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Publicado a: 06/03/2017

“Conjunto Corona tem tudo a ver com este universo foleiro, das danceterias”

Publicado a: 06/03/2017

[TEXTO] Bruno Martins [FOTO] Francisco Lobo

Foi no final de Outubro que o produtor dB e o MC Logos fizeram o três-em-três: em três anos, três discos dedicados à vida da personagem Corona, um sujeito do Porto nascido da imaginação e observação dos dois músicos nos bairros mais típicos da Invicta. Começou por ser o maior lá da rua, depois enterrou-se em dependências, e agora, ao terceiro disco, acabou por sair limpinho e tornar-se num comerciante – tornou-se sócio-gerente da Cimo de Vila Velvet Cantina, uma casa de diversão nocturna.

Logos e dB também se divertem muito a criar este mundo – sobretudo neste terceiro tomo da vida de Corona. Os espelhos, os sofás, os santinhos nos altares das boîtes e as personagens da rua Cimo de Vila, no Porto, despertaram-lhes a criação. Quiseram fazer o disco “mais pornográfico” e “cheesy” de sempre. Enrolaram as histórias do Corona em batidas sujas e peganhentas, às vezes psicadélicas, como se estivéssemos a num filme para maiores de 18 anos da década 1970 e 1980: ora com cetim, ora com muito pêlo.

A terceira vida de Corona trouxe um enorme reconhecimento à obra do Conjunto Corona: Cimo de Vila Velvet Cantina foi considerado um dos melhores discos nacionais de 2016 e poucos foram os que ficaram indiferentes. Fomos conversar com Logos e dB para perceber como é que nasceu este trabalho, as origens da criação da dupla – as motivações e as intenções – e ficámos a perceber que é uma mistura de trabalho intenso e processos quase matemáticos com a intuição. dB é metódico e Logos é instintivo. Não é de espantar que o universo criativo para o quarto disco já esteja a caminho.

No próximo sábado, dia 11 de Março, vão estar na segunda edição do Lisboa Dance Festival, no LX Factory com o terceiro disco, o Homem do Robe e com um garrafão de cinco litros de hidromel. E hoje lançam também um novo vídeo: os passeios do Conjunto Corona em “Mafiando Bairro Adentro”.

 



O Corona passou, nos dois primeiros discos, as chamadas “Passinhas do Algarve”. No primeiro álbum andou meio perdido, ainda que contente. No segundo esteve a desintoxicar-se no “Sheraton dos Queimadinhos”. E neste terceiro disco tornou-se num comerciante, num gestor de um negócio na rua Cimo de Vila, no Porto. Este lado mais afortunado do Corona também se reflecte no vosso trabalho enquanto músicos? Também sentem que neste disco também estão a beber da felicidade em que vive hoje o Corona?

Logos – Sim, sem dúvida. Este terceiro álbum é o que nos está a trazer mais aceitação e reconhecimento, maior quantidade de concertos, convites, e a adesão do público também tem sido fantástica, com casas sempre cheias – o que é ótimo. É o terceiro disco e se calhar também já afinámos um bocado os nossos métodos de trabalho em conjunto e talvez já tenhamos uma química ainda mais reforçada. Em conversa com um amigo, ele dizia-me que este era o álbum mais pop do Conjunto Corona: apesar de ter o nosso universo vinha com beats e refrães imediatos, que ficam na cabeça. E isso é a fórmula da pop. Fizemo-lo sem pensar nisso, na verdade, mas se calhar não está tão denso para quem ouve Corona na primeira vez.

Mas tanto tu como o dB tinham a sensação que era um disco mais psicadélico de Corona. Continuam com essa sensação?

Logos – Tem momentos… uma música como “Bangla” é muito psicadélica, o “Andar ao Cheiro das Minadas” também. “Fruta da Ilha” também…

dB – É mais foleira que psicadélica.

Logos – Se calhar é um disco mais diversificado, mas quando se está por dentro é difícil de falar.

O trabalho estético e a vossa imagem também tiveram um papel fundamental neste Cimo de Vila Velvet Cantina?

Logos – Acho que sim. Quando abres um site de música e levas com uma capa daquelas na capa… E várias rubricas em que as manchetes eram até com palavrões…

dB – “Putas e Vinho Verde”, no BodySpace! O Davide Pinheiro escreveu: “Corona vem-se na cara”.

