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Fotografia: Margarida Carriço
Publicado a: 24/07/2020

Labiríntico e desconcertante.

Dead End sobre Disorder: “Queria criar alguma awareness para desordens do foro cerebral e para doenças mentais”

Fotografia: Margarida Carriço
Publicado a: 24/07/2020

Segunda volta de Dead End pela rota SATURATE: o produtor de Lisboa acaba de lançar Disorder pela label alemã.

Tal como todos os comuns mortais, Carlos Salgueiro não tem na sua posse a solução para o estado de pandemia que atravessamos. Mas comprometeu-se a ajudar no que pode: através da modulação do ruído, conjugado com bombos e tarolas afiados e desconcertantes, explora os labirintos mais obscuros edificados na mente humana, numa altura em que a nossa sanidade mental está, mais que nunca, a ser posta à prova graças à escassez de interacção social e à privação de grande parte dos espaços de lazer da sociedade moderna. “Anxiety”, “Narcolepsy”, Schyzo”, “Concussion”, “Nympho” e “Cronic Headache” são os títulos escolhidos para as seis faixas que compõem o seu novo EP e que tão bem representam a inquietação, o medo e o caos impressos neste Disorder.

Lançado em Setembro do ano passado, Pure Vanilla havia sido o último projecto editado por Dead End, a sua estreia pela SATURATE. Nos últimos meses, o produtor e sound designer lançou um par de músicas soltas, parte dos Quarentine Releases, colaborou com DJ Ride um par de vezes e remisturou um dos temas de Service Industry, trabalho assinado por Zain Wolf. Hoje, a somar à edição de Disorder, “Massive” juntou-o a DGTL SGNL, uma colaboração cujos lucros das vendas serão doados à iniciativa Black Lives Matter.



Colaboraste um par de vezes com o DJ Ride, remisturaste uma faixa para o Zain Wolf e ainda soltaste uns quantos brindes a solo, isto depois de, no ano passado, te teres estreado por uma das tuas editoras favoritas, a SATURATE. Que balanço fazes destes últimos meses?

Acho que têm sido meses incríveis a nível musical porque tenho conseguido dedicar-me muitas mais horas à produção o que resulta em mais material, num produto melhor a cada lançamento e que está em constante evolução, o que acaba por naturalmente abrir mais portas. Felizmente tenho conseguido furar no panorama internacional onde existe muita competição e qualidade e tens que estar sempre a um nível muito alto, mas tenho conseguido conectar-me também com outros artistas e labels e sentir-me mais integrado, numa comunidade que compreende e apoia a minha sonoridade, por isso tem sido uma evolução que me deixa orgulhoso porque tenho atingido objectivos a que me propus, alguns que nem esperava tão cedo, mas continuo sempre à procura de mais.

Agora regressas à SATURATE com um novo batch de material e numa onda completamente diferente. Em que fase foram criados estes temas? Depois do Pure Vanilla ficaste logo com a certeza de que ias voltar à editora alemã?

Estes temas foram criados após eu ter lançado o Pure Vanilla. Eu nunca paro de fazer música, então tenho sempre material guardado. Sabia que ia voltar a lançar pela Saturate a partir do momento em que criei uma relação de amizade com a label e com o Tuomas (label manager), acho que ficou patente que o meu som encaixa bem com a editora, sempre gostei muito da sonoridade que a caracteriza. Até falámos em eventualmente lançar mais que um EP por ano na label. Para mim é uma felicidade porque quem anda nisto sabe bem o tempo enorme que separa o envio de material novo até ao lançamento em labels e por vezes isso desmotiva-te, o som torna-se um pouco obsoleto porque já evoluíste e depois também acaba por ficar para trás, além de todas respostas negativas ou não-respostas que recebes. Obviamente que tenho também outros objectivos mas sei que na Saturate tenho liberdade para enviar música que vai ser ouvida com atenção, que vai ser apoiada e isso permite-me lançar mais e ter mais projecção numa casa que tanto aprecio e que já me é familiar.

Esta viagem que promoves no Disorder é mais sombria, meio que paranóica ou esquizofrénica. Como é que te surgiu esta ideia e em que é que esta linha de raciocínio se traduziu na forma como abordas a produção?

