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Fotografia: Alex da Corte Studio
Publicado a: 03/04/2024

Um reforço de Leonardo Pereira aos discos de hip hop que ficaram pelo caminho.

Burburinho: Março 2024

Fotografia: Alex da Corte Studio
Publicado a: 03/04/2024

Em Burburinho, Leonardo Pereira olha pelo retrovisor e oferece destaque aos discos — muitas vezes não tão óbvios — que mais o marcaram ao longo do mês anterior, com especial enfoque para tudo aquilo que se vai colhendo nos campos do hip hop. Sem restrições ao nível da estética, por aqui vão cruzar-se propostas que vão desde o mais clássico boom bap às cadências soulful que aproximam o género do r&b, não esquecendo nunca as reformulações mais modernas do som nascido em Nova Iorque, que hoje gera infindáveis ecos a partir de qualquer cidade à volta do globo, através das visões gélidas do trap ou do drill.


[CRIMEAPPLE] LETHIMCOOK

Já lá vão 7 anos desde que CRIMEAPPLE lançou o seu primeiro projeto, e desde aí que parece nunca ter olhado para trás. São 24 trabalhos que mantêm uma aura obscura e mistíca, onde a persona que é perpetrada aborda o mundo sempre com uma frieza calculada, um orgulho desenfreado no seu come-up e uma ostentação de inteligência vaidosa. Sente-se uma dificuldade em descrever um projeto (ou um artista) que trabalha constantemente a sua fórmula com perspicácia e precisão tal que, mesmo sentindo que não há algo de novo ou de inovador no seu produto, se torne impossível não ouvir sempre que sai. Especialmente porque parece ter um dedo de ouro para as suas beats, que elevam e singularizam a experiência de todos os seus discos — neste projeto, deixamos o destaque para “The One”, com produção de Buck Dudley; “Duck Fart”, com produção de Don Leisure; e “Seance”, de DJ Swet, que cremos aqui entre nós ser uma excelente candidata para beat do ano. 

Quando se chega ao ponto de conseguir explorar samples de anúncios de manteiga em espanhol, monólogos criminosos, braggadocious do mais puro e narrativas do hustle do próprio rapper, tudo no mesmo disco, há que respeitar o talento de conseguir alargar incessantemente a lane que ele abriu para ele próprio. Este parágrafo servirá então, não só para para apelar a que ponham os vossos ouvidos na sua discografia, mas também a que ponham os vossos olhos nas capas dos seus álbuns, que são das mais interessantes e cativantes do ambiente do hip hop underground. Um artista completo.


[Tierra Whack] WORLD WIDE WHACK

Tierra Whack sempre teve um mundo interior gigantesco. Todas as suas canções e líricas propunham este fato, e a própria parece ter sempre zelado para que, desde o início, seja interpretada como uma criadora que se recusa a ser etiquetada. A artista/rapper/produtora de Philadelphia nunca se prendeu a um estilo e a uma forma e o seu primeiro projeto, lançado em 2018, continha 15 faixas que se limitavam todas a um minuto. Já os 3 EPs de 2021 — R&B?, Pop? e Rap? —, tal como os seus títulos sugeriam, foram explorações de três faixas em cada um desses géneros. Começa-se a entender esta vontade de não se isolar num género, quase como se estivesse a preparar os seus fãs e ouvintes para que eles também estivessem preparados para tudo.

Este WORLD WIDE WHACK continua a linha de evolução de Tierra, 6 anos depois do seu primeiro disco. Desta vez, a artista carrega na sua emocionalidade e vulnerabilidade, expondo-as para todos verem, com todos os sentimentos normalmente empurrados para trás a borbulharem na superfície. Em “MOOD SWING”, apresenta-se como uma boss auto-suficiente e financeiramente independente, mas também fala de como a exposição pública constante a obriga a não confiar em ninguém e a nunca se revelar. “NUMB” é uma balada agressivamente melancólica sobre a depressão e ideação suicida que sente. “MOOVIES” apropria-se de uns sintetizadores etéreos para criar uma ambiência amorosa em que a autora quer ser levada ao cinema e a um jantar, e eventualmente casar. Não nos vamos alongar mais — estes parecem-nos 3 exemplos bem convincentes da profundidade do talento e da alma artística de Whack. Em termos de instrumentais, recebemos o que é de habitual num projeto da filadelfiana: beats minimalistas, pouco texturadas, simples mas incrivelmente eficientes a pintar o pano de fundo para todos os timbres que a vocalista assume. Talvez estejamos mesmo a viver no mundo de Tierra.