Logos – A nossa maior vitória foi quase um vergar da imprensa, levá-la a dizer coisas que não são comuns. Foi essa foi a maior vitória: ter entrado no nosso universo e deixar-se de tabus e dizer as coisas são ditas como elas são. Se é o que está lá no álbum, por que não dizer?

Ajudou, também, a despertar a curiosidade das pessoas e a ter os concertos de apresentação, em Lisboa e no Porto, completamente cheios.

dB – Certo. Há conteúdos e temáticas que são mais vencedores, mas a abordagem foi sempre a mesma desde o primeiro álbum: a edição física foi sempre fora do normal, o tipo de letras que se escrevem, o processo, até os tempos em que foram criados… nem houve uma mudança assim tão radical! Mas claro que não é possível fazer dois álbuns iguais. É um trabalho consistente.

O que é que mudou?

Logos – A única diferença – e talvez seja um pormenor – foi na fase de produção. Normalmente o dB produz e depois é que me mostra. Neste álbum nós vimos em conjunto uma série de samples primeiro. O dB tinha uma série de playlists já preparadas já com várias ondas e houve uma, em específico, que eu lhe disse: “isto é muito interessante”. De resto foi o normal: o dB produz, eu escrevo, e normalmente já temos uma ideia do que é que vai ser o tema do disco.

dB – Este até já tinha título!

Logos – Estávamos a gravar o segundo disco, o Lo Fi Hipster Trip e surgiu este nome: Cimo de Vila Velvet Cantina. Sei que um gajo se partiu a rir quando apareceu esse título e dissemos logo que, aconteça o que acontecer, o título do disco vai ser este.

dB – E a capa até foi feita antes de gravar o álbum.

E recordem-nos lá qual era o tema deste disco quando o começaram a desenhar?

Logos – Era fazer o álbum mais pornográfico de sempre…

dB – Foleiro, cheesy, kitsch.

Logos – Também, com um nome destes: Cimo de Vila Velvet Cantina.

 


corona


“No Tropical estava uma senhora que trabalha lá a dizer que queria uma fotografia numa t-shirt como a da capa do disco. Nós respondemos que precisávamos de lhe tirar uma fotografia e ela responde: ‘Não é preciso tirar fotografia, tira ao molde: olha!’ [e levanta a camisa]” – dB


Tiveram de fazer muita pesquisa nas casas da Rua Cimo de Vila, no Porto?

dB – (risos) Pesquisa… Até há uma dose de injustiça de termos falado muito n’O Portista, onde fizemos a primeira apresentação do disco, mas nunca falámos muito no Tropical, o que é uma injustiça, porque nos ajudou muito: foi o sítio onde fizemos a sessão de fotografias: é aquela casa com os espelhos na parede. Fomos lá e fizemos lá umas fotos para o catálogo de merchandise. E há uma história engraçada: no Tropical estava uma senhora que trabalha lá a dizer que queria uma fotografia numa t-shirt como a da capa do disco. Nós respondemos que precisávamos de lhe tirar uma fotografia e ela responde: “Não é preciso tirar fotografia, tira ao molde: olha!” [e levanta a camisa] (risos).

Logos – O Kron [Silva] até ficou todo encaralhado! Estava a dar conversa e a ser simpático ficou louco com a prontidão dela.

É aí que vocês percebem que, no meio deste chavascal todo que pretende ser o Cimo de Vila Velvet Cantina, vocês são uns “meninos”…

dB – Completamente! Não há dúvida nenhuma! E olha: este novo videoclipe, “Mafiando Bairro Adentro”, é em gravado n’O Portista e com o dono, o senhor José – onde fizemos a apresentação do disco. O senhor José é uma das personagens do vídeo. É igual ao Tartaruga Genial [Dragon Ball].

Como é que descobriram essa casa?

dB – Entrámos pela Rua Cimo de Vila à procura de um sítio para fazermos o concerto. Fomos ao “Vulcão”, que estava cheio de brasileiras – está mesmo a funcionar a sério. Continuámos, vimos um bar muito engraçado com umas portas de saloon, entrámos e lembrei-me logo do artigo da Vice.

