Nasceu no Sul de Londres, viveu em Portugal e tem raízes em Angola. Por entre as ondas sonoras de todas estas diferentes influências encontramos Carla Prata. Depois de Roots, disco de estreia lançado em 2020 e que nos convida a visitar essas mesmas origens, e PUPA, o segundo trabalho da cantora, num registo mais introspectivo e conceptual, Child’s Play chega-nos como um projeto mais curto, de mais fácil digestão e com uma energia mais leve.
Ao Rimas e Batidas, Carla Prata levantou o véu do processo de construção de um EP que, apesar de menos denso, nos oferece um olhar importante sobre a sua identidade artística. Child’s Play é orgânico, livro de amarras e, por isso, um espelho apontado a um processo criativo livre e genuíno.
Qual era o teu estado de espírito durante a construção deste projeto e como sentes que isso se reflete no resultado final?
Fiz estes sons sem pressão. Acho que ouvindo este EP consegues perceber isso mesmo; as músicas são fun e leves. Era nesse estado de espírito que estava enquanto o criava. Aliás, inicialmente nem pensava necessariamente em fazer um EP com estas faixas que estava a gravar. Eventualmente, achei que estas músicas faziam sentido juntas e foi por essa altura que comecei a pensar em agregá-las num projeto.
A vibe é, de facto, diferente em relação ao teu último projeto. O que pretendes transmitir com este Child’s Play?
O PUPA, o meu último projeto, tinha uma temática e um conceito. O objetivo do Child’s Play não é esse. Não há conceito. A vibe é mesmo ser fácil e leve.
Contas com quatro participações neste projeto. Como foi feita a curadoria e o que consideras que vêm acrescentar ao EP?
Tracei o objetivo de colaborar mais este ano, mas não participando nos sons de outros. Quis que fosse ao contrário e quis convidá-los a participar em músicas minhas. Fi-lo, também, com a intenção de internacionalizar a minha música, daí as colaborações com artistas de vários países: o Tim Lyre, por exemplo, é nigeriano; o S1mba é do Zimbábue; o EMMVR de Moçambique… A curadoria também passou um pouco por aí, gostava que a minha música atingisse mercados diferentes.
Tens alguma história ou facto interessante sobre alguma destas participações?
Não tenho necessariamente uma história engraçada ou caricata sobre nenhuma das participações, mas a mais interessante é a do Rafaell Dior. Mandei-lhe mensagem no Instagram a dizer que era fã do trabalho dele e em 5 dias tínhamos o som fechado. Ele chegou ao estúdio e fechou o verso dele em duas horas. Ele chegou, entrou no booth e só saiu quando a parte dele estava fechada.
Quais diriam que são as principais diferenças no teu processo de criação entre projetos como o PUPA, mais denso e temático, e o Child’s Play, mais leve e fun?
Para mim, quando um projeto tem mais depth, tenho que estabelecer uma ligação forte entre as palavras e a melodia. Há muito overthinking envolvido. Tudo é colocado ao microscópio, há muitas coisas a sofrer alterações e a serem feitas várias vezes até ficarem perfeitas. E isto envolve tudo, desde a letra, à melodia até à mixagem das faixas. Tenho guardadas imensas versões de algumas das faixas do PUPA [risos]. Ao construir o Child’s Play, não pensei tanto, foi mais natural, prático e fluido. A vibe era mesmo que ficasse mais descontraído.
Dirias que tens uma preferência entre uma e outra forma de criar um projeto?
Depende da altura do ano [risos]. E também depende da fase que estou a passar. É como tudo, há dias em que me apetece McDonald’s e noutros nem por isso.
És uma artista bastante autobiográfica na tua música. Consideras que este é um traço importante na tua identidade artística?
Sem dúvida. Acho que a única forma de gostarem verdadeiramente de ti e se relacionarem contigo enquanto artista é através da tua música. É isso que gosto de fazer quando crio. Mesmo que as pessoas possam não se identificar a 100% com a letra, pode haver algo na melodia que as faz conectar-se com o que estou a fazer.
Fruto das tuas origens, podemos afirmar que “vives” entre três públicos distintos — o de Portugal, o de Angola e o do Reino Unido. As diferentes percepções destes públicos têm impacto no teu processo criativo?
Sem dúvida. Há muitos sons que faço e sei que vão bater bué em Angola e outros que tenho consciência que não vão ter o mesmo êxito lá, por exemplo. Ser fiel e genuína a mim mesma também é ter isso em consideração. No final do dia, sou artista, a música é o meu ganha-pão e tenho que ser inteligente nesse aspeto também. Mas são públicos muito diferentes! A cultura que existe nestes mercados é muito distinta. Em Angola, por exemplo, não existe tanto aquela cultura de consumir um álbum, existe mais uma cultura de singles. O Reino Unido tem a dificuldade de ser um mercado muito alargado e teres um bocadinho de tudo e de todos os géneros musicais. São mesmo públicos distintos.
Nesta fase da tua carreira, com três trabalhos lançados e algum caminho já percorrido, como te definirias enquanto artista?
Eu já canto há algum tempo, mas sinto que ainda tenho muito para lançar e explorar. Tenho discos e sons guardados que são muito diferentes de tudo o que já lancei ou que já ouvi e que estou ansiosa por ainda pôr aí fora. Por isso, acho que ainda só estou no início. Contudo, se me pudesse definir com uma palavra, escolheria “fluída”. Diria que sou fluída enquanto artista.
Consideras que alguma dessa fluidez e vontade de explorar também vêm das tuas origens e do facto de conseguires ir beber a tantas fontes diferentes?
É mesmo isso. Não seria quem eu sou sem as minhas influências. Só no UK tens imensas culturas diferentes: há o pessoal da Jamaica, os nigerianos, claro, os britânicos. Vindo de lá tens logo contacto com tudo isto. Depois, Angola também tem uma cultura e identidade muito próprias. Portugal, igual. Tenho essa sorte.
Fazendo parte dele e, ao mesmo tempo, conseguindo ter uma visão exterior, como olhas para o panorama do R&B em Portugal?
Sendo sincera, sinto que podia estar um pouco mais a par do que estou. A minha percepção é a de que, neste momento, existe mais espaço para novos artistas aparecerem. As pessoas estão mais dispostas a ouvir R&B e há interesse neste tipo de música. Há mais lanes que se estão a abrir para os artistas e considero que o panorama está interessante.
E sobre este Child’s Play, que outras novidades teremos associadas ao projeto? Há por aí concertos ou vídeos que nos possas revelar?
Em princípio, quero lançar mais dois videoclipes de músicas deste projeto, mas tudo isso ainda está a ser considerado. Posso revelar que, no geral, vou estar ativa e out there. Vou fazer um pop up na Lisa em breve e também vou aparecer em algumas festas e eventos nos próximos tempos.