próprias criam. Acho que também o próprio disco vive um bocado dessa revolta. Quando começámos a trabalhar nestes temas havia uma grande instabilidade interior que alimentava fazer as coisas andar e ligar-nos a tentar criar algo que nos permitisse voltar a dizer que estamos aqui. A coisa que nos faz felizes é, de facto, criar algo que se relaciona com as pessoas e criar momentos que nos permitam estar com as pessoas. Agora, a forma como isso se reflecte com o que vivemos actualmente? 

[Rui] Quer dizer, eu acho que é cada vez mais fácil ficar em casa em todas as áreas, em tudo e mais alguma coisa. Ver cinema, ler, pintar, fazer música sozinho em casa e, portanto, isto é andar sempre um bocadinho a remar contra a maré. Mas eu ainda não vejo também – felizmente – o fim dos espectáculos ao vivo. Ou seja, música, dança, teatro têm lugar próprio, que só acontece ali ao vivo. Tem de haver aquele diálogo público-intérpretes. Portanto, por muito que a casa nos dê aquele conforto e nos chame, só isso não nos preenche. Quem gosta de música, de teatro e de dança tem de sair de casa e ir para os palcos, senão não vai ter a mesma experiência. E quem conhece essa experiência sabe que é única. Acho que isto é válido para quem faz e para quem vê. É válido para os emissores e para os receptores, para o público e para os artistas. É uma interdependência que é única. Espero que não se perca no futuro.

[Afonso] E como tu [disseste], esta cena do início da pandemia, esta história de estar tudo online e de fazerem tudo online e não sei quê, do Metaverse e não sei que mais… eu acho o Metaverse uma cena espectacular, mas, de facto, não pode ser um substituto para isto que o Rui está a dizer. Até porque, e falando especificamente de música de dança, eu trabalho na Filho Único – eu e o Nélson – e nós organizamos concertos e fazemos agenciamento, etc, e tenho alguma dificuldade em aceitar que tudo tem de estar online, tudo tem que ser gravado, tudo tem que ser difundido. Não, nada substitui a experiência de ir ver e, inclusivamente, até posso achar uma certa graça a haver Boiler Rooms que têm todos os DJs do mundo e uma pessoa quer ver como aquilo é e abre o YouTube, vai lá ver. Mas, epá, vou muitas vezes dançar e consigo garantir que estar a ver aquilo no YouTube e estar lá são experiências completamente diferentes, e isso é que é triste. As pessoas formam opiniões e programam, às vezes, o DJ A, B ou C porque viram aquilo [no YouTube] e aquilo não corresponde à realidade porque é preciso ver-se mesmo o que aquilo é. Depois, a questão da comunhão e dessa ideia de que falavas, da música de dança e de comunidade, eu acho que as pessoas têm de ter cada vez mais consciência que está tudo, toda a música, e especialmente a música de dança, contaminada pelo sistema económico – nem vou entrar na cena do capitalismo, que isso é tudo uma longa conversa – e tudo o que se possa fazer nas franjas disso, acho que aí é que se encontra realmente cada vez mais um sentimento de comunidade, um sentimento de partilha. Festas que são gratuitas, em que as pessoas fazem donativos com base na capacidade, e que têm espaços em que as pessoas se sintam à vontade, que não estejam a ser filmadas para a Internet, por exemplo.

O Planeta Manas, por exemplo.

[Afonso] O Planeta Manas é um excelente exemplo. Para mim, é o meu club preferido em Lisboa neste momento. Acho que foi realmente uma das coisas boas que vieram da pandemia. Até mesmo pela própria localização, aquilo fica fora do circuito. Acho que é um óptimo exemplo, mas há muitos outros. Há outros que nem sequer estão na Internet, são festas aí no meio do pinhal.

[Risos] São as que se sabem através do word of mouth.

[Afonso] Exacto, exacto.

Neste Amizade, comparativamente aos discos anteriores, a vossa abordagem à guitarra foi diferente, muito mais dissonante e textural. Notei isso especialmente na “Guitarra Voadora” e na última secção da “Monte Do Ouro”. De onde surgiu essa abordagem ao instrumento neste Amizade?

