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Fotografia: Midnight Madness
Publicado a: 25/10/2019

A comemorar o primeiro aniversário do aclamado Mundu Nôbu, o cantor de Quarteira lança um novo EP.

Dino D’Santiago sobre SOTAVENTO: “É o batuku e o funaná a assumirem uma globalidade electrónica”

Fotografia: Midnight Madness
Publicado a: 25/10/2019

Dino D’Santiago ainda não dormiu hoje. Quando nos encontramos ao anoitecer de terça-feira, numa perpendicular à Avenida da Liberdade, tem finalmente previsão para repousar — mas quase tão imediato é o próximo compromisso. (Madrugada seguinte, pelas quatro da manhã, era o comandante de uma plateia em Bragança, que proclamaria doravante como uma “décima-primeira ilha de Cabo Verde”).

Não obstante, nele não se detecta a mais ínfima fadiga; a sua recepção faz-se com o clássico abraço. “Mano, como é que é possível?” Este encontro é o fechar de um círculo: foi em Fevereiro, numa sessão de escuta de Mundu Nôbu que Rui Miguel Abreu levou ao Chiado, que conheci a voz da “Nova Lisboa” e o director do Rimas e Batidas — o resto é história. Ao passo que por cá se acumulavam festivais e entrevistas, Dino D’Santiago seguia num paralelo exponencial. Sagrou-se ponta-de-lança da vanguarda portuguesa, por culpa sua e de uma trupe que incluiu Seiji, PEDRO ou Kalaf Epalanga. Juntos, lapidaram as coordenadas mútuas entre a chama cabo-verdiana — onde o funaná e o batuku desembocam na morna e no kizomba — e o oxigénio da electrónica. E o que dá cruzar um combustível com um comburente? A sofisticada e estonteante combustão que é o terceiro álbum de Dino D’Santiago, que teve na unanimidade nacional uma catapulta para fazer ondas em toda a Europa. Um ano após descobrir um Mundu Nôbu, sopra agora para SOTAVENTO. O título é um aceno ao arquipélago que perfaz metade de Cabo Verde, tanto quanto ao Algarve oriental — ou não fosse D’Santiago embaixador da sua Quarteira. Para lá das suas raízes e terra natal, o novo EP é uma agulha a apontar para outros rumos; uma construção polirrítmica com apetite pela turbulência. São cinco temas de alta tensão e energia sísmica, que devolvem ao mundo a electricidade musical de Cabo Verde nos anos 80 e 90.  Foi isto que contou ao ReB, com um tremor palpável de felicidade. Entre isto e um sono regular, a escolha é óbvia.

Acabámos de viver um belo ano de Mundu Nôbu.

Há três dias fez um ano e ganhei um prémio no Somos Cabo Verde — é tipo o Globos de Ouro de Cabo Verde; fui vencedor na categoria de Música. Vim de lá agora mesmo por isso. Foi mesmo uma benção, um dia antes do Mundu Nôbu.

Quando nos conhecemos em Fevereiro, questionei-te sobre o preconceito que muitas vezes recebe o kizomba, o funaná — coisas que tu incorporaste com toda a naturalidade no álbum, mas que em Portugal ainda são vistas como subalternas. Nestes meses que se seguiram, estamos plenamente mergulhados na Afro-Lisboa.

Claramente.

No primeiro aniversário de Mundu Nôbu, como é veres isso — uma pessoa que ajudou a trilhar esse caminho — do topo da pirâmide?

É bonito. É bonito. É como quando acontece no palco e tu vês aquelas pessoas todas, o brilho nos olhares — eu tenho a felicidade de ver a mistura ali à frente. Imagina, tu como espectador estás ali sozinho, vais ver uma ou duas pessoas ao teu lado, mas não absorves; queres absorver o concerto. Eu consigo ver aquela salada mista de pessoal a vibrar e ouvi-los a gritar a todos “minha nação é crioula” é uma coisa que, ‘pá, nem sonhado. É bonito fazer parte deste movimento e eu sinto-me mesmo parte do movimento como o público também o é: não sinto que ninguém é mais que ninguém, nem nós que produzimos, nem o público que o recebe e absorve e o expõe aos seus. Estamos todos em igual parte neste movimento.

