pub

Publicado a: 26/12/2017

Chamem um médico: o Eminem ainda respira…

Publicado a: 26/12/2017

[TEXTO] Alexandre Ribeiro [FOTO] Direitos Reservados

O título não é uma piada de mau gosto, asseguramos. Também não é uma tentativa de apontar para um renascimento de Eminem no último disco – quem nos dera. Auto-medicámo-nos com Revival e estivemos perto de entrar num coma induzido. Não sabemos quando é que as coisas no tratamento correram mal: ficámos atordoados com “River” e, segundo nos contam, desmaiámos em “Needed Me”. Não poderia ter corrido pior.

Apesar de começarmos esta peça com algum escárnio, o que nos traz aqui é algo muito diferente. O autor de “Stan” tentou recuperar dos falhanços de Encore, Relapse e The Marshall Mathers LP2 – a capacidade de vender discos não é um reflexo da superação artística – e, como se diz na gíria futebolística, bateu na trave. E com estrondo, diga-se.

“Eu vou dizer isto: estou a perseguir o The Marshall Mathers LP para sempre. Esse foi o auge do que eu poderia fazer”, contou Eminem numa interessantíssima entrevista publicada na Vulture. Conseguir igualar uma obra tão grandiosa é uma missão ingrata para qualquer artista, mas o MC e produtor não é qualquer um: afinal de contas, o “Rap God” é, indubitavelmente, um dos poucos artistas rap que conciliou uma técnica alienígena e um discurso subversivo com a capacidade de aliciar um público mainstream para o seu universo retorcido.

Se Jay-Z envelheceu bem – ponha-se os ouvidos no soberbo 4:44 – , o mesmo não se pode dizer de Eminem, pelo menos quando falamos de discos. Quando a conversa são temas que não pertencem aos seus álbuns, o caso muda de figura. Perguntem a Dr. Dre ou a Big Sean, se fizerem favor.

Depois de uma dolorosa desintoxicação e o afastamento total do consumo de drogas, o rapper não voltou a ser o mesmo e quase que teve, assume o próprio, que re-aprender a fazer rap. No entanto, os vislumbres do velho Slim Shady fizeram-se sentir em quatro diferentes ocasiões, quase sempre na companhia de outros artistas.

 


[EMINEM, ROYCE 5’9”, DANNY BROWN, BIG SEAN, DEJ LOAF, TRICK TRICK] “Detroit Vs Everybody” (2014)

As casas de apostas não tiveram dúvidas: jogo em casa é vitória certa para Eminem. Acompanhado pelos excelsos Royce 5’9″, Danny Brown e Big Sean, Marshall Mathers entra com um discurso recorrente na sua discografia – ouvimo-lo a rimar sobre o assunto em “Walk on Water”, por exemplo – , repescando a ideia de que o mundo está contra ele. As referências a assuntos “quentes” da altura também são um hábito nas canções de Em e o caso não mudou de figura em “Detroit Vs Everybody”, colocando Adrian Peterson, jogador da NFL que enfrentava a justiça em 2014, ou o avião da Malaysia Airlines, que foi abatido por um míssil na Ucrânia, nos seus versos. O nome de J Dilla, malogrado conterrâneo do “Rap God”, também surge na letra.

Como estudioso e meticuloso criador que procura encaixar cada letra, sílaba e palavra em métricas criadas num laboratório apurado na sua cabeça, Slim Shady demonstrou que as suas qualidades não ficavam nada atrás das novas estrelas – Danny Brown e Big Sean – ou do seu companheiro de sempre – Royce 5’9″ –  , esmagando um beat produzido por Statik Selektah.

 


[DR.DRE] “Medicine Man” feat. Eminem, Anderson .Paak e Candice Pillay (2015)

Um dos melhores versos de sempre de Eminen está “enterrado” numa faixa de Compton, o álbum que marcou o regresso de Dr. Dre em 2015.