[Nelson] Nós tentamos sempre, com aquilo que fazemos, transgredir um bocado alguns cânones da música para torná-la mais estimulante e mais interessante. Eu lembro-me que, na altura, porque tu há bocado falavas de influências… O Guilherme era quem tocava guitarra na banda. Ele sai da banda e achei interessante explorar coisas – eu não tocava guitarra para aí há 15 anos – e houve um equipamento que tinha lá em casa, que adquiri, e andava a ouvir imenso shoegaze na altura, coisa que não o fiz quando era miúdo. Andava a ouvir A.R. Kane e mais uma outra coisa que não me lembro, e veio-me a ideia que podia ser interessante ver como é que funcionaria um tipo de guitarra ou de som extraído de um tipo de contexto com outro tipo de abordagem rítmica, outro tipo de groove, com polirritmia também, e isso é um bocado a forma como se abordou para ocupar esse espaço. Também me interessava isso naquele momento. Em consonância com isso, como também estava a haver muitas músicas criadas em que uma linha de baixo já vinha toda ela sintetizada, desafiei o Rui a tentar explorar também coisas à guitarra e ver por onde é que isso nos transportava. Nomeadamente, a “Monte Do Ouro” é um desses exemplos e isso tem um bocado a haver, isso sim, com coisas que eu estava a viver naquele preciso momento em que apareceram estas músicas e outras que estão a aparecer.

[Rui] Também, mais uma vez, acho que houve ali alguma espontaneidade nisso. A guitarra foi o meu primeiro instrumento basicamente, e não é que esteja a tentar introduzi-lo. Pelo contrário, até gosto de marcar diferença e, nesta banda, só tocar baixo por exemplo, mas não sou fundamentalista. A gente quer deixar vir ao de cima o que tivermos para dar, a nossa diversidade, e valeu a pena. Ou melhor, no fundo, aonde quero chegar, é que acho que somos todos multi-instrumentistas e, portanto, vale a pena avivar isso e não ficarmos só por um ou outro.

[Afonso] Acho que isso é uma cena que enriquece a nossa música. Até porque, por exemplo, quando cada um de nós vai pegar num instrumento, temos abordagens diferentes. As músicas novas que estamos a fazer acho que ainda vão ser mais assim, tentar sair mais da nossa zona de conforto e do nosso elemento.

[Nelson] Há uma constante procura de sair da zona de conforto. Essencialmente, é um bocado isso. Acho que é uma boa maneira para definir o que é que nós procuramos a cada disco. É sair um bocado do espaço que estamos a ocupar e desafiarmo-nos a procurar algo novo.

Eu gosto muito da “Guitarra Voadora” porque me transportou para aquela cultura do baggy, por me lembrar tanto Spacemen 3.

[Nelson] Acabei de estar com o Sonic Boom há meia hora [risos]!

[Afonso] Quando fui para a faculdade, descobri Spacemen 3 e foi uma cena tipo: “woah”.

[Nelson] Eu não ouvia shoegaze, mas ouvia Spacemen 3.

É proto-shoegaze!

[Nelson] É proto-shoegaze, precisamente!

[Afonso] My Bloody Valentine, Ride, etc…

[Nelson] Ouvi isso tudo muito mais tarde, para aí 20 anos depois. Ouvia os Sonic Youth, Nirvana, Mudhoney, assim coisas de guitarras, e era por aí. Não ouvia muitas cenas inglesas. Mesmo os Slint, também só descobri isso para aí 20 anos depois. Eles são americanos, não são ingleses, mas, pronto, são para aí das primeiras coisas que são mais shoegaze, pós-rock…



Essa vossa abordagem à guitarra neste Amizade deixou-me a pensar um pouco na abordagem feita a esse instrumento na vossa restante discografia e levou-me ao Broda, o EP que vocês lançaram com o Ben Chasny e que fez 10 anos em Abril deste ano. Que memórias guardam dessa colaboração?