[That Mexican OT] Texas Technician

O album mais divertido e com as punchlines mais engraçadas que ouvimos nos últimos tempos, Texas Technician é um disco de hip hop e trap extremamente texano. Absolutamente desenvergonhado no braggadocious, com os R’s de That Mexican OT enrolados como se fossem charutos, acrescentando uma vaidade indescritível a cada rima, as basslines são pesadas e as vagarosas melodias vão-se arrastando como se de um dia de sol em agosto se tratassem. 

A lista de convidados é extensa (apenas 3 faixas não têm verso featured) e cada um pega na beat como quer, pouco se importando com a necessidade de se manter num tema ou numa abordagem específica. Se são fãs de hip hop sulista, está aqui um belo baú de tesouro de colaborações. Entre outros, Paul Wall, Slim Thug, Z-Ro, DaBaby, Moneybagg Yo compõem a lista de performers que se gabam de: 1) dos seus shooters; 2) da sua proficiência sexual; 3) de quanto dinheiro têm; 4) de quantos carros têm e do preço das respetivas jantes; 5) em geral, do quão incríveis são. Às vezes, não é preciso nada mais que isso para nos prenderem a 40 minutos de música. Se não vos chega, na bula também se oferecem barras tão bizarras como hilariantes, mudanças de flow cada vez que o kick bate e uma aula de regionalismos texanos. Finalizamos este parágrafo com a abertura de “Crooked Officer”, para se perceber bem o nível em que estamos: “Ayo, what goes inside the toilet? / The shit, that’s what I am.”


[Chuck Strangers] A Forsaken Lover’s Plea

A Forsaken Lover’s Plea, o terceiro disco do rapper nova-iorquino Chuck Strangers, começa com uma introdução dividida em dois curtos monólogos. O primeiro de uma voz de rádio masculina declara que “esta transmissão reflete muito, mas não completamente, sobre como é ser negro em muitas cidades na América.” O segundo é um excerto de um espetáculo de comédia de Richard Pryor, em que o próprio disserta sobre o sentimento específico de ter o coração partido, afirmando que um homem não se pode “diplomar” sem já lhe terem partido o coração. Consideramos o cenário preparado para um disco pesaroso, introspetivo, concentrado em analisar as circunstâncias em que se vive, em como todos os pequenos detalhes do dia a dia se amontoam ao lado dos dramas e dilemas que se vão assoberbando no nosso cérebro.

Os versos são de alguém que passou a vida a analisar minuciosamente tanto todas as suas ruínas como todos os seus sucessos, todas as situações em que se safou por um triz como a segurança que agora sente financeiramente. É poesia dolorosa, mas recheada de esperança, como se Chuck soubesse que depois de todas as tempestades, também há bonanças. As batidas parecem corroborar esta ideia: as texturas são nostálgicas, as samples relembram tempos mais simples, a pureza do boom bap transporta-nos a uma era diferente. Os grandes compositores desta viagem paisagística são o próprio Chuck Strangers, The Alchemist, NV, Animoss, Graymatter, Zoomo e Obii Say, todos em destaque pela união em torno dos sentimentos tão facilmente palpáveis no disco. Em termos de vocalistas convidados, vê-se Nova Iorque em peso: Remy Banks, Joey Bada$$ (colega dos Pro Era) e Erick the Architect compõe o trio maravilha que partilha palco com Strangers. Se o brotar daquele hip hop jovem e irreverente da costa este no início da década passada vos captou na íntegra (os tais Pro Era, Beast Coast, Capital Steez, etc.) e têm saudades dele, não tenham medo: Ele ainda vive. Apenas cresceu.

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