Deves sentir principalmente isso quando — tens aquela particularidade de ir, nos concertos, sempre para o meio do público sentir a energia.

Ya, mesmo, mesmo. Já não sei até quando me vão permitir isso, porque já houve concertos que o pessoal estava tão excitado que depois ninguém me conseguia tirar dali do meio e, pá, eu a adorar [risos]. Mas é muito amor, meu. Lá está, estávamos a falar de eu não dormir muito, mas recebo tanta energia das pessoas que isso faz que eu tenha uma constante revitalização dos meus órgãos, de tudo, ‘tás a ver?

Claro. Nestes 12 meses, já aconteceu tanta coisa: a tua cara já esteve plasmada em todas as estações do Metro, varreste os Play Awards, fizeste destaque na Rolling Stone, a Madonna convidou-te para a entourage. O que há mais a dizer? O Nuno Artur Silva disse que devias ter feito o discurso do 10 de Junho

Eu até me arrepiei quando li essa boa acção do Nuno. Para já, porque quando escrevo, eu gosto que as mensagens sejam eternas e de edificação. Que tu escutes e que te fique alguma frase que possa mudar a tua vida. Escrevo sempre com essa intenção. Raramente me sentei para escrever, “olha, pronto, está na hora de escrever uma música” — não, parte sempre de uma mensagem, uma máxima. Felizmente temos produtores que conseguem dar um beat que te envolve, hipnotiza e só depois é que pensas na mensagem, mas já estás preso nele. Este ano foi surreal. 2019: toda a gente tem aquele ano que, eu acho que quando eu partir desta para melhor, o pessoal se vai lembrar de 2019…

Como o ano do Dino.

‘Tás a ver? Lá está, foram os prémios Play, foi o destaque na Rolling Stone, foi conseguir estar na produção do álbum da Madonna, meter as batucadeiras a irem em tour com ela. Depois, estar nos festivais que tanto sonhei, como o Primavera Sound, o Super Bock Super Rock, MED, Sines, Bons Sons. Fui tocar a Espanha pela primeira vez, onde nunca tinha tocado nestes 15 anos.

Andaste por mais sítios na Europa, também.

Andei, andei! Comecei logo a tour na Polónia: 9 cidades, 9 concertos esgotados — estás na presença do produtor, o Piotr [Łyszkiewicz] e a produtora, Naomi [Guerreiro] [aponta para eles, que estão a conversar no fundo]. Estás a apanhar bué inéditos! Foram logo 9 cidades de Norte a Sul do país completamente lotadas, e o pessoal a gritar “qual é a ideia?!”

Mas vês? Como é que tu explicas isso?

[Tom incrédulo] Não te sei explicar. Eu próprio fiquei… Eu soube que a primeira estava esgotada e já não quis saber de mais nenhuma, disse assim: “Epá, calma. Isto não me parece normal!” Houve uma cidade que esgotou duas vezes, tive de tocar uma hora depois. Foi inacreditável. Polónia foi um grande arranque para a minha tour. Depois, o festival ID — concerto incrível — e começaram a chegar todos os festivais e festas da cidade. A minha agência controlou muito, porque ainda houve mais pedidos, mas controlámos para não ser tudo no mesmo ano. E ainda transportar essa Lisboa crioula, e pessoas de fora, para o festival Sou Quarteira. Um ano em que acontecem os Cabo Verde Music Awards e recebo o prémio de Música Internacional, e um dia antes de celebrar um ano de Mundu Nôbu, recebo o prémio de Música no Somos Cabo Verde.

Esse prémio tem um sabor especial, não?

