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Fotografia: Renato Cruz Santos
Publicado a: 29/09/2021

A maximização do minimalismo. Ou o minimalismo da maximização.

CZN: “Em palco nunca sabemos o quão intrincado ou simples vai ser, mas é sempre muito satisfatório para os dois”

Fotografia: Renato Cruz Santos
Publicado a: 29/09/2021

Cobre, zinco e níquel são três metais usados por João Pais Filipe para construir os seus já famosos gongos e pratos. São também eles que dão as iniciais ao nome do projeto que une o escultor e percussionista portuense à prodigiosa baterista italiana, e há muito radicada em Londres, Valentina Magaletti (TOMAGA, Vanishing Twin). 

Foi durante a passagem do duo pelo festival Circular que o Rimas e Batidas foi perceber um pouco melhor de que é feito este diálogo entre baterias. Commutator, o mais recente e muito recomendado trabalho dos CZN, foi o maior foco de uma conversa que não podia deixar de parte a origem do grupo, a emoção do regresso aos palcos e a importância da adição de Leon Marks para o som de um grupo que não tem medo de mudar quando o palco assim o obriga.

O que não muda nisto tudo? A ideia de que, de camada em camada, os CZN levam-nos a algo muito concreto e conciso. Foi assim também nesta entrevista. 



Primeiro de tudo, gostava de perguntar como correu a vossa semana? Reparei que foi uma autêntica loucura. Tiveram este concerto no Circular – Festival de Artes Performativas, tocaram ainda no Tremor, onde a Valentina actuou também enquanto Vanishing Twin e o João Pais Filipe também tinha uma instalação presente no festival. Em Vila do Conde, tens outra exposição presente. Foi uma semana verdadeiramente agitada. 

[Valentina Magaletti] Foi muito agradável e especial. Durante a pandemia tivemos de cancelar alguns concertos, por isso estamos muito entusiasmados por podermos tocar de novo juntos. O Tremor acabou por ser particularmente emocional, por ser o primeiro concerto em um ano e meio. E desde aí, temos estado realmente muito ocupados. O João com as suas instalações, eu com outras coisas, alguns concertos jazz e alguns projetos…

Hoje foi bom por podermos voltar a propor o que tínhamos feito no Tremor. Sentimos que as pessoas realmente gostaram do resultado e isso fez-nos pensar que devíamos aproveitar o momento. 

Gostava de saber um pouco mais sobre o início dos CZN. Soube que se conheceram num concerto dos TOMAGA, mas como surgiu essa ideia de tocarem juntos? E quais foram as primeiras bases para o projeto? 

[Valentina Magaletti] Isto tudo começou um pouco pelo Fua [Joaquim Durães]. Ele estava a organizar esse concerto dos Tomaga e, nessa altura, estava também a trabalhar com o João Pais Filipe, que é o seu baterista preferido. Ele queria que nos conhecêssemos porque acreditava que os nossos estilos de tocar complementavam-se, e as coisas começaram a partir daí. Fizemos uma sessão sem grandes expectativas, mas resultou. Tudo o que adveio daí foi resultado de encontrarmos a nossa alquimia. É algo que está em constante desenvolvimento e que nos dá sempre prazer e entusiasmo, porque nunca sabemos o que vai acontecer. Quando estamos em palco nunca sabemos o quão intrincado ou simples vai ser, mas é algo sempre muito encantador e muito satisfatório para os dois. 

Este concerto a que acabamos de assistir no Circular imagino que tenha tido uma boa base de improviso. A nível do processo criativo, este também se orienta muito por essa ideia experimental ou é algo muito mais pensado e metódico, muito mais presente na procura de uma “frase” e na repetição da mesma até ao ponto certo?

[João Pais Filipe] Eu não acho que a nossa música possa ser considerada experimental.

[Valentina Magaletti] Basicamente o que acontece é que somos os dois percussionistas, mas os nossos estilos surgem de caminhos e jornadas bastantes distintas. O João está muito mais interessado num profundo estudo da música étnica, de outras partes do mundo. Isso faz com que tenha interesse e estude diferentes assinaturas e diferentes (mas muito interessantes) tempos. O seu trabalho acaba por assentar muito numa ideia de consistência, num ritmo e numa frase e a partir disso evoluir para algo. Eu apenas acabo por juntar o meu estilo de tocar a isso. No fundo, é como um diálogo. Começa por se dizer algo e depois adicionas outra coisa e, em alguma altura, acabas por ter algo completamente diferente porque houve uma viragem. 

O processo de gravação do Commutator foi algo bastante diferente daquilo que foi o concerto. No sentido em que ele pode ser perfeitamente descrito como uma edição de [música de] dança. Em conceito, tem todos os elementos de uma faixa para clubbing: tens a repetição e tens elementos a serem processados por um modular. Isso é algo que ouves mais num club, mas é algo que procuramos ao vivo substituir, para que a audiência tenha algo mais próximo a uma experiência auditiva. Nós piscámos o olho à dança e ao clubbing, mas procurámos algo que seja mais cru e percussivo, porque em teatros, ou espaços sentados, não podes ter as pessoas a dançar, e isso muda todas as intenções por detrás do que vamos tocar. 

Vocês falaram nessa ideia de a vossa música ser um diálogo e com a entrada do Leon Marks na formação da banda esse diálogo acaba por ser diferente. Que mudanças sentem que ele trouxe?

