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Fotografia: Vasco Coimbra
Publicado a: 19/12/2020

Ano estranho, celebração incomum.

David Bruno na Casa da Música: um embrulho kitsch para uma experiência do autêntico

Fotografia: Vasco Coimbra
Publicado a: 19/12/2020

A abertura da noite de terça-feira, dia 15 de Dezembro, o aquecimento necessário para o happening que o seguiu, coube a Renato Cruz Santos, que nos serviu um set de rock clássico enquanto a Sala Suggia na Casa da Música, no Porto, se vestia lentamente com metade da capacidade — lotação esgotada para os tempos que correm. Ouvirmos “(I Just) Died In Your Arms” aos berros com esta vista é uma experiência surreal e, diga-se, ajustada: a música de David Bruno pede este choque com a realidade para nos obrigar a voltar a entrar nela.

Para quem não esteja a par do trabalho do artista gaiense, estamos perante uma criação insólita e, no mínimo, surpreendente, tal como a celebração dos oito anos e meio de carreira, diga-se. Resultado da combinação de um beatmaking cuidado, aliado ao sampling com um discurso novelesco que resgata os locais, hábitos e principalmente os fait-divers do que significou ser português para muitos de nós. Onde muitos encontram foleirice, David Bruno, como percebemos na entrevista que deu ao Rimas e Batidas em Agosto, “consegue encontrar um valor e por vezes glamour extraordinários nas pessoas, espaços e vidas que nunca foram devidamente reconhecidos e valorizados.”

O protagonista entra em palco debaixo de projecções de panteras negras, do Steven Seagal e do Major Valentim Loureiro e com a medalha de mérito  cultural da união de freguesias de Mafamude e Vilar do Paraíso, atribuída “pelos relevantes serviços e promoção da freguesia”. Mais à frente havia de sublinhar: “este prémio foi ganho pelo Pedro Abrunhosa e pelo Rui Massena, mas enquanto eles, no dia que o receberam, chegaram a casa e atiraram a medalha para o chaveiro, eu levo-a para os concertos!”

Chamamos-lhe protagonista porque os concertos de David Bruno são extensões em modo performance deste universo, e é pelo universo que o público lotou a Sala Suggia. A música é secundária em comparação com o que ela representa: os braços do vocalista no ar a rodopiar e os moves do guitarrista são tão importantes como a tonelada de efeitos que processa. E, claro, há espaço para as suas referências: David Bruno cantou-nos o Graciano Saga, os apartamentos Céu Azul, os refrigerantes Gruta, o Snack Bar Oásis, que provavelmente não voltará a abrir (a pretexto do qual prometeu inaugurar, se um dia tiver meios, “um tasco sujo onde maltrata as pessoas”), a cidade de Salamanca e o modus operandi tuga quando a visita, e outras alusões a Gaia, à Raia e a Portugal.

A setlist, que percorreu os três álbuns do músico (ouviu-se, entre outros, “Monte da Virgem Platónico”, com acompanhamento luminoso luxuoso, “Bebe & Dorme”, “Com Contribuinte”, “Praliné” ou “#150mL”, single de 4400 OG que fechou o concerto), foi acompanhada por uma constante salva de palmas. Ainda sobre o snack bar Oásis, mais concretamente sobre o videoclipe da “Mesa para dois no Carpa”, que ganhou o prémio de melhor vídeo musical no 27º Curtas Vila do Conde, disse: “De quem é o mérito? Meu? Um pouco. Do realizador? Mais. Mas é principalmente da nossa cultura, que nos dá coisas espectaculares”.

A missão cultural de David Bruno fez-se com o guitarrista Marco Duarte e o já referido Renato Cruz Santos em modo entertainer, dupla que cumpre a sua função, dando mais exuberância à performance e impedindo-a de se tornar excessivamente repetitiva. Mike El Nite foi o convidado da noite, encorpando de forma exímia o seu “Interveniente Acidental”.

É complicado destacar algum momento musical em particular. O concerto foi bastante homogéneo nas músicas, no flow e na resposta. Nem “Lamborghini na Roulotte”, momento inédito tocado exclusivamente ao vivo, arrecadou especial entusiasmo. O entusiasmo era sempre especial quando David Besteiro deixava o seu personagem actuar. A música é uma forma de chegar lá e as pessoas identificam-se com ela, com o que ela diz, com a forma como ela o diz. É curioso, quase contraditório, mas o embrulho kitsh de David Bruno é uma experiência do autêntico.

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