Logos – Aquilo tinha pormenores incríveis: calendários de gajas nuas da Casa Crocodilo….

A casa de peles em Cimo de Vila?

Logos – Exactamente. De que eu falo na música com o Mike El Nite [“Meio Crocodilo”]. Tinha pinturas de gajas indianas – tipo “Bangla”. Tudo estava a encaixar!

dB – Apercebemo-nos que era daqueles estabelecimentos que existe porque os donos estão lá há imenso tempo e que fechava à noite. Lá dissemos: “O que acham de abrirmos um dia isto à noite, dar aqui um concerto?” De início até com um bocado de receio que não houvesse potência para o PA – que houve. A acústica era incrível, porque era tudo revestido a cortiça! Correu maravilhosamente bem, o homem está a pedir para voltarmos lá – e um dia havemos de lá voltar!

Há pouco disseram que, neste disco, espreitaram em conjunto alguns samples. O Logos disse que foi apenas um detalhe diferente, mas não acham que pode ter feito alguma diferença naquilo que acabaste por escrever?

Logos – Talvez tenha feito. O que fazemos, normalmente, é pegar no tema geral e escrever à volta daquilo. Só quando os instrumentais estão prontos é que me sento a ouvi-los, repetidamente, durante várias semanas, a lavar a louça, a fazer a cama ou a trabalhar noutra coisa. E só depois é que começo a escrever. A escrita é rápida, também não gosto de escrever muito nem prolongar muito a escrita. Quando começo, acabo: não deixo letras a meio. Nem gosto muito de escrever, sou sincero.

O que escreves à primeira é o que fica?

Logos – É. A maior parte das vezes, sim. O que podemos fazer é apontar algumas expressões interessantes, como “Chino no Olho”… depois há beats que me despertam e percebo que posso aplicá-las ali. Nós já tínhamos pensado no “Chino no Olho”, mas só mais tarde é que me surgiu a ideia de ir às várias bandas.

dB – As expressões vão saindo… “Eu dava-lhe com o chino no olho” – “ah, aponta essa!”. “Mafiando bairro adentro…”

Logos – Essa vem de uns gajos americanos, do rap do Sul [TRU] que têm um tema chamado Mobbin’ Through The Hood”. E o dB tem a mania de traduzir, imaginar, as letras em português. “Mafiando Bairro Adentro” é muito melhor do que “Mobbin’ Through The Hood”! É muito mais ridículo. Havia uma que era a “Still Tippin”: “ainda dando gorjas”.

dB – “Sittin’ Sideways” dá “sentado de ladeiro” (risos).

Logos – Essa nunca foi usada. Pode surgir no próximo disco!

 


[“Mafiando Bairro Adentro”] vem de uns gajos americanos, do rap do Sul [TRU] que têm um tema chamado Mobbin’ Through The Hood”. E o dB tem a mania de traduzir, imaginar, as letras em português. “Mafiando Bairro Adentro” é muito melhor do que “Mobbin’ Through The Hood”! É muito mais ridículo. Havia uma que era a “Still Tippin”: “ainda dando gorjas” Logos


Vamos ficar à espera, então. Já percebemos como é o processo de escrita do Logos. Como é a tua composição, dB? É muito intensa, dedicas muito tempo às máquinas?

dB – Acho que deve ser a fase do álbum que demora mais. É quando se começa a criar tudo do zero. Mas é como o Logos: passo cerca de 80 por cento do tempo a ouvir samples. Eu sigo muitos canais de YouTube de coleccionadores de música, blogues de música, rádios. Quando ouço uma música que goste passo pelo Shazam, vou ouvir outros álbuns das bandas. Perco mesmo muito tempo a juntar, a fazer playlists, depois numa fase posterior classifico aquilo que acho que são boas bases para loops de instrumentais; depois faço outra playlist com mais sons e depois, na última fase é misturar uns com os outros, mas sem fazer o beat: aponto num papel aquilo que fica bem. E fica tudo apontado na parede, com os BPMs de cada um dos samples. Depois, numa semana, faço 30 instrumentais em que uns dez podem ir para o lixo, cinco que são muito bons e dali o Logos usa o que mais gostar. Mas é muito tempo a ouvir, a pensar e a imaginar.

