Pontos-de-Vista

Alexandre Ribeiro

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O Rolling Loud Portugal veio baralhar as contas.

Do Minho ao Algarve, a mudança é inegável: o espaço para o rap nunca foi tão amplo nos nossos festivais

Quando as redes sociais do Rolling Loud anunciaram a localização e o cartaz da sua primeira edição na Europa, as reacções foram, em grande parte, marcadas pela incredulidade: o auto-denominado “maior festival de hip hop do mundo” vai mesmo acontecer em Portimão? Há várias razões para existir um espanto generalizado, mas a maior será essa ideia de que a localização periférica de Portugal leva artistas norte-americanos e promotores portugueses a evitarem-se quando é altura de preencher a agenda de concertos. Numa segunda camada, é difícil não apontar a falta de visão e até algum pudor e preconceito (ou chamemos-lhe provincianismo) como factores para que alguns dos nomes mais populares e entusiasmantes do rap e do r&b continuem a passar ao largo. E nem precisamos de ir para lá das grandes estrelas: como seriam recebidos Drake e Jay-Z & Beyoncé se as suas digressões europeias tivessem passado pelos nossos estádios? Aliás, o que é que falta para que as suas apresentações ao vivo passem a ser uma realidade por cá e não apenas uma miragem? Por isso mesmo, um cartaz com A$AP Rocky (que também vai estar no Super Bock Super Rock), Future, Wiz Khalifa, DaBaby, Gucci Mane, Chief Keef, Lil Baby, Lil Uzi Vert, Meek Mill, Pop Smoke, Pouya, Playboi Carti, Rae Sremmurd, Rico Nasty, Roddy Ricch, Sheck Wes, Ski Mask The Slump God, Smokepurpp, Trippie Redd (a primeira confirmação para o Sumol Summer Fest deste ano), Young M.A e Young Thug, muitos deles em estreia absoluta em território nacional, só poderia causar grandes ondas, não estivéssemos nós a falar de artistas que não só têm ajudado a definir o som do rap nos últimos 15 anos como ainda dominam os gostos e as playlists de uma geração que cresceu dentro de uma “armadilha” gigante. Mas nem tudo são rosas: a falta de representação feminina e as actuações com vozes pré-gravadas — algo normal para muitos dos artistas que estão com passagem marcada para o Algarve — são factos que não podem ser tratados como variantes menores na altura de analisar o cartaz e as performances. No primeiro caso, o problema é muito mais profundo do que este evento — e se em 2016 precisávamos de falar sobre o machismo, em 2020 o caso não mudou de figura, só de protagonistas. No segundo, a discussão não começou agora — Denzel Curry, por exemplo, já falava sobre isso em 2017 e a DJBooth reflectia sobre as implicações de não existir a preocupação com o espectáculo ao vivo –, mas será a primeira vez que teremos tantos rappers que o fazem no mesmo espaço, à nossa frente, durante três dias seguidos.

Os ares de mudança não se sentem apenas em eventos novos: ver o NOS Alive a abrir mais um dia para garantir a presença de Kendrick Lamar e a mais que merecida passagem ao palco principal de Tyler, The Creator no NOS Primavera Sound (dois anos depois de ser incompreensivelmente relegado para um dos secundários) são reflexos do poder destes agentes criativos. Conhecido pelo seu posicionamento mais alternativo e de vanguarda, o festival que acontece no Parque da Cidade do Porto também demorou a ceder aos encantos, mas a magia está finalmente a surtir efeitos: o autor de IGOR pode ser o nome mais sonante, mas há ainda Little Simz, FKA twigs, Sampa The Great, Earl Sweatshirt, C. Tangana, Bad Bunny, Jamila Woods, Bad Gyal e Yung Beef a ter em conta nesse cartaz. As alterações sentem-se também nos representantes portugueses, dois deles ligados ao rap, o produtor gaiense David Bruno e o trapper minhoto Chico da Tina. E por falar em Portugal: temos ProfJam no MEO Sudoeste, Mundo Segundo & Sam The Kid, Plutonio e GROGNation no Rock In Rio ou Minguito, Lon3r Johny, YUZI, Sippinpurp e Piruka no Rolling Loud. Gerações diferentes, escolas diferentes e perspectivas diferentes a ocupar o centro e as margens. Entre 2012 e 2016, Ultramagnetic MC’s, The Weeknd, K-Dot, Run The Jewels e Freddie Gibbs (que acabou por cancelar) foram jokers sem aparente peso nos baralhos essencialmente rock propostos, até que em 2017 o panorama começou a ficar mais diversificado: Killer Mike e El-P regressavam (desta vez para se apresentarem no palco maior) e Skepta, Flying Lotus, Death Grips e Sampha também tinham uma palavra a dizer. No ano seguinte, A$AP Rocky, Tyler, The Creator, Kelela, Vince Staples, Thundercat, Ibeyi e Kelsey Lu aproveitavam a deixa, mas foi em 2019 que a escassez deu lugar à abundância com Solange, Danny Brown, Lizzo (mais uma “vítima” de cancelamento), Tommy Cash, Ama Lou, Allen Halloween, Dino D’Santiago, J Balvin, Kali Uchis (que também não compareceu), JPEGMAFIA, ProfJam, Erykah Badu, Rosalía, Neneh Cherry e Kate Tempest a sublimarem com traço grosso a mudança de direcção. Em 2020, o meio-termo é a palavra de ordem, e é uma pena que Young Thug, DJ Shadow, Big Freedia, Brockhampton, Kano, Young Dolph, Sudan Archives, Mariah The Scientist, PNL, Freddie Gibbs & Madlib e Rapsody se tenham ficado pela versão espanhola do festival.

Voltando à Área Metropolitana de Lisboa: o Super Bock Super Rock convocou, para já, A$AP Rocky, GoldLink e Kali Uchis, enquanto o Sumol Summer Fest chamou Trippie Red, Burna Boy, Julinho KSD e Nenny. A Música no Coração, responsável por ambos, continua a aposta nesse lado mais urbano, à falta de melhor termo, conservando a posição de algum vanguardismo que tomou nos últimos anos: Migos, Post Malone, Travis Scott, Future, Young Thug, Brockhampton e tantos outros estrearam-se por cá sob a sua alçada. Com argumentos fortes encontramos ainda o ID_NOLIMITS e o Vodafone Paredes de Coura, este último com slowthai como a arma definitiva — conhecendo o festival minhoto, existem todas as condições para ser um dos melhores concertos desta edição. Se realmente é verdade o adágio que nos diz que “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, então somos forçados a encarar a estreia de novos eventos ou a maior abertura de alguns cartazes como sinais de uma evidente mudança de paradigma. Seria, no mínimo, estranho se a chegada do Rolling Loud e a continuidade do Afro Nation não tivessem qualquer impacto na agenda nacional de concertos, nem que seja pelo simples facto de obrigarem a Área Metropolitana de Lisboa a dividir as atenções com a Praia da Rocha, em Portimão, de 8 a 19 de Julho. Em conclusão, espera-se uma época de festivais com picos de intensidade causados pelo rap e alguns dos seus embaixadores, de Norte a Sul do país, com a promessa de descargas energéticas altíssimas. Em 2021 voltamos a falar…

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