Tem, tem. Prova-me que, quer seja em Portugal quer seja em Cabo Verde, eu sou amado da mesma forma — se em Portugal, me sentem português com origens cabo-verdianas, em Cabo Verde sentem-me crioulo nascido em Portugal. É bonito, porque eu ando na rua e acontece uma réplica quando estou em Lisboa ou  Santiago ou Mindelo ou Porto ou Quarteira ou Coimbra… Recebo muito amor. As pessoas às vezes nem têm noção, acham que me estão a chatear, e eu digo-lhes: “Isto é o melhor que um músico pode levar deste plano da vida”.

Francamente: quando lançaste em 2008 o Eu e os Meus, vias isto no horizonte?

HOOOOO! Nunca na vida! Eu sempre acreditei na caminhada. Eu era um miúdo, já foram 11 anos, eu não esperava mesmo… Eu esperava que o que está a acontecer comigo hoje fosse o que eu fosse sempre viver em segundo plano, como quando estive nos Expensive [Soul] e nos Nu Soul Family. Mas tive a sorte de poder ver como é quando um músico é adorado pelo seu público, e as pessoas a interpretarem as canções… Eu sonhava com isso: “se um dia cantassem as minhas músicas como o pessoal canta o “Eu Não Sei”, o “13 Mulheres”, ou o “Re-Tratamento”… Mano, como seria? [risos] ‘Tás a ver?!

E agora chegamos a um novo disco.

Finalmente, este… aliás, ele nem é disco, no fundo, ele é um EP. Mas ainda bem que deste o título de disco, porque quando o escutas, tu sentes que é algo coeso e sólido e podes estar ali em repeat como se for um disco. É um EP que é o início de uma história: é o fecho de um capítulo — Mundu Nôbu — e reabre outro capítulo. Mas essa viagem do SOTAVENTO: para já, celebra [o facto de] eu ser do Sotavento do Algarve, Quarteira é Sotavento, e Sotavento de Santiago… Cada tema celebra uma ilha de Sotavento. É o batuku e o funaná realmente escancaradamente assumindo um novo corpo, uma nova roupagem, uma globalidade electrónica a 100%.

Tiveste novamente produção do Seiji…

E do Nosa Apollo, um rapaz da Nigéria. Ele costuma trabalhar com o Seiji, já no “Como Seria” ele tocou alguns instrumentos — ele é um músico e produtor igualmente incrível, trabalha à velocidade do luz. O processo foi muito bonito: o Seiji enviava só os beats, vários loops, e eu chegava ao estúdio e seleccionávamos: “Hoje, é este” — e pumba! Os temas foram saindo a uma velocidade inacreditável, sempre com mensagens fortes e de edificação, como sempre te disse, de pura intervenção. Deixou-me mesmo muito feliz o resultado final deste SOTAVENTO. Felizmente, o Mundu Nôbu foi aceite por toda a gente, mas acho que ainda vão descobri-lo daqui a uns tempos. O SOTAVENTO já consegue ser mais directo na proposta, tipo: “olha, este é o caminho: peguei em dois ritmos de Sotavento e dei a roupagem contemporânea electrónica que podes ouvir em qualquer pista do mundo” — são ritmos novos que vão tocar nesses ambientes.

Como é que isto se proporcionou? Foste gravando, residência no estúdio ou…

Sabes o que aconteceu? Foi melhor que isso. O Kalaf [Epalanga] — que escreveu para este disco — e o Seiji impuseram algo que eu nunca tinha feito. Durante esse período, todos os meses desde Maio até hoje, todos os meses fui a Londres gravar — independentemente para o que era. Deixar fluir, criar o ambiente necessário para deixar fluir em canções.

Mas, na altura, não definiste à partida: “isto vai ser um EP”.