Porque é que deixaram de ser Corona e passaram a ser Conjunto Corona?

dB – Porque Conjunto Corona tem tudo a ver com este universo foleiro, das danceterias. De início até tínhamos imaginado o vídeo numa danceteria.

Logos – Em vez de ser o vídeo com o Homem do Robe a masturbar-se, era numa danceteria com velhotes a dançar e nessa noite a banda que tocava éramos nós.

dB – E quem é que toca nas danceterias? Os conjuntos, as bandas… tem tudo a ver com este universo foleiro e kitsch.

E se calhar são cada vez mais um conjunto, em vez de serem só os dois. Há convidados regulares e algumas adições.

Logos – Sim, o Minus e o Kron são habituais. E o Homem do Robe.

dB – A grande diferença é o Homem do Robe. É indispensável: qualquer um de nós pode sair da banda que é igual, mas o Homem do Robe não. E o manager dos Corona, Nuno Lacerda, é o pior dos Coronas que estão aqui nesta mesa! (risos). Outro que faz parte, também, é o PZ.

 


“Lançámos um tema ao PZ que ia ser incrível: ‘Drive By No Aduela’, que é um café hipster no Porto, uma esplanada onde o pessoal está a beber o seu copo de vinho. Aquilo é numa rua muito estreitinha, onde só cabe um carro e era o ideal para passar devagarinho e… os hipsters todos ‘’co carago’! Seria um ‘Drive By no Aduela’” Logos


O PZ disse que esteve para participar neste disco, que tinha umas coisas prontas, mas vocês têm um ritmo muito elevado e já foi tarde demais.

dB – Podemos ver as coisas de duas maneiras: ou nós temos um ritmo muito alto ou ele tem um ritmo muito baixo (risos). A verdade estará algures no meio.

Logos – Nós tínhamos-lhe lançado um tema que ia ser incrível: “Drive By No Aduela”, que é um café hipster no Porto, onde o pessoal está a beber o seu copo de vinho. Aquilo é numa rua muito estreitinha, onde só cabe um carro e era o ideal para passar devagarinho e… os hipsters todos “‘co carago”! Seria o “Drive By no Aduela”.

O tema poderá aparecer num próximo disco ou o universo para o próximo disco de Corona já está definido?

dB – Já não se justifica.

Logos – Gostávamos de trabalhar com ele – já estamos a pensar nisso desde o primeiro disco mas ainda não aconteceu. Mas nunca será com essa música.

O universo Corona está definido até quando? O próximo disco já está pensado?

Logos – Já, já. Não costumamos pensar dois discos à frente. O quarto disco já tem o tal tema grande definido.

Têm lançado discos de uma forma regular…

dB – Três anos, três discos. Sempre no fim de Outubro.

A ideia é essa também para o próximo?

Logos – Só se a vida pessoal não permitir!

Esta semana tocam no Lisboa Dance Festival. O que é que estão a preparar para este festival?

Logos – Um garrafão de cinco litros de hidromel. E esperemos que chegue… (risos).

dB – Há uma coisa que temos no nosso concerto que tem corrido mais bem que mal: no início as pessoas diziam: É sempre o mesmo. Lançamos um disco diferente todos os anos e tocamos ao vivo o disco exactamente na mesma ordem do alinhamento do álbum. Depois músicas anteriores. E isto gera consistência. Nós nem damos tantos concertos quanto isso, por isso não se justifica andar a trocar alinhamentos. Este concerto do Lisboa Dance Festival será o quarto concerto deste disco e por isso agora é que as coisas estão a começar a apurar.

Têm sido concertos bastante intensos, não é? O Ricardo Farinha, que assistiu ao concerto que fizeram no Musicbox, em Lisboa escreveu que “nunca se viu hop hop tão punk”.

dB – Têm sido mesmo puxados! De sair de lá a suar. Muito por culpa do público, especialmente aqui em Lisboa. Costuma dizer-se que o público do Norte é mais expansivo e em Lisboa mais contidas. Connosco tem sido precisamente o contrário! Cada vez que vimos até Lisboa às vezes até é um bocado de mais, com as pessoas a quererem subir para cima do palco!

Logos – Até houve momentos em que tivemos de pedir calma!

dB – Tem sido demais! Mas no bom sentido.

Logos – Demasiado gentis.

 


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