O nome Dave Wolf Rodriguez pode ainda ser novidade para muitas pessoas. Os mais atentos ter-se-ão cruzado com ele enquanto back vocalist do X-Tense. Foi assim que se introduziu — pelo menos de forma mais a sério — aos ouvintes de rap em Portugal. Da estrada com o X resultou também trabalho de estúdio. O refrão do single “BAL4DA 2UM CAR0XO” é da sua autoria e foi o primeiro lançamento do rapper de Sacavém num passado recente, depois de um hiato que, segundo nos conta Rodriguez, se deveu não só à vida na estrada — tantas vezes inimiga da vida em estúdio — como também ao facto da sua passagem pela Rood lhe ter servido como um período de incubação. O objetivo era absorver conhecimento de um dos seus artistas favoritos para que pudesse lançar música de qualidade incontestável. A nossa entrevista começa precisamente na sua relação com o X-Tense, mas a sua trajetória arrancou muito tempo antes.
Começou a fazer música em 2006, ainda adolescente, e a verdade é que, desde aí, nunca parou. Passou por períodos de maior ou menor atividade em termos de lançamentos, mas nunca em termos de criação, tantas vezes alavancada pela Wicked Studios, a label independente da qual é diretor criativo.
A luta que é a afirmação no mundo da música traz-nos até ao ano de 2025, em que um Dave Wolf Rodriguez mais maturado nos apresenta HeartBreak Kid, um EP sobre amor, hipocrisia e os sentimentos reais de quem o cria enquanto passava por um término de um relacionamento. E faz parte de um plano maior que vem assente em todos os momentos da sua carreira que o trouxeram até aqui e que tem já trilho traçado para lançamentos futuros.
Se o nome Dave Wolf Rodriguez ainda for novidade para muitas pessoas, o objetivo é que deixe de ser. O Rimas e Batidas foi aos estúdios da Wicked falar com o rapper que encarnou Shawn Michaels para descobrir mais sobre este EP que também existe em registo short film (e em formato físico).
Como surge a tua relação com o X-Tense e qual o impacto que ela teve na tua carreira?
Surgiu de uma forma um bocado inesperada. Foi o SP Deville que me disse que ele estava “chateado” comigo porque não lhe respondi a uma mensagem que me enviou no Instagram. O objetivo era fecharmos uma colaboração para o Rosa Dragão, mas tudo isto se deu numa altura demasiado tardia para eu entrar no projeto. Afinal de contas ele tinha mandado mensagem para uma conta minha que eu já não usava, acho que já nem sabia a password [risos]. Mas ya, a conexão deu-se a partir daí. A minha relação com ele é a de um mentor e de um discípulo, na medida em que ele me ensinou muita coisa. Em todos estes anos que estive com ele, aprendi muito e acho que não estaria a fazer a música que estou a fazer agora nem seria o músico que sou agora sem essa fase da minha carreira. Durante toda essa altura, eu aprendi um bocado a ser o número 2, a respeitar os tempos e a percebê-los. Isso acabou por ser importante não só para o Dave músico, mas também para o Dave que é diretor criativo da sua própria label (a Wicked Studios) e que tem a relação inversa com alguns dos acts que nela estão inserida.
Dirias que esta tua ausência prolongada, pelo menos nos lançamentos, se deveu um pouco ao facto de estares a absorver conhecimento para aprimorar a tua música?
Isto liga um pouco com o que disse acima. Na minha forma de ver as coisas, quando tu estás num lugar, deves procurar absorver tudo o que esse lugar tem para te oferecer. E era essa a posição em que estava na altura. Também fazíamos muita estrada, o que não facilita a parte de gravar e lançar música. Estivemos para aí uns três anos em tour! E, quando em tour, o nosso objetivo era ser o melhor act em Portugal, era nesse sentido que trabalhávamos, tanto eu, como o X, como o Breakout. Depois em estúdio o objetivo era diferente, era maturar-nos, era que, quando lançássemos, fosse inegável. Diria que foi uma combinação de todos estes fatores.
E entre a estrada com o X-Tense e este EP que agora lanças, que caminho é que foi percorrido?