[Rui] Boas!

[Nelson] Foi fruto de uma grande amizade que existe entre nós criada no tempo em que eu trabalhava na Zé dos Bois. Como uma pessoa que sempre, desde que nos conhecemos e desde que tomou contacto também com a nossa música, mostrou um grande carinho pelo que fazíamos e disse que um dia gostava, se tivéssemos tempo, de trabalhar em temas connosco. Foi um bocado resultado disso. [O Broda] é um disco que vem de uma enorme amizade entre pessoas e com carinho com o que fazem. O disco chama-se Broda, que quer dizer, tipo, irmão em cabo-verdiano.

[Afonso] E é uma referência a um disco de Cabo Verde de uma banda chamada Broda, que é uma banda que existia antes dos Bulimundo, não sei se conheces.

[Nelson] Que é uma cena também muito polirrítmica, tem sintetizadores-

[Afonso] E que também introduziu a guitarra eléctrica no funaná de Cabo Verde. Então havia também esse lado.

[Nelson] Existem sempre muitas valências nos nossos nomes, muitas relações, entre outras coisas.

Acho que esse EP é singular na vossa discografia. Na boa verdade, todos os vossos lançamentos são singularidades. O EP que lançaram em 2010 [Overcoat Heat] tem muito de música de dança lá, depois o Broda puxa muito o psicadélico do final dos anos 60.

[Nelson] Sim, sim. São as coisas que nós ouvimos.

[Afonso] E acho que puxa um bocado esta cena também que agora bombou bué, esta cena psicadélica via África, Médio Oriente, desde a cena turca até à não-europeia, digamos.

Microtonais, por exemplo.

[Afonso] Exactamente. 

[Nelson] É engraçado. Isso tornou-se depois numa coisa muito explorada.

[Afonso] Sim, há montes de cenas, os Khruangbin e não sei quê. Há milhares de bandas.

Eu sou uma pessoa que procura muito música para ouvir pelas capas dos discos. Acho que a capa deste Amizade faz uma tradução muito apropriada da música, é muito ruidosa e áspera, uma coisa muito textural. Como é que funcionou a criação da capa no sentido se tentaram combinar a vossa música com a foto e a capa do disco?

[Nelson] Como te estava a dizer, normalmente as coisas estão sempre muito relacionadas umas com as outras e há uma procura em responder um bocado aos momentos que vamos passando também entre nós, porque isto de ter uma banda também tem uma componente humana muito forte e que também causa imenso desgaste e essas coisas todas. Acho que para este disco, a capa vem de forma espontânea. Mas, de certa forma, aos meus olhos, senti que para este disco, fruto também do título, o sítio onde estamos, das nossas vidas e das nossas relações, era importante nós aparecermos pela primeira vez numa capa, [algo] que ainda não tinha acontecido. Foi uma das coisas que achei que era interessante tentar explorar, para também sintetizar um bocado o que era o disco e essa relação de amizade que temos entre os três que o título também fala. Pronto, é um bocado nesse sentido. Aquilo é uma fotografia que é fruto de um momento muito particular no pós-feitura das músicas, que é a gravação. O disco foi gravado em Braga, no estúdio do Budda [Guedes], no gnration, e ao mesmo tempo coincidia com um trabalho com a Sara Graça que era ir desenvolver um vídeo para o aniversário do gnration um mês depois. A Sara teve os dias praticamente todos connosco, sempre a acompanhar todo o processo, e aquilo é uma foto que a Sara me enviou quando estava a montar o vídeo. Aquilo é a câmara dela, que tinha usado para filmar, e ela tirou-lhe uma foto com um iPhone com bastante má resolução que também, espontaneamente, obrigou-nos, ou a pessoa que trabalhou na capa, neste caso, o Nicolai [Sarbib], a caminhar num sentido muito ele mais disforme também, e mais ruidoso, como tu fazias referência há bocado. Pronto, eu acho que foi um bocado isto. São também aqueles momentos, aquelas espontaneidades. Fez todo o sentido, aquilo é uma filmagem nossa em toda gravação do disco.