Quando se fala de um álbum de Marshall Mathers com a produção integral de Dr. Dre, a esperança não é apenas um desejo de adolescente, um suspiro nostálgico por um regresso a um passado que não vai voltar. Ouvindo a segunda parte da canção – sim, a participação de Eminem merece uma secção nova, que também está partida ao meio – , não podemos deixar de salivar pelo regresso da dupla ao estúdio com o verdadeiro intuito de criar um álbum a quatro mãos. Apesar do instrumental não ser do co-fundador da Death Row, a versão moderna do som conjurado e imortalizado pelo “doutor” bilionário foi criada por Dem Jointz e Focus…, dois discípulos de Andre Young.

Voltando à produção, Em merece um ambiente de filme de terror: piano periclitante a criar antecipação e um arranjo de cordas para ajudar no suspense, levando a uma autêntica explosão, como se tivéssemos entrado num portal qualquer e fossemos transportados de imediato para outra dimensão. Tudo isto com o piloto de Detroit a controlar as operações com mestria de maestro.

De propósito ou não, Eminem acaba por nos apoiar na ideia de que precisa de Dr. Dre mais do que nunca, relembrando a forma como tirou os desconfiados do caminho no início da carreira:

“Mistook me because I look soft
But I stood tall, I just follow the (Doctor’s orders)”

E reforça:

“And whatever consequences come with every verse
It’s worth it, so Doc turn the beat on
Whose turn is it to get murdered on it?”

Mais uma vez:

“All I needed was someone to co-sign; been a (Doctor’s) assault rifle with the sniper scope for this whole time
Day one, say when to blast
Just give me the order, I spray (Uh)”

Para mal dos nossos pecados, o pedido de ajuda, passados dois anos, ainda não teve resposta do fundador dos N.W.A. And last but not least, não esqueçamos uma das linhas mais polémicas e subversivas dos últimos anos:

“Ain’t no one safe from, non-believers there ain’t none / I even make the bitches I rape cum”

 


[BIG SEAN] “No Favors” feat. Eminem (2017)

E se a velocidade é uma das qualidades mais apreciadas por aqueles que não esmiuçam a fundo as suas canções, “No Favors”, faixa do mais recente trabalho de Big Sean, é a prova de que ainda existem formas de rimar que Eminem está a descobrir e a trazer para o jogo. Num tom mais grave do que é habitual, o MC serpenteia no instrumental de FrancisGotHeat & WondaGurl e abusa das aliterações, por exemplo, e, como já falámos anteriormente, relembra momentos menos brilhantes de estrelas pop, recuperando, neste caso, a famosa vez em que Fergie não controlou a bexiga em palco.

“Não acho que ele me tenha matado na minha própria canção”, disse, de forma ingénua, o membro da G.O.O.D. Music numa conversa com Angie Martinez. Sean deu luta, mas sucumbiu ainda na primeira metade do verso de Eminem:

“So ahead of my time, “late” means I’m early
My age is reversing, I’m basically thirty
Amazingly sturdy, zany and wordy
Brainy and nerdy, blatantly dirty
Insanely perverted, rapey and scurvy
They blame me for murdering Jamie Lee Curtis”

 


[EMINEM] “Campaign Speech” (2016)

Neste momento, Eminem é, comparando com guitarristas norte-americanos, uma espécie de Steve Vai/Joe Satriani do rap. Ele sabe todas as fórmulas, sai e entra no tempo como bem lhe apetece e atira-se em masturbações sónicas infinitas. Enfim, o domínio técnico está mais apurado que nunca, mas a capacidade de criar canções que, de alguma forma puxam a sua arte para outros campos, parece ter-se perdido algures.

Em “Campaign Speech”, a vontade de dilacerar Donald Trump – algo que mencionou em entrevistas recentes com a Complex ou a Vulture – transformou-se numa música com cerca de 8 minutos. Música é capaz de ser pouco representativo do que ele fez. Pensando bem, chamemos-lhe uma obra abstracta em que as palavras são o mais importante – o instrumental é um mero ornamento – e utiliza os nomes de David Hasselhoff, Robin Thicke, Colin Kaepernick, Edward Norton para criar uma peça de pop art que retrata o caos que se vive nos Estados Unidos da América.

No fim, deixa-nos a mensagem mais importante de alguém que nunca deixou de ser o seu maior crítico: “Why am I such a dick?”

 


pub

Últimos da categoria: Ensaios

RBTV

Últimos artigos