A ideia surgiu porque queria criar alguma awareness para desordens do foro cerebral e para doenças mentais e que tanto são faladas hoje em dia mas que por vezes são pouco compreendidas. Achei que era interessante, visto que tenho conhecimento para produzir música, poder também de alguma forma passar uma mensagem e apoiar algo que dificulta tanto a vida de tantas pessoas. Tentar transmitir de alguma forma através da minha visão da música o sentimento de quem se sente assim e muito mais agora em tempos de pandemia. Além disto convidei o DJ Ride, o Stereossauro e o Spike Malice, pessoas por quem tenho estima e amizade e que vieram dar o seu input à minha visão e acrescentar mais valor ao lançamento.

Hoje lançaste também o “Massive”, em parceria com o DGTL SGNL, em jeito de contributo para o movimento Black Lives Matter. Como surgiu esta ideia?

Eu e o DGTL SGNL conhecemo-nos através da Saturate por já termos lançado música lá. Entretanto ele veio falar comigo, trocámos umas impressões e decidimos fazer uma collab. Ele mandou-me uma faixa base e eu trabalhei a partir daí, correu bem e gostámos do resultado. Eu perguntei-lhe se ele tinha alguma ideia em relação ao lançamento e ele falou logo desta ideia de lançarmos nós no Bandcamp e no SoundCloud e todas as contribuições que recebermos pela faixa serem doadas ao movimento Black Lives Matter. É uma maneira de poder contribuir artisticamente para uma causa tão importante como esta e que luta por algo em que acredito.
Acho que são extremamente importantes iniciativas por parte da comunidade artística porque os artistas são fundamentais na abordagem às questões sociais. Têm o poder de chegar a mais pessoas através das suas obras e além de podermos passar a mensagem que interessa acabamos por ajudar questões realmente importantes na nossa sociedade.

Tal como à restante comunidade artística, presumo que a pandemia te tenha trocado algumas voltas no que toca à tua agenda para este ano. Como tens lidado com o isolamento e que planos ainda tencionas colocar em prática no que resta de 2020?

Eu vou-te ser sincero, felizmente posso-me dar por sortudo por ter trabalho fora da música e isso me proporcionar os bens necessários numa altura tão difícil. Além disso fiquei em regime de teletrabalho o que facilitou também em muito o tempo que passo a produzir e que subiu praticamente para o dobro. Para quem é produtor, estar confinado não foge assim tanto às práticas normais fora Covid. Obviamente que o isolamento obrigatório é sempre complicado, vivemos tempos difíceis, tinha a possibilidade de tocar mais e possivelmente lá fora. Não vai acontecer tão cedo. Tenho amigos meus que vivem da música que além das dificuldades financeiras também ficaram afectados a nível motivacional o que é normal, mas espero que as coisas possam melhorar e todos os artistas voltem a brilhar como merecem.
Para o resto do ano tenho outro EP quase preparado que vou lançar a nível pessoal, muito mais calmo e que explora outros caminhos mais experimentais. Vou lançar mais faixas soltas e remixes em breve e continuar a trabalhar mais para lançar o máximo de música com qualidade e com isso chegar o mais longe possível.

Foi nesse mesmo quadro que aproveitaste para dar arranque às tuas Quarentine Releases, onde somas duas faixas soltas. Dado que estamos ainda longe de ter os sinais para regressar à normalidade, que tipo de seguimento prevês para esta rubrica? Estabeleceste algum tipo de conceito estético para estes lançamentos?

Basicamente foi uma ideia que tive para escoar a música que tenho parada e que não se encaixa noutros projectos. A ideia foi lançar faixas soltas sem pretensões de ser um projecto coeso e com um conceito mas que fossem resultado do meu isolamento e confinamento. São faixas que giram muito à volta de beats um bocado mais lo-fi com muita experimentação através do meu sintetizador analógico e que mostram mais um lado da minha produção. Por isso sim, há possibilidade de ir lançando mais faixas para completar este agrupamento, até porque música para ser lançada é o que não falta.


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