Não, não. Só fui respirando. Quando tivemos este conjunto de canções — temos para lá 20! — pensámos: “isto é uma boa forma de celebrar o Mundu Nôbu e abrir o tópico”. Depois de termos assinado com a agência inglesa, a Earth Music Agency, foi um disco proposto para a cena internacional. Só que, felizmente, Lisboa é tão internacional que, melhor do que apresentar aqui, é impossível. Quando toquei no Capitólio, vi a reacção aos temas — o “FOGO (Nu Fazi)”, e ainda mais o “BRAVA”, o pessoal passou-se com o som.

Senti isso quando a ouvi em Sines e no Bons Sons, as pessoas ficavam parvas com esse tema.

Tu aí sentes: “este som é o single”. E há outras. Escrevi uma em português que, supostamente, ia para arquivo, para as nossas cenas, e o Kalaf disse: “este som tem potencial para ser um grande tema para consolidar o EP” e foi, a “ILHÉUS”.

No quadro geral, o Mundu Nôbu era um documento mais suave, um híbrido da Lisboa crioula e internacional…

É Londres, é Luanda, é Nova Iorque, é Santiago…

E este SOTAVENTO é frenético.

Todas, todas! [risos] Não te dá tempo!

Não te dá descanso em nenhuma música. Aquilo é capaz de gingar o triplo do Mundu Nôbu. Querias fazer um tributo às ondas de Cabo Verde nos anos 80 e 90.

Nessa altura, os Livity eram uma banda muito frenética. Começaram esse movimento de modernizar os ritmos de Cabo Verde. É um tributo a essa geração.

De Livity, Splash…

Do Gil Semedo, Beto Dias: eles deram esse primeiro arranque nos ritmos de Santiago; Grace Évora, também, foram muitos. Foi só dar o meu toque 2020 [risos] e sinto que está lá, consegues sentir o grime de Londres, a cena electrónica de Berlim, a global electrónica de Lisboa, tudo isso aqui incorporado.

Vamos lá a um faixa-a-faixa. Começamos com o “BRAVA (Carta Pa Tereza)”, que se tornou um highlight dos concertos.

É um highlight e é incrível que é: imagina como é que nasceu este tema. Eu estava em casa da Nha Balila, a batucadeira mais antiga em Cabo Verde, é invisual, e ela entra no videoclipe do “Nôs Funaná” — quando fala do que a mulher deve ser, se a mulher nada é, o homem também nada é… Ela ouviu a voz da minha avó no tema “Bô Eh Sabi”, e ela disse “esta senhora fala como eu! Tem a mesma propriedade a falar”. E eu: “Olha, é a minha avó, tem 94 anos.” E ela: “Eia, eu tenho 90, quero conhecer a tua avó”. E eu: “Então, grava uma mensagem de voz que eu levo para a minha avó ouvir, e um dia vocês conhecem-se”. Ela gravou uma mensagem, da qual eu fiz a canção. Ela ainda não teve oportunidade de ouvir, mas eu vou fazer questão de levar a Cabo Verde para ela ouvir. E a “BRAVA” nasce disso, de uma conversa — lá está, sempre a minha vontade de pegar no quotidiano e transportar para as canções. Depois, o “ILHÉUS (Nu Bai)”, nasce da vontade de eu expressar [pausa] a forma como a relação deve ser. “Se isto é para ser, será que é preciso um anel?” Deixar os protocolos; às vezes, as relações não vão ser todas by the book, como os ancestrais trouxeram até nós — e se formos viajar até à ancestralidade, então não havia sequer a relação como hoje é vista. O “Nu Bai” é nesse sentido: bora, vem ser minha tropa. Mais do que minha mulher, ou eu mais do que teu homem, vamos ser tropas um do outro. Foi um tema que me deu gosto escrever.

Acho que é a canção mais Mundu Nôbu aqui.

