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Fotografia: Margarida Ribeiro/Circular Festival de Artes Performativas
Publicado a: 21/09/2021

Baralhar, partir e muito para dar.

CZN no Circular 2021: como chegar ao mesmo sítio através de caminhos diferentes

Fotografia: Margarida Ribeiro/Circular Festival de Artes Performativas
Publicado a: 21/09/2021

O Circular – Festival de Artes Performativas regressou este sábado, dia 18 de Setembro, para mais uma edição. Quase a atingir a maioridade, e num ano particularmente exigente pelas razões que todos sabemos, o festival que se realiza em Vila do Conde voltou a reunir uma série de propostas atentas, intrigantes e sempre com um cunho experimental presente. Da dança à música, passando ainda pelo teatro ou pelas artes visuais, várias são as boas opções presentes num cartaz sempre pronto a desafiar e a oferecer belas surpresas, como o foi caso do espectáculo protagonizado por João Pais Filipe e Valentina Magaletti, ou como quem diz, os CZN

A presença do percussionista nacional, aliás, fez-se sentir e de que forma neste primeiro dia. Para além do concerto, o músico foi também responsável por Membrana, uma exposição conjunta, onde as suas esculturas sonoras se entrelaçam com as imagens de Mónica Baptista. A exposição pode ser visitada até 6 de Novembro na Solar – Galeria de Arte Cinemática, no entanto, para todos aqueles que estiveram presentes na sua sessão de abertura, a experiência foi ainda, mais, enriquecida pela presença e performance do artista.

Tal como na exposição, a filosofia de explorar os limites sónicos dos seus instrumentos foi o mote para o início do concerto dos CZN. Munido de um arco de violino, João Pais Filipe ia “coçando” o gigante gongo que se apresentava próximo das duas baterias, produzindo, com isso, um banho sonoro que tinha tanto de catártico e majestoso quanto de preparatório. Variando as suas tonalidades com os movimentos executados e aproveitando toda o reverb que o confronto entre sala e som ia produzindo, o último foi-se transformando numa ruidosa e ampla palete branca pronta a ser pintada pelas batidas de Valentina Magaletti. E assim foi.

Como um jogo de cartas, a baterista italiana, misturava as combinações possíveis, cortava a ordem das mesmas e, no fim, entregava um ritmo profundamente intrincado, desafiante e, sobretudo, de cortar o fôlego para todos os que estavam a assistir. Nesta mistura entre ambiência e ritmo, passo a passo, foi sendo criado um complexo túnel sonoro, que abraçava e convidava todos os presentes a mergulhar no seu interior. Nesse momento era impossível tirar os olhos e desligar os ouvidos do que ia acontecendo em palco, estávamos engolidos. Era, então, altura de João Pais Filipe aceitar o jogo que Valentina oferecera, sentar-se à bateria e jogar também.

Mais preocupado em ditar o ritmo, o músico foi encetando uma onda de contínuas e imaculadas repetições durante toda a actuação, deixando à outra metad a missão de “destruir” a fórmula e agitar a corrente. Enquanto o hi-hat do membro dos Paisiel era uma impressionante locomotiva de ordem, a tarola da metade dos Tomaga era um desafio. Foi nesta “batalha” de ordens em que cada um puxava para o seu lado que nasce uma belíssima improvisação. Uma boa conversa tende a ser feita assim, não de argumentos iguais, mas de uma diferença que se encontra. Há algo de belo quando frases diferentes chegam ao mesmo sítio, ao mesmo tempo, e foi isso que os CZN concretizaram em palco. Apenas o fazem com os seus instrumentos, com as emoções das suas artes, e com o prazer de tocarem juntos. Foi palpável o respeito e a admiração que sentem pelo outro. Não precisam de sinais, de falar, muitas vezes até nem se olham, apenas ouvem, respeitam e sentem o que outro fez. 

Foi assim durante 50 minutos, exacerbados pela técnica, pelo ritmo e pela empatia sentida por dois músicos, que ora mais lentos, ora mais intensos, experimentavam, construíam e destruíam o túnel sonoro em que nos prenderam. De tanto em tanto tempo, nasciam novos ciclos, novos estímulos, novos ritmos, novas frases. Por vezes namoriscavam com a música de dança sem nunca nos quererem pôr a dançar, por vezes até piscavam o olho ao tribalismo, mas nunca o suficiente para parecer étnico, outras vezes queriam ser jazz, mas sem nunca perderem a ordem. A única coisa que mantinham constante era a ideia de improviso, e o sentimento que algo maior a qualquer altura ia acontecer.

Uma premonição correcta e, diga-se, muito bem construída pelo duo, que camada a camada nos ia preparando como um fogo de artifício, para o êxtase. Ruidosos, intensos e belos, os momentos altos deste concerto tinham tanto de apoteótico como de espontâneo. Era como se todos os instrumentos que compõem esse organismo chamado de bateria estivessem naquele momento a falar uns por cima dos outros, porém, de um modo onde todos fossem perfeitamente ouvidos. Era violento e épico, tal como o strobe que acompanhava o concerto, e que mergulhava toda esta completa e densa sonorização numa dimensão ainda maior. Tal como um bom fogo de artifício: por mais intenso que seja não consegues tirar os olhos de tão impressionado que estás. Este concerto dos CZN foi exactamente assim: é impossível não contemplar e não ficar agarrado àqueles sons e ritmos. 


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