[Afonso] Eu acho que o artwork dos Gala Drop… sempre foi o Nelson que esteve à cabeça disso e sempre conduziu a cena mesmo de uma forma até obsessiva e perfeccionista, às vezes. Mas acho que fez muita diferença porque já vi milhares de vezes pessoas a virem ter connosco e a dizer, “hey, a capa é incrível”. Podem não dizer nada sobre a música, mas tipo, “hey, a capa é buéda boa” [risos]. Acho que este aqui foi uma cena que aconteceu. Houve um lado meio ready-made dessa cena da foto da Sara. Nós já tínhamos, lá está, como ele disse, a vontade de aparecer, por todas as razões. Mas depois a cena do grão foi adicionada, tinha de ser.

[Nelson] Foi uma necessidade porque a foto era de baixíssima resolução.

[Afonso] Depois o resultado foi o Nicolai Sarbib, um amigo nosso que é designer e que fez aquilo logo à primeira — ficou muito perto [do que queríamos].

[Nelson] As imagens do disco, porque tu ainda não viste as interiores, são todas extraídas de stills dos vídeos da Sara. Se quiseres entender melhor isto que estamos a dizer, e se fores ao Spotify, os singles têm capas diferentes que são extraídas também e têm essa relação que o Nicolai deu entre a capa e do que vai ser a bolacha e o interior [do disco].



Falaste aí de terem gravado em Braga e da relação deste disco com o gnration, e no comunicado, referem a importância da residência promovida pelo gnration para a criação deste Amizade. Que importância tem esse tipo de iniciativas para artistas independentes como vocês?

[Nelson] Repara: neste caso foi vital porque nos permitiu ter condições de continuar a crescer e a caminhar num sentido de procurar também novos desafios que te remetem para o espaço do estúdio, que também tem uma componente completamente diferente do estar a criar um som e desenvolver, mas depois a gravação também te permite ir por novos caminhos. De facto, esse apoio que o gnration deu foi vital também no resultado que é este disco. Felizmente, existem cada vez mais oportunidades nesse sentido. Fizemos uma [residência] no início do ano em Castro Marim, num projeto ligado à OUT.RA, uma associação do Barreiro, e cada vez mais é recorrente este apoio à música independente que permite a cada um de nós ter outras condições para trabalhar, ter um espaço e conseguirmo-nos focar.

[Afonso] É isso. Acima de tudo, estarmos focados em criar música ou gravar música durante um curto espaço de tempo, todos juntos, todos a remar na mesma direcção. Porque nós, como temos todos trabalhos e eles têm filhos e etc., é sempre tudo muito disperso. Concluímos, passados estes anos todos de fazer música e discos, que esta é a melhor forma, pelo menos para nós.

[Nelson] E foram duas residências feitas de seguida, praticamente.

[Afonso] Exacto. Nós nos últimos dois anos fizemos duas residências, e na primeira gravámos o disco [Amizade] que tínhamos desenvolvido em curto espaço de tempo e na segunda estivemos a criar música-

[Nelson] Que será o próximo.

[Afonso] Já temos uma data de ideias, muitas delas já avançadas. Aliás, até já tocámos duas músicas novas ao vivo que irão para próximas edições. Eu acho que isto também entra no conceito mais abrangente da amizade [risos], essa cena toda.

Braga está cada vez mais a tornar-se um polo artístico muito interessante, muito pelo gnration mas também pelo Theatro Circo.

[Rui] Sim, muito mesmo. Afirmou-se no circuito, não é?

[Nelson] Sim, sim, esses dois centros, esses dois pólos, têm sido vitais no crescimento e no enriquecimento do nosso património cultural, também com todo esse investimento.

[Afonso] Muito forte. Não temos um gnration em Lisboa.

Vocês já têm tocado este disco ao vivo e aparentemente, até novas músicas, como falaste. Como é que têm corrido esses concertos?