Foram bué passos para trás, mano. Foi voltar à base, voltar a casa, voltar à Wicked e construir tudo de raiz, implementando tudo aquilo que aprendi ao longo dos anos. Mas era o planeado, o meu objetivo sempre foi voltar aqui. Basicamente, tive que redesenhar o meu boneco e olhar para mim com outra perspetiva, só que partindo de um ponto em que consigo ter uma visão muito mais ampla e ver os próximos passos como elementos de uma bigger picture.
Dentro desse plano alargado, porquê começar com o HeartBreak Kid?
O Lágrimas de Um Palhaço vai ser um álbum para tu chorares, ‘tás a ver? Vou falar da minha depressão, da minha mãe, da falta do meu pai, do Colégio Militar… tudo coisas que foram duras na minha vida. E a minha equipa sentiu que esse álbum precisava de um single. Eu acabei por pensar que, se calhar, nem era bem de um single que precisava. Eu precisava de me reapresentar e reaproximar das pessoas. O HeartBreak Kid surge desse meu desejo de chegar a mais público, de me dar a conhecer a mais gente, se calhar até um público mais da rádio. Ninguém vai querer chorar comigo, explorar os meus traumas ou conhecer as minhas lacunas sem eu me apresentar primeiro. Quero que me conheçam melhor para que também estejam mais dispostos a ouvir o meu próximo projeto, que vai ser mais depressivo e introspectivo. Acho que ninguém estaria pronto para ouvir um gajo a começar a falar sobre depressão sem um “olá” primeiro. O HBK é um “olá”, porque é o início da conversa. Agora, porquê o HeartBreak Kid? Primeiro, porque eu sou bué aquilo, e depois, porque aquilo era algo que me estava mesmo a acontecer. Quando comecei a trabalhar neste projeto tinha mesmo terminado uma relação e estava mesmo a fazer músicas sobre o quão hipócrita eu me estava a sentir dia após dia. Foi um bocado a tradução disso para a música e para o meu público.
Este é um álbum 100% Wicked Studios, desde a produção, às participações e a todos os aspetos adjacentes. Que label é esta e qual é o seu papel na tua trajetória?
Bem, como já mencionei, desde a altura em que estava na Rood que o objetivo era voltar para Wicked e instruir os “meus” da mesma forma que eu fui instruído. Nesta fase, a Wicked é a família que me permite focar apenas na música. Há toda uma estrutura à volta que ajuda a construir o resto, desde a produção e pós-produção até à comunicação e marketing. E a verdade é que tudo se torna mais fácil quando se trabalha com amigos. Todos os elementos desta equipa são pessoas de quem eu gosto e isso facilita muitas vezes a tradução da minha visão porque eles também a compreendem. Contudo, tudo isto também traz um arcaboiço diferente para o que crio. O meu primeiro projeto sair pela Wicked tem uma responsabilidade muito maior para mim porque é um selo que ajudei a construir. Em termos da minha trajetória, acho que a Wicked simboliza paciência, amor e carinho pela forma como temos feito as cenas, como temos crescido juntos e por este caminho que temos percorrido juntos.
Este projeto chega-nos com um formato diferenciador: saiu, também, em short film. A intenção desse formato é mesmo a de marcar a diferença ou vês essa componente visual como um acrescento à narrativa?
Bem, vamos voltar atrás. Eu tinha um álbum e precisava de um single, então fui à procura dele. O primeiro que eu encontrei foi o “Funkinho”. O segundo foi o “A5”. A partir desse momento, sabia que tinha o início e o fim de uma história. Reuni com a equipa e disse que não ia ter um single, era para ir para o estúdio para fecharmos um EP. Comecei a construir o HeartBreak Kid por aí. O short film vem um bocado de uma mentalidade que me foi passada pelo X-Tense: qualquer passo que seja para dar, é para dar bem. É para fazer bem. E não é para fazer o óbvio e o que toda a gente espera. Também sempre fui um aficionado por filmes e séries e, como sentia que tinha aqui o início e o fim de um projeto com esses dois singles, fez sentido apresentar este EP como uma história e naquele formato. Sinto que ajuda a ligar melhor este projeto. E foi também um move um bocado por causa do orçamento… assim só temos um vídeo onde meter publicidade, em vez de serem oito [risos]. Foi uma questão de necessidade ali a roçar o engenho e a ideia surge por ser fã do Scorsese, do Tarantino e de plot twists em geral.
