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Publicado a: 03/07/2017

Cinco samples portugueses no hip hop norte-americano: um tesouro à espera de ser descoberto

Publicado a: 03/07/2017

[TEXTO] Diogo Pereira

A música portuguesa não foi samplada tantas vezes por produtores americanos como, por exemplo, a brasileira, mas isso não significa que tenha escapado aos dusty fingers de beatmakers com bom gosto.

Depois de No I.D. samplar “Todo o Mundo e Ninguém” do Quarteto 1111 no mais recente trabalho de Jay-Z, o ReB escavou o terreno digital e foi aí que descobrimos 5 exemplos de produtores que optaram pelo exotismo dos tesouros musicais de um pequeno país do Sul da Europa. Uma colheita ecléctica, desde o fado mais ou menos tradicional de Madredeus ou Mariza à electrónica experimental de Nuno Canavarro e ainda ao groove cabo-verdiano de Sara Tavares.

Exemplos parcos e difíceis de encontrar, prova que ainda há muito diggin‘ a ser feito em terras de Camões.

 


J. Cole – “Losing My Balance” [2009] // Sara Tavares – “Balancê” [2005]

Esta tem sabor tropical. Começamos pelo sample de “Balancê” de Sara Tavares, cantora cabo-verdiana, do seu álbum homónimo de 2005, usado por J. Cole em “Losing My Balance” (adaptando também a sonoridade da palavra que dá título). Um loop de guitarra acústica mellow junto a uma batida downtempo serve de fundo a um tríptico de histórias díspares do protegido de Jay-Z, desde uma admoestação severa da superficialidade feminina a conselhos para escapar às armadilhas da ghetto life e finalmente um intenso coup de foudre por uma rapariga intelectual.

 



Canibus – “M-Sea-Cresy” [2003] // Madredeus – “A Sombra” [1987]

Continuamos com o hardcore rap de Canibus, que sampla o fado melancólico e mui tradicional dos Madredeus. “Se a noite escura demora…”, canta a voz pungente, acompanhada por uma guitarra portuguesa que também chora, ambas submetidas a um tratamento de pitch-shifting que quase entra no território satânico do horrorcore. E se é essa a sonoridade, há que dizer o mesmo das letras, negras, apocalípticas e intelectuais, como é apanágio do emcee nova-iorquino. “We’re suffering from symptoms of drapetomania / Slavery isn’t over, it just took a new alias”; “Why write lyrics when I make a better livin’ Sellin’ freeze dried venom to wildlife clinics?

 



https://www.youtube.com/watch?v=XBJPB9A1iHk

Exile – “The Sound Is God” [2009] // Mariza – “Gente da Minha Terra” [2001] 

Seguimos para o hip hop instrumental, com um beat de Exile, que sampla não só a guitarra portuguesa de “Gente da Minha Terra” (de um modo que a faz parecer quase música do Médio Oriente ou da Índia), de Mariza, como estilismos vocais do místico inglês Alan Watts por cima de clássico boom bap. Aos 0:43, quando julgávamos tratar-se de uma simples batida, entra a voz de Mariza: “Ó gente da minha terra…agora é que eu percebi…”. Logo depois, surge Alan Watts exortando-nos à libertação dos nossos próprios egos, e aí percebemos quando um produtor quer fazer não apenas um instrumental, mas uma obra de arte. Aqui, o som é, sem dúvida, Deus. Estamos na presença de um ato divino.

 



Outkast – “You May Die (Intro)” [1996]

O segundo álbum dos OutKast, ATLiens, abre com um suave loop de guitarra acústica em registo folk que serve de fundo a uma pequena oração declamada por uma senhora açoriana em tom devoto:

“Nada de novo vem do sol

Tudo de novo vem do nosso senhor

A vida é uma continuação

O nosso senhor é que dá a nossa vida, ámen”

Que parece ter sido adaptada de um verso bíblico:

Atentei para todas as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade e aflição de espírito. (Eclesiastes 1:14)

Os primeiros álbuns do dueto sulista sempre foram tingidos de uma certa melancolia (quem não se lembra de Aquemini), por isso a escolha não é de surpreender.

 


Prefuse 73 – “Nuno” [2001] // Nuno Canavarro – “Wask” [1988]

A nossa última escolha é estranhíssima e ilustra ainda mais o quão raro é encontrar samples de música portuguesa no hip hop internacional. “Nuno”, instrumental de Prefuse 73 que leva o cut-up e o loop ao extremo, sampla a electrónica experimental de Nuno Canavarro (a quem dedicámos generosa atenção aqui) em “Wask”. Um nanossegundo de uma voz distorcida e filtrada quase não se nota num redemoinho de vozes que lutam entre si por espaço na música. Quem conseguir que o detecte. Pisquem os “olhos” e poderão perdê-lo.

 


https://www.youtube.com/watch?time_continue=5&v=bllBibU5Cf4

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