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Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 08/11/2022

Frente a frente com um histórico do hip hop.

Diamond D: “Eu fui um dos primeiros produtores a rimar”

Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 08/11/2022

Não é todos os dias que alguém como Diamond D passa por Portugal, muito menos com o intuito de partilhar conhecimentos e experiências de forma gratuita com jovens rappers e beatmakers portugueses. A acção foi promovida pelo Departamento de Estado americano e pela Embaixada dos EUA em Portugal e terminou no final de Outubro depois de duas semanas de diplomática troca de conhecimentos entre formadores e formandos.

O Rimas e Batidas teve a oportunidade de se sentar com Joseph Kirkland num ambiente bem diferente da confusão e dos holofotes a que está habituado por casa, e ainda bem, porque só assim pudemos entrevistá-lo com calma e aconselhá-lo sobre as melhores lojas de discos em Lisboa – quem sabe se o próximo sample do produtor do Bronx não é retirado de um álbum comprado em solo português. À boleia falámos ainda sobre o seu último longa-duração, The Rear View, em que procura solidificar a ideia de que estamos perante um dos mais capazes rappers-produtores desta cultura que está prestes a chegar aos 50 anos.



A primeira questão que tenho que colocar é o que o traz por cá? Sei que está a participar numa iniciativa da embaixada americana que envolve alguns workshops. Pelo que percebi esta iniciativa tem também um certo cariz social…

Esta é a minha segunda residência deste tipo. A primeira que fiz foi em 2014, na Sérvia. Isso foi há 8 anos, como o tempo voa — foi a primeira residência de todas também. Esta é a minha terceira ou quarta vez em Lisboa. Estive cá há uns anos para o Vodafone Mexefest, em 2016, e percebi que Lisboa era bonita. Por isso, assim que apareceu esta oportunidade, não hesitei. Foi só o que precisaram para me convencer.

Esta iniciativa é destinada sobretudo a beatmakers, estou muito curioso para saber com quem se cruzou. Encontrou alguns artistas de valor?

Sim, a turma tem cerca de oito pessoas e são todos muito bons. Têm por cá um artista chamado TOM, ele é muito bom, e duas das artistas femininas também se destacaram, a Soluna e a Nayr [Faquirá], mas na verdade eram todos muito bons. Eu pensei que ia estar a ensinar iniciantes, mas eram todos já produtores bastante bons e isso tornou o meu trabalho muito mais fácil. Na verdade, eles aprenderam comigo e eu aprendi com eles também — foi uma troca justa. Até agora tem estado tudo a correr muito bem. Vamos na segunda semana da residência e não me posso queixar de nada. Eles são todos bons e estão sempre a absorver tudo, e isso é muito importante para mim.

Tem anos e anos de carreira, mas ainda assim sente que a juventude tem sempre algo para lhe ensinar, ou isso não é assim tão linear?

Sim, pelo menos técnicas diferentes. Eu disse à turma que faço isto há mais de 25 anos, mas ainda estou a aprender. Todos os dias aprendo alguma coisa nova e é disso que gosto na actividade. 

Gostava de explorar um pouco melhor a componente social deste workshop. É obvio que o hip-hop tem uma base social, basta pensar nas circunstâncias em que surgiu em Nova Iorque, muito longe daqui. Na sua opinião, como é que os valores do hip hop combinam com uma comunidade como Lisboa?

O hip hop começou no Bronx, de onde eu sou. Foi um movimento de pessoas pobres, mas o hip hop cresceu muito desde então. Não é preciso ser pobre para fazer ou apreciar hip hop, e não me parece que nenhum dos meus estudantes sejam pobres. Não serão ricos, mas não são decididamente pobres. E, como sabemos, a música junta as pessoas, pelo que a cultura hip hop é um fenómeno mundial que implica muita coisa, desde a indústria da roupa ao estilo de vida, ou mesmo aquilo que bebes à noite – influencia o mundo inteiro, onde se inclui Lisboa. Em 2023 o hip hop faz 50 anos, creio que o movimento nasceu em 1973 e eu tinha 3 anos nessa altura. 

Sobre o seu último álbum, o The Rear View: tem produzido bastante em nome próprio ao longo dos últimos 10 anos e lançado tudo, desde álbuns a singles. Este é o seu novo álbum em nome próprio e, para a maioria das pessoas, pode parecer apenas mais um. São muitos anos de carreira e já não tem certamente que provar nada a ninguém, pelo que lhe pergunto o que é que se propõe a alcançar com este trabalho?

Na verdade, este é o meu primeiro álbum a solo nos últimos 10 anos. É verdade que editei muitas coisas, mas os últimos três projectos que lancei: Diam Piece em 2014, Diam Piece 2 em 2019 e ainda produzi o Gotham para o Talib Kweli. Depois de produzir estes três álbuns em parceria, pensei que seria tempo de fazer um álbum a solo e certificar o meu lugar enquanto um dos melhores produtores que rima e escreve os seus próprios raps. 