E és fã de wrestling… Para além do nome do HeartBreak Kid, de que forma é que este EP se liga a esse universo?
Primeiro, queria pedir que deixasses por escrito que wrestling é vida [risos]. Não, mas a sério, para mim wrestling é um bocado tu não saberes distinguir o que é que é verdade e o que é que é mentira e ficares fixado no “uau, isto não é real, mas ele lixou-se todo”. Este EP é wrestling nesse sentido. Todas estas músicas foram um processo doloroso para mim. As pessoas até podem olhar de fora e achar que sou só mais um gajo a fazer músicas de amor, mas a verdade é que isto, para mim, foi bem real. Há um paralelismo nesse sentido. Ninguém sabe muito bem como é que o artista está a sofrer, para vocês eu estou só a cair. Mas, para mim, é tudo verdadeiro. Eu posso estar só a dar uma hipérbole do que foi, posso estar a fazer disso entretimento, mas é a sério para mim. É mesmo como no wrestling: o que é que é real e o que é que não é?
Com todo este conceito à volta, com o formato short film e um rollout ambicioso, deixamos a mesma questão: neste projeto, o que é que real e o que é que não é?
O que é que não é real? Em primeiro lugar, os timings. Quando lancei o “A5” já tinha o projeto todo pronto. A frieza com que encaro o projeto também não corresponde à verdade, porque este foi um processo que me custou bué emocionalmente até chegar ao produto final. Isso é gimmick. Custou-me bué. Por fim, a dose de sons de “ódio”, chamemos-lhe assim, em comparação com os sons mais introspectivos, também não representa inteiramente o meu estado mental ao longo deste término de relacionamento. Tenho 3 músicas de “deixa-me em paz, não quero falar contigo” e o resto de eu a bater crânio. O rácio, na realidade, não foi bem assim, eu tive muito menos ódio, percebi muito mais rapidamente que tinha feito porcaria. Por isso, se calhar, teria a “A5” e mais um som e depois viria o resto. Tudo o resto é 100% real, todo o processo e os feelings.
Este EP existe em três formatos: o áudio nas plataformas de streaming, o short film no YouTube e o formato live, onde também tens um act definido para este projeto. Nesta experiência ao vivo, o que é que achas que o público terá de diferente em relação aos outros dois formatos?
O senhor Nuno Barreiros, aka X-Tense, costumava dizer que há artistas de palco, há artistas de estúdio e há híbridos. E ele sempre me apontou como híbrido. Apesar de considerar que faço boa música em estúdio, acho que faço sempre melhor ao vivo. Sou alguém que consegue sempre mostrar os sentimentos em palco e transmitir as minhas emoções ao público. E sou também muito enérgico e comunicativo, por isso consigo trazer o público para a experiência. Sempre senti que, por exemplo, o X-Tense era exímio em estúdio e estava a fazer o percurso para chegar a esse nível em palco, enquanto eu estava a fazer o caminho inverso. Mais uma vez, eu acho que faço boa música quando estou no estúdio; mas se alguém quiser mesmo sentir a minha música, vivê-la a sério e percebê-la, isso é ao vivo.
Já nos deste algumas pistas sobre o que está para vir em termos de música da tua parte. Ainda assim, que outras novidades nos podes dar? Participações, algum deluxe deste EP, mais concertos?
Sei que não parece muito pela quantidade de tempo que estive parado, mas eu sou alguém que faz muita música [risos]. Tenho aí algumas participações a chegar com outros rappers, não sei se posso adiantar nomes. Depois também tenho Trapunkidz, um grupo composto por mim, o Jayess, o Cozy, o Boy do Futuro, o 7EAVEN e o Baxxey, mais os producers Mike Check e Diaz. Só nesse projeto estão mais doze versos. Tenho ainda a versão deluxe do HBK que vai ter alguns nomes novos. Não posso adiantar muitos para não estragar a surpresa, mas acho que há um que já toda a gente sabe que é o da Ágata. Vou só dar a pista que não são só artistas portugueses. Portanto, há as participações em alguns projetos, há Trapunkidz e há o deluxe deste EP. Ainda vão haver muitas cantorias do David.