[Rui] Foste à Zé dos Bois?

Não consegui ir à Zé dos Bois. [Risos]

[Rui] Foi bom!

[Afonso] Epá, eu acho que foram todos bons. O da Zé dos Bois talvez tenha sido o melhor, mas-

[Nelson] Foi o mais especial, mas explica lá porque é que foi especial!

[Rui] Acho que temos todos uma ligação muito afectiva à Zé dos Bois – afectiva em vários sentidos. Profissional, de consumidor de arte, e, pronto, foi uma espécie de regresso.

[Afonso] Fazedor de arte. Todos nós, em alguma altura, ou trabalhámos lá, ensaiamos lá, começámos bandas lá – isto nos últimos 20 anos.

[Nelson] Os Gala Drop começaram na Zé dos Bois.

[Afonso] Os Gala Drop começaram na Zé dos Bois; os Loosers, que são uma banda do Rui, também de alguma forma começaram lá.

[Rui] Começaram lá. Não é de alguma forma, é começaram lá mesmo. 

[Afonso] E eu também comecei a fazer música a solo e a ensaiar lá.

[Rui] Já passei pela Zé dos Bois a fazer teatro, a fazer dança, a fazer som, a tocar, tudo e mais alguma coisa.

[Nelson] Os espectáculos foram todos, de alguma forma, bons. Mas o foco também de voltar um pouco à Zé dos Bois tem sempre este sentimento muito especial dentro de cada um de nós por todas estas razões. Mas também foi um espectáculo muito especial porque foi a primeira vez que tivemos a oportunidade de abrir um novo caminho para os nossos espectáculos ao vivo, que era uma coisa que já ambicionávamos há muito tempo, mas que nunca tínhamos encontrado uma situação que nos permitisse trabalhar com alguém que tivesse um bocado esse entendimento e essas capacidades. Neste concerto desafiámos o João Pedro Fonseca para fazer o desenho de luz e, de facto, todos sentimos que aquilo leva-nos para um sítio em que ficas extremamente imersivo na música e deixa de existir um foco em particular nas pessoas que executam. Conseguir conquistar isso através de uma imensa viagem lumínica é uma coisa fascinante. Foi uma sensação bastante gratificante toda essa relação, porque também tínhamos uma enorme curiosidade há bastante tempo, como te dizia, de levar a nossa música para outro sítio. Não existe aquela relação tão direta do artista-espectador, é mais só som, emoção, sensibilidade. A relação do espaço, o sentir as pessoas. Não existe assim grande coisa para ver, é para viajar.

Bem, voltámos ao Boom! [Risos]

[Nelson] Nós tentámos que este espectáculo acontecesse no Boom, mas, infelizmente, não foi possível.

Acho interessante essa ideia de criar um espectáculo próprio conforme o sítio.

[Nelson] Eu não sei se criamos propriamente por ser o sítio. Foi aqui [na Zé dos Bois] que se reuniram as condições para o fazer porque o que nós ambicionamos, de certa forma, é fazer cada vez mais este espectáculo, aquilo que aconteceu ali, a combinação do som e luz… transporta logo a nossa música para outro sítio. Há uma relação muito directa entre o espetáculo visual que o João desenvolveu com o que nós fazemos.

[Afonso] Nós estivemos anos, para aí quê, três a discutir isto?

[Nelson] Mais. Acho que isto começa há muito mais tempo.

[Afonso] Este é mais ou menos o ritmo desta banda. Nós somos uma banda mesmo-

[Rui] À vontade.

[Afonso] Quem é que demora oito anos para gravar um disco? [Risos]

[Nelson] Algumas bandas.

Podes ser o Kevin Shields e demorares 20 anos a gravar um disco!

[Afonso] Exactamente, é verdade!

[Nelson] Não somos o Kevin Shields ainda! [Risos]

Vocês têm também liberdade para fazer as coisas ao vosso próprio ritmo.