Vou ter que insistir nisso porque assim que alguém pesquisa o Diamond D na Internet aparecem inúmeras listas e rankings de revistas e plataformas ligadas à musica. Este tipo de reconhecimento vale alguma coisa para si?

Claro que como artista e produtor quero ser reconhecido. Poderei ser sempre o número 1 de alguém e ao mesmo tempo o número 5 e 10 de outras pessoas… isso não me importa, desde que mencionem o meu nome. Influenciei muita gente e muitos artistas, pelo que sinto que o meu legado no hip hop está bem cimentado, e isso faz com que me preocupe pouco com a minha posição nos rankings — desde que esteja nos rankings. 

Isso é muito interessante e parece ligar bem com uma citação sua que encontrei num trabalho publicado online sobre o seu álbum. Terá dito que The Rear View “foi trabalhado para que todas as faixas pudessem sobressair enquanto singles“. É uma afirmação interessante e queria-lhe perguntar no que é que significa e se é este tipo de mentalidade que o faz andar para a frente e continuar a produzir coisas novas?

Enquanto artistas somos todos muito competitivos. Acho que quem ouvir o álbum vai reparar que é novo, mas eu não estou propriamente a tentar fazer o que os adolescentes estão a fazer. Continua a ser um álbum criado por um homem feito-

Ainda que tenha a presença de vários jovens artistas. Talvez não sejam necessariamente adolescentes, mas alguns estão ainda a dar os primeiros passos na carreira. 

Eu trabalho sempre com artistas novos. Sabes uma coisa, há 20 anos o Big L era um artista novo e eu trabalhei com ele. Quando apresentei o Fat Joe ao mundo, também ele era um novo artista. Sempre trabalhei com malta nova, mas queria fazer um álbum novo que soasse verdadeiro para mim mesmo, e julgo que alcancei esse objetivo. 

Não existe trap no meu álbum. Não tenho nada contra o trap, mas não é algo que eu faria. E até agora o álbum tem tido muito boas críticas o que — estando eu no circuito há tanto tempo — tem um grande significado.

Este trabalho tem seis rappers convidados e ainda a participação indirecta de Chris Rock, cujas declarações são utilizadas na introdução do álbum. Obedecendo à ordem do disco, gostava de lhe perguntar por esta intro do Chirs Rock, onde é que ouviu isto?

Eu usei a gravação porque o Chris Rock, como muita gente, pode ter ouvido falar de mim mas nunca tinha mergulhado no meu catálogo. Ele disse que estava com o Dave Chapelle e o Dave perguntou-lhe se ele já tinha ouvido as minhas músicas. O Chris, de forma honesta, respondeu que não, mas depois disso decidiu investigar e, para ele, tornei-me num dos maiores de sempre.

Eu quis usar este som porque muita da população ouvinte de hip hop, sobretudo a mais jovem, pode não reconhecer o meu nome, mas reconhecerá sempre alguma coisa que fiz: ganhei um GRAMMY, produzi êxitos para o Busta Rhymes, Fat Joe, Snoop Dog, e por aí em diante. Isso fez com que para mim esta fosse uma boa introdução e um bom ponto de partida par ao álbum.

Realmente, isso insere-se na opinião de que os produtores, por mais talentosos que sejam, continuam a ter dificuldades em fazer o seu nome chegar ao público geral. Qual é a sua leitura em relação a este tema?

Os produtores estão tipicamente no background, mas eu fui um dos primeiros produtores a rimar. Quando fiz o meu primeiro álbum, Stunts, Blunts & Hip Hop, que saiu no mesmo ano do The Chronic do Dr. Dre, ainda não havia tecnologia, não havia uma figura como Kanye West nem a maioria dos produtores que hoje fazem rap. Já eu apareço na história como um dos primeiros a fazê-lo e isso diz muito. Ouviste o que o Fat Joe disse no meu álbum?



Claro, que se não fosse por si não teríamos nunca ouvido falar de uma imensidão de nomes. 

Lá está. Se fosse eu a dizê-lo, isso seria arrogante. Mas como foi o Fat Joe quem o disse, e eu nem estava lá quando ele o disse, deixa de o ser. Foi muito simpático da parte dele reconhecer isso e, novamente, quem não conhecer o meu nome vai ficar muito surpreendido. É que da maneira que as coisas funcionam agora com a Internet, as pessoas recebem demasiada informação rápido de mais-

Apesar de tudo isto estar na Wikipédia.

Exactamente. De qualquer forma, foi muito simpático o Joe ter dito isto. 

Acredito ser claro que faz por trabalhar com novo rappers e artistas em geral. Este álbum tem alguns e queria apenas saber como é que os conheceu e porquê eles entre tantas opções?

O Westside Gunn e a Griselda são enormes já. Algumas pessoas até me perguntaram como é que consegui a participação do Westside Gunn — foi só entrar em contacto e ele aceitou imediatamente. E fê-lo porque respeita tudo o que fiz e o que defendo, até porque ele não faz features com qualquer um. Já o Ashtin Martin e o KP são ambos de Atlanta e são super talentosos. 