Sim, senhor, tens toda a razão. Poderia mesmo entrar no Mundu Nôbu; grande observação, fogo. Olha, agora vem o “FOGO (Nu Fazi)” [risos]. Para mim, é o tema mais importante deste EP, em que eu escrevo [recita as letras em crioulo]: eis-me aqui novamente a estender-te a mão para travar esta luta, a luta entre a humanidade, porque, olho por olho, o mundo acaba cego. “Nu Fazi” significa “façamos”: deixemos de tentar, façamos sem lamentar. É uma mensagem para os jovens, um apelo ao voto, é um direito que tu tens, e às vezes levamos como um dever, e depois acontece o que aconteceu com a abstenção. Depois, como é que vamos querer ter uma voz? Mesmo que assines em branco, estás a manifestar o teu desagrado. Mas faz parte. A abstenção também é por nossa culpa. Imagina se todos os jovens votassem num partido em que acreditassem, nem que criássemos um movimento, não sentes que íamos causar uma mossa? Esse tema excedeu… é o som favorito do Valete.

Andaste a mostrar o EP ao pessoal?

Mostrei ao Valete, a alguns músicos em Cabo Verde, aqui ao Virgul, ao Nelson Freitas, ao Djodje, ao Kaysha. O Sam [The Kid] foi dos primeiros a ouvir também. O feedback deles deu-me mais confiança; ao Carlão também enviei. Agora, “SANTIAGO”, que é a ilha dos meus pais, daí eu ser Dino D’Santiago — é um batuku que eu escrevi dedicado ao meu pai e à minha mãe. Eu digo que as suas orações é que me livram dos perigos da vida, e que agora já não preciso da benção deles — “do corpo passa para a cabeça, da cabeça passa para a acção do dia-a-dia”. Também é um tema muito importante para mim.

Há um perigo: tens umas mensagens que são exórdios à acção, manifestações de amor, mas o pessoal tem de estar atento a isso. Não se pode perder só no groove

Ya, ya, ya! Apela à viagem no groove . Mas essa também é a piada: depois, um dia, debruças-te sobre a letra, e ficas, “porra, este gajo…” Muita gente curtiu o Mundu Nôbu e, depois, quando prestaram atenção às letras, aí ficaram a adorar o disco.

Não consigo deixar de ouvir a “MAIO (Kel Kê di Nôs)”.

[Dino canta a melodia do refrão] 160 BPMS! [risos] Ainda não toquei esta ao vivo, nem a “ILHÉUS (Nu Bai)”, vou meter agora, para dia 9 no Casino Lisboa.

Achas que o pessoal está preparado para a “MAIO” ao vivo?

Ei, mano, não sei. Acho que é uma paulada. Nem a banda está preparada.

Lembra-me que eu já achava a “Fidju Poilon” — a minha favorita no Mundu Nôbu — radical, quando a batida se torna mais intensa na segunda parte.

Tu és um funaná lover: tocaste em dois funanás, a “MAIO” e a “Fidju Poilon” — que é o meu pai. Poilão é a zona dele, onde ele vive.

Sou-te honesto: muitas coisas [em crioulo] não consigo entender completamente.

Mas a culpa não é tua, tenho que fazer a tradução. As letras são tão fixes que ainda vais curtir mais — essa aí, a letra é incrível. Vou fazer isso. Na “Kel Kê di Nôs”, o que é meu é teu, o que é teu é nosso, o que é nosso é de todos. É um junta mon, como a gente costuma dizer em crioulo: juntemos as nossas mãos, e não é meu nem teu, é nosso. Eu estou a explicar a minha história [canta o primeiro verso]: diz que o Dino está a arrebentar, que já venceu na vida [segundo verso], mas esqueceu-se daquela caminhada de 15 anos com muitas quedas que não foram tão prazerosas, amanhecendo longe dos meus. Em busca, até que achei um novo futuro para a nossa cultura: hoje, o batuku está no mundo; na segunda volta, diz que o funaná hoje está no mundo.