[Afonso] Exactamente. Temos liberdade e acho que isso é uma das nossas grandes forças e valias. É nós termos essa resiliência. Já me vieram dizer, “Eh, os Gala Drop, já ninguém se lembra e não sei quê”. Não, mas, na realidade, nós, de uma forma ou outra, sempre… esta banda, pelo menos falando por mim, sempre esteve nos meus pensamentos semanais, diários até, ao longo destes anos todos. É uma coisa que tenho sempre presente, mesmo que não esteja activamente à procura disto ou daquilo, ou que a gente esteja a ensaiar. Se bem que a gente ensaia bastante até.

[Nelson] Acho que também as expectativas vão mudando. A idade tem um papel muito grande e influencia como é que tu te começas a relacionar com as enormes expectativas. Quando tens 20 anos, não tens limites para todos os pensamentos que podes ter sobre o que pode acontecer a uma banda, estás a perceber? Agora se calhar não é uma questão de limites, é só uma questão mais de razoabilidade para contigo próprio. Não é necessariamente com a banda e com as situações. Tu estás mais consciente que as coisas às vezes precisam de tempo, às vezes são mais imediatas, às vezes não acontecem como tu esperas.

[Afonso] E a gente aprendeu a fazer as coisas com pés e cabeça, acho eu.

[Rui] Sinto isso, sinto isso.

[Nelson] Mas também demorámos demasiado tempo a entender coisas que só entendemos com este último disco. Se calhar, às vezes é melhor dar espaço a cada um para criar algo para ser desenvolvido por todos do que estarmos todos à procura de criar algo em conjunto. Essa também é uma grande aprendizagem do Amizade e que também contribuiu imenso para o tempo que demorávamos a fazer as músicas, ou o tempo que necessitávamos para fazer música em conjunto.

[Afonso] Nós antes fazíamos tudo à unha, agora já é diferente. Por exemplo, nesta nova residência, estávamos com ideias, tu estavas a mandar, eu estava a mandar, e aquilo estava ali a surgir uma cena.

[Nelson] Outra coisa. O processo do próximo disco ainda é mais complicado. Chamar-lhe-ia inusitado.

[Afonso] Por outro lado é mais fácil assim.

[Nelson] Foi mais fácil, mas é fora. Já estamos a falar do próximo, do que se seguirá [risos] –, mas foi bastante curioso: o Afonso criou partes dele, eu estar a encontrar coisas que tinha feito dentro da mesma lógica e encaixar e vê-las a ganhar uma nova dimensão. Isso foi bastante interessante, mas prontos, já estamos a divagar.

Acho que divagar é bom. Estamos a falar do Amizade mas já estão com a cabeça no que vem a seguir.

[Nelson] Um bocadinho, de certa forma. Os discos servem para sintetizar ali um momento e a nossa enorme expectativa, agora, é como é que conseguimos introduzir os novos temas, como já o fazemos, mas com ainda mais temas. Já estamos mais focados em querer encontrar novas motivações para alimentar este contínuo, que é também de expectativa agora do disco que estamos a acabar de lançar.

[Rui] Antes de mais nada, temos de sentir prazer – eu acho que isto é comum – naquilo que fazemos. Somos independentes no bom sentido e, portanto, estamos autorizados a fazer o que queremos. Portanto, esse prazer tem de se manter, porque se for qualquer espécie de obrigação, isso vai deitar abaixo aquilo que é a nossa… Não sei, acho que, em geral, isso deve acontecer e, portanto, se começamos a perder algum prazer no que estamos a fazer… É natural procurarmos novas coisas para estarmos sempre a alimentar o prazer de tocar. Ninguém quer estar no palco a fazer uma cena e a pensar na morte da bezerra. Estamos ali a fazer uma cena a pensar naquilo.

[Afonso] Isso sempre foi uma cena. Nós sempre fizemos a música que quisemos.

[Rui] E abandonámos rapidamente coisas que até podiam ser altamente interessantes, mas que se calhar já perdíamos o prazer de as fazer.