[João Pais Filipe] Acabou por trazer imensas mudanças. O seu trabalho acabou por gerar uma grande diferença em relação àquilo que foi o nosso primeiro álbum. Foi ele que acabou por escolher as melhores partes e depois retrabalhou. Ele deu um som diferente às baterias. 

[Valentina Magaletti] Ele mudou completamente como a nossa percussão soa porque ele obviamente processou-a, mas penso que, além disso, também trouxe um legado inglês para a nossa música. Ele veio connosco até Portugal, até ao estúdio do João, que foi onde gravámos o The Golden Path, e é um espaço que tem um som bastante específico, mas que ele acabou por levá-lo para outro ponto geográfico algures. Os álbuns foram imensamente processados como se estivessem no metro londrino, aquele barulho mecânico e estático das viaturas — foi a adição de um elemento urbano que estava em falta no primeiro disco. Este ano editámos dois álbuns, o Luxury Variations pela Trilogy Tapes e o Commutator pela Offen Music. São os dois diferentes, mas, em ambos, como o João disse, o Leon acrescentou muito em termos de produção. 

Por acaso é interessante isso que falam, porque no Commutator estamos sempre a ouvir uma voz em fundo, não percebemos o que diz, mas ela está sempre lá, presente, sempre ao nosso redor, e junto com os barulhos mecânicos dá uma ideia de como se estivéssemos numa cidade, mas uma cidade profundamente caótica, barulhenta e cheia de ansiedade. É um retrato social que queriam pintar no vosso disco?

[Valentina Magaletti] Absolutamente! Foi colocar Londres na nossa música.

[João Pais Filipe] O que é algo totalmente refrescante para quem é português. 

Há, de certa forma, influência da música electrónica no vosso trabalho?

[Valentina Magaletti]– É apenas um modular. Ele apenas passou as baterias por um sintetizador modular. Tudo o que ouvimos são percussões processadas, nada mais. Eu nem consigo dizer que seja realmente música electrónica per si. Ele apenas alimentou o modular e depois deu aquele toque do underground londrino, quase como se fosse um field recording. De certa forma é como se fosse mais música concreta. Não há sintetizadores aqui, não no sentido de música electrónica. São apenas álbuns de percussões. 



E influência da natureza: podemos encontrar? No meio de todo o retrato citadino e caótico há espaço para encontrar natureza?

[João Pais Filipe] Sim. A nossa música vem do coração, não há nada mais natural que isso [risos]. Não sei, CZN é algo profundamente natural, desde que começamos a tocar juntos que é a coisa mais fluída que alguma vez fiz.

[Valentina Magaletti] Apenas aconteceu. Nós os dois temos os nossos projetos, mas, desde que tocamos juntos, percebemos que é algo maior do que nós próprios.

[João Pais Filipe] Para mim é tudo sobre a mística. 

[Valentina Magaletti] Sim! Totalmente! Podemos ir para esse lado esotérico. E é apenas percussão, não é mais do que isso. Batemos em coisas e, nesse sentido, é algo que vejo como pertencendo à natureza.

É uma espécie de tribalismo futurista, nessa ideia de ter elementos urbanos misturados num túnel sonoro onde não se sabe onde é o fim e o início? 

[João Pais Filipe] Isso é por causa da nossa concepção ocidental de princípio e fim, se fores até às culturas do Oriente isso não existe, é uma ideia de continuum. Até mesmo em África, lembro-me que essa ideia de início e fim não existe. Eles apenas tocam. É como uma coisa eterna. 

E esse continuum é algo que atrai os CZN? 

[Valentina Magaletti] Se tiveres de te prender a um conceito de suporte fonográfico, então vais estar preso a um limite de 30/40 minutos por cada lado, por isso a ideia de um continuum é limitada. Não que façamos música pela questão do formato.

[João Pais Filipe] Não, mas lembro-me que tanto no Luxury Variations como no Commutator, gravámos horas e horas de música, dias e dias, isto são apenas pequenas partes.

Interessante. Mas essas partes foram editadas? 

[João Pais Filipe] O Leon acabou por fazer a escolha de algumas partes de horas e horas de música, mas eu penso que ele não misturou partes, apenas escolheu trechos. 

[Valentina Magaletti] Sim, não foi uma colagem, ele escolheu uma peça e processou-a e depois fez isso com outra, e outra. O continuum que falamos evolui e tem variações para outras coisas, como se tivesse diferentes quartos na mesma jam, como se tivesses muitas músicas nela mesmo.

[João Pais Filipe] E esse tipo de música normalmente necessita de algum tempo para se chegar ao que pretende.

[Valentina Magaletti] Sim, normalmente quando começas há sempre oscilações.  

Diriam que a vossa música acaba por ser como uma maximização do minimalismo? 

[Valentina Magaletti] Sim, mas também o minimalismo da maximização. O trabalho do João está a ir de encontro a isso, é um interesse que ele tem neste momento. Algo muito mais direccionado à ideia de retirar elementos.

[João Pais Filipe] Menos é mais!

[Valentina Magaletti] É meio como uma pintura do Rothko. Tu começas com algo muito intrincado, com muitos detalhes, mas o teu trabalho final acaba por ser apenas três linhas. Mas naquelas três linhas está implícito tudo o que queres dizer. 

Podemos dizer que, no fundo, CZN é um projeto de amor ao acto de tocar bateria? 

[Valentina Magaletti] Podes dizer isso, com toda a certeza. Não há nada de errado nisso.


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