Encontraste esse ponto de caramelo que é obter uma plataforma gigante, que nem imaginavas tão cedo para ti, mas seres completamente fiel à tua história. E outra coisa. Stereossauro, Branko, Kumpania Algazarra, Vinicius Terra, C4 Pedro…

…Valete, estive em todas as faixas da nova cena dele, na produção vocal e arranjos. É o prazer, mano. Dá-me um prazer tremendo. Quando o pessoal me liga, “‘tás livre?”, eu vejo quando estou livre, e em vez de o dar a outra coisa, dou-o à música. Tem sido uma caminhada. Agora fiz um retiro em Cabo Verde, de vez em quando tenho que dar essa escapadela, mas enquanto a música chamar por mim, eu vou estar lá.

Mas é-te difícil dizer não.

Dizer não é muito difícil, para mim. A minha equipa diz não por mim, porque vêem que eu não posso fazer tudo. Eu se pudesse, ia à luta a todas [risos], mas não dá para fazer isto tudo.

E não só no ponto de criar música, mas em promoção intensa e concertos — já podes relaxar um pouco.

É verdade. E agora é a preparação para o internacional. Paris é o primeiro [sítio] onde vamos apresentar o SOTAVENTO, no dia 1 de Novembro. Venho para Lisboa, e temos outra data em Janeiro que me vai dar um gosto especial.

Já é um cartão-de-visita que tens seres um gajo porreiro; achas que se não fosses tão aberto e terra-a-terra, chegavas aqui?

Não, não chegaria aqui. Sabes porquê? Imagina, se eu não fosse tão terra-a-terra, eu não ia sentir — eu só consigo cantar o que escrevo. Sempre tive o défice de não conseguir decorar; o meu repertório extra-Dino quase não existe, eu quase não decorei, não tenho muitas canções. Mas se escrever, nunca mais me esqueço, porque escrevo sempre sobre uma história minha, ou uma história de quem está à minha volta, ou de conversas. Se eu não fosse terra-a-terra, não teria oportunidade de viver o que vivi com a minha avó, o que vivo com as pessoas, as nossas conversas, eu não iria ter isso. Ia dar a outro porto. Mas este porto, se eu partir de hoje para amanhã, vou sentir que parti de um porto feliz. Eu deixei o que sinto o que é o meu propósito: juntar as pessoas, formar um movimento onde vamos todos num só caminho, e todos com um só foco, da edificação da nossa cultura e da felicidade de cada um.

Neste último ano, de promoveres uma coisa tão pessoal e enraizada na tua história, sentes que aprendeste algo de novo sobre Cabo Verde? E mesmo sobre ti?

[Tom contemplativo] Ya, aprendi. Sobre mim, com o Mundu Nôbu, aprendi a visualizar os momentos: quer os concertos, os prémios Play, essas coisas todas. Imagina, a única coisa que eu pedia era… “Quem me dera receber um prémio Play só para dar a estes gajos, que eram os produtores e toda a minha equipa, porque eu sei o quanto eles trabalharam” — o universo deu-me três. Nos meus concertos, só pedia que a minha mensagem chegasse a uma pessoa, que eu sentisse sorrisos, lágrimas, que nunca perdesse o foco. Tive muito mais. Eram milhares de pessoas nessa energia. Depois, chego a Cabo Verde e eu: “Se receber este prémio, vou fazer um tributo à Nha Balila e às batucadeiras. Ganhei e ela é que foi buscar o prémio, que eu não podia, estava em Espanha. Isso aconteceu somente porque a minha intenção era elevada, nunca foi uma cena com base no ego. O teu ego existe para te suportar o caminho, mas ele tem de estar em equilíbrio. Tu precisas de ego, caso contrário não te consegues mover, porque ele estando em baixo não funciona, e estando alto demais também não funciona. É como a tensão alta e a tensão baixa: tens de estar com ele no centro. A única forma é se pensares no próximo — é uma coisa que me é natural. Sinto que é por isso que o universo não me falha, ‘tas a ver? O dia em que isso deixar de acontecer, mais vale não fazer música, mais vale fazer outra coisa. O que eu gosto é de comunicar.

E vais continuar a comunicar ao longo da história, sempre com o código postal.

[ambos em uníssono] 8125!

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