[Afonso] Foram raras as vezes que, pelo menos nestes 16 anos em que eu estou na banda, que a gente foi, “ah, bora pegar neste tema”. Acho que nunca aconteceu. Foi sempre  mais, “ok, agora vamos tocar isto” e [fazer] músicas novas.

[Nelson] [Tema] Antigo?

[Afonso] Sim. Nunca aconteceu.

[Nelson] Tentamos, muitas vezes, assim com jams antigas, mas nunca conseguimos. Aquilo ou é ou não é, e cada vez mais também temos a política que, se não está a funcionar para um, não funciona para todos. Avançamos. Não tentamos ficar demasiado ali focados numa tentativa de alimentar uma ideia que não está a funcionar entre os três.

Há aqui uma ideia bastante presente de olhar sempre para a frente, para coisas novas.

[Afonso] Sim, sempre.

[Rui] E não só. Um dos aspectos que curto mais nesta banda, mas não só, é que é o oposto da democracia. Se houver alguém que não está contente, acho que os outros vão ter isso em consideração. Acho que uma pessoa não estar satisfeita com o quer que seja num tema ou numa música é quase suficiente para pormos isso de lado. Isso é fixe.

[Afonso] Mas o outro lado da medalha é que agora sendo três é muito mais fácil. Um diz uma cena, o outro diz: “Não, não estou de acordo”. A terceira pessoa vai desempatar e isso resolve logo ali a situação.

[Rui] É verdade, é verdade.

[Afonso] Não há cá mais conversas [risos], não há cá mais romance. Fica logo pronto.

[Rui] Eu às vezes digo a brincar, mas muito a sério, que não gosto de números pares em trabalho – neste caso, claro, a banda é um trabalho que não é um trabalho. Mas isto não é só aqui. Eu trabalho em teatro e grupos pares empatam com muita facilidade [risos] e, portanto, podem ser três, cinco, sete, mais do que isso também já é muito. Dá andamento ao trabalho o ímpar.

[Afonso] É engraçado que o empatar é o 0-0, o 1-1, o 2-2, mas também é o empatar de estar a empatar.

[Nelson] Se está empatado, não sai dali.

[Afonso] [Risos] Há essas duas leituras.

Há coisas boas, então, para esperar no futuro por parte de Gala Drop.

[Nelson] Muitas.

[Afonso] Muito boas. Estamos mesmo. Eu já gosto mais do disco que a gente vai fazer do que do Amizade. [Risos]

[Rui] Nem que saia daqui a oito anos.

[Nelson] Mas não vai sair. É impossível. Podia ser, mas não vai acontecer.

[Afonso] Da outra vez também disseste isso! Mas há razões para este disco ter demorado oito anos. Porque, lá está, o disco do Boom é um concerto ao vivo e mesmo isso também foi uma cena completamente fora do baralho que fizemos e que acho que poucas bandas fazem isso. Eu não me estou a lembrar de nenhuma, “ah, vamos fazer um disco ao vivo”. Porque todas as pessoas adoram os concertos, dizem que Gala Drop é mais uma banda para ver ao vivo do que álbum e não sei quê. E toda a música do Boom, tirando uma, aquilo é tudo música nova, que ia ser um disco.

[Nelson] Não, não, era tudo nova… Qual era a música?

[Afonso] A “Samba da Maconha”, a gente fez uma versão. Mas são cinco ou seis músicas e são longas. A gente tentou gravar essas músicas em estúdio e aquilo ia ser um disco para aí de 40/45 minutos, maior do que este. Só que acabou por não ser isso e acabou por ser um disco ao vivo e acho que isso também é uma cena do caraças. A gente editou a cassete porque aquilo era para ser ouvido como contínuo. Não fazia sentido editar aquilo em vinil e também achaáos que CD na altura não nos fazia sentido.

[Rui] Não há um interregno entre 2013 e 2022.

[Afonso] Mas lá está, nós demoramos cinco anos a fazer um álbum, que é o Live at Boom. Isso é um álbum [risos]. Eu gosto muito daquelas músicas mesmo, acho que aquele material é excelente.


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