Neste tipo de projetos procuro também sempre um equilíbrio entre novos artistas e, por exemplo, o Posdnuos de De La Soul. Se souberes alguma coisa sobre hip hop, vais saber que o Posdnuos não faz muitos features. E, para mim, é um dos melhores no circuito, e anda por cá há mais tempo do que eu. Portanto, é tudo uma questão de equilíbrio para agradar aos fãs de hip hop clássico mais hardcore e, ao mesmo tempo, chegar a alguns fãs do Westside Gunn, embora seja tudo Diamond D na mesma.

Como é que conheceu os jovens KP e Ashtin Martin?

São apenas artistas que conheci na estrada e senti que eram imensamente talentosos. O KP vai mesmo assinar pela minha label, mas o Ashtin já está bem estabelecido e tem a sua própria situação. São ambos artistas que considero poderem vir a ser mesmo muito grandes.

Eu não trabalho com qualquer um, não tenho que o fazer… Já nem teria que fazer mais música porque posso viver de royalties de tudo o que já saiu com o meu nome, mas é como te digo: ainda sou competitivo.

Um artista que nos faltou referir, e até valerá a pena por fugir ao estilo e à arte praticada pelos restantes é a Stacy Epps, que participa na “Ouuu”. 

A Stacy já ca anda há algum tempo. Fez um óptimo trabalho com o Madlib aqui há uns anos e foi aí que a ouvi pela primeira vez. E ela também entrou num tema do meu álbum The Diam Piece, como a Rapsody [“Pump Ya Brakes”] e aí ela fez rap, mostrando que é uma verdadeira MC apesar de também cantar muito bem. Quando a trouxe ao estúdio já tinha a ideia da canção na cabeça para o The Rear View. Trabalhámos nela e surgiu tudo com muita naturalidade. Tenho de admitir que é uma das minhas favoritas do álbum. 



E como é trabalhar com esta nova geração por oposição às lendas vivas como o Posdnuos ou mesmo alguns dos vários nomes com quem trabalhou no passado?

É claramente uma energia diferente própria da juventude, mas não diferente da que eu tinha com a mesma idade: o ego, a genica, a motivação… Não quero dizer que as lendas não se sintam entusiasmadas, mas é claramente diferente. Embora o Busta Rhymes, por exemplo, já cá ande há muitos anos e ande sempre entusiasmado.

Este álbum tem uma componente sólida de samples. Os samples são uma ferramenta para qualquer produtor, não lhe estou a ensinar nada, e uma que domina. Os dois soundbites que inclui no The Rear View eram bastante específicos e fáceis de perceber porque foram aplicados, mas há outros menos óbvios. Como é que escolhe os seus samples?

Como todos os produtores, para querer dar chop de um sample ele tem que me apelar directamente a mim primeiro. Não há uma formula mágica de o fazer, mas utilizarei se ouvir alguma coisa que me interesse e que ainda não tenha sido utilizada — isso é importante. E para isso é preciso ter uma grande biblioteca e conhecimento. Na verdade, estou a pensar procurar algumas coisas aqui em Lisboa. Disseram-me que facilmente encontraria muita música brasileira por cá.

E em relação ao processo criativo? É daqueles produtores que produzem 20 ou 30 faixas para um álbum de 10?

Sim, para este projecto em concreto julgo que escolhi 22 canções. Apenas utilizei 13, sem contar com as partes do Chris Rock e do Fat Joe que não são, obviamente, canções. Portanto, nem tudo resistiu, apenas quis utilizar as melhores das melhores. Ninguém quer ouvir um álbum de 22 canções. É demasiado, acho. Curiosamente, o meu primeiro tinha 21 canções ou algo parecido, mas a attention span das pessoas não é tão longa assim e, para mim, a qualidade é mais importante que a quantidade. 

Está no circuito há muito tempo enquanto rapper e produtor e, por isso, talvez me consiga ajudar a justificar aquilo que tenho vindo a reparar na música moderna. As faixas estão a ficar cada vez mais curtas devido aos media, às rádios, ao Tik Tok e ao Instagram… Este fenómeno de encurtamento das músicas é de alguma forma benéfico para a música ou prejudicial?

A maior parte das músicas que passa na rádio tem 2 minutos e picos. A maioria das rádios [tradicionais] não vai passar um tema de 4 minutos por mais que adore um artista, mas uma rádio como a SiriusXM até pode passá-la na integra.

Isso é algo que lhe esteja presente enquanto faz música?

Não, não penso sequer nisso. A maioria dos meus temas têm 2 versos, os hooks e é praticamente isso. Às vezes faço três, depende um pouco… mas tenho que concordar contigo, parece que grande parte da música está a encurtar, e não si se será uma questão de novos padrões ou se será apenas uma preferência dos próprios artistas. 


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