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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 07/06/2025

Um reforço de Leonardo Pereira aos discos de hip hop que ficaram pelo caminho.

Burburinho: Maio 2025

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 07/06/2025

Em Burburinho, Leonardo Pereira olha pelo retrovisor e oferece destaque aos discos — muitas vezes não tão óbvios — que mais o marcaram ao longo do mês anterior, com especial enfoque para tudo aquilo que se vai colhendo nos campos do hip hop. Sem restrições ao nível da estética, por aqui vão cruzar-se propostas que vão desde o mais clássico boom bap às cadências soulful que aproximam o género do R&B, não esquecendo nunca as reformulações mais modernas do som nascido em Nova Iorque, que hoje gera infindáveis ecos a partir de qualquer cidade à volta do globo através das visões gélidas do trap ou do drill.


[seiji oda] Human + Nature

Seiji Oda, de primeiro nome Gabriel, aparece em 2020 com uma tranquilidade natural e orgânica como diagrama para a construção da sua carreira musical. Todo este Human + Nature é produzido pelo próprio e a primeira intenção que sentimos depois de uma primeira audição é mesmo uma de juntar a natureza à humanidade através de uma experiência musical completamente criada à volta dessa necessidade. Asiático-americano, combina a sua ascendência japonesa com a sua vivência costeira em Oakland para uma lírica ultra-relaxada, pouco importada com o que quer que seja, chegando a ser cómico o nível de casualidade na voz dele.

O tom pouco entusiasmado nas rimas não transparece aborrecimento, mas sim um tipo de descanso que não nos parece fácil de atingir fora do uso de ansiolíticos. As temáticas não vão por aí além e, sinceramente, são os que esperamos que Oda continue a desenvolver no futuro. Satisfazem-nos porque se adequam à vibe geral do disco, não tanto porque despertam algum tipo de curiosidade em percebê-las.

Até os convidados assumem papéis de completa e total descontração — e são mais de 17 pessoas a deixarem-se levar por uma leviandade e uma brandura que marca toda a duração do projeto, mesmo quando é menos feliz e mais pensativo e melancólico. Mesmo os poucos momentos em que as batidas puxam de trunfos um pouco mais abrasivos, a lentidão com que tudo acontece embala e acompanha-nos para os quase 50 minutos de duração. Fica o destaque especial para “BOSSA NOVA”, “MOBBY MIYAZAKI”, “a leaf is a lung” e “wud u still?”. Naturalmente.


[Ebony] KM2

KM2 é uma abreviação para Queimados, bairro do Rio de Janeiro onde Ebony nasceu. É desta homenagem que se parte para o terceiro disco da rapper brasileira, que se faz através das suas vivências, da cultura que se vive na cidade carioca e do sentimento de finalmente encontrar sucesso depois de uma infância claramente traumática de imensas maneiras.

O seu timbre é o de quem já viveu demasiado durante os 25 anos desde o seu nascimento, ao longo dos quais se foi conseguindo encontrar a si mesma. A lírica, claro, passa pelo autoempoderamento e pela extravagância — com “Festa dos Manequins” a ser o expoente disso, contendo um par de versos escritos por uma caneta que promete ficar na história —, mas também há reflexões pesadas sobre uma infância extremamente difícil, tal como revelações sobre o seu nascimento ter sido causado por um abuso sexual e sobre já ter sofrido, também, dessa violência. Não ficamos por aí em termos de impacto e vamos sendo informados de uma crítica social com lugar na fala — há algo a reter em praticamente todas as 11 faixas do álbum. Seria, também, uma omissão fulcral se não referissemos a mais pura das gingas que este projeto transpira: “Hong He” tem pernas para rebentar qualquer pista de dança do mundo, “Triplex” concorre para o título mundial de braggadocious, suficiente para partir todos os corações dos amantes perdidos para o tempo, e “KIA”, com AG Beatz (que também produziu a já mencionada “Festas e Manequins”), ficará para sempre na nossa memória simples e unicamente pela seguinte barra: “Eu não te ignorei, tenho miopia”.


[Yugen Blakrok] The Illusion of Being

O caminho de Yugen Blakrok no hip hop já começou há virtualmente vinte anos, na cidade de Queenstown, na África do Sul, mas só com este The Illusion of Being, o seu terceiro longa-duração, saiu da sua terra-mãe para construir mais um mundo musical.

O seu nome, infelizmente, passou largamente despercebida do panorama do hip hop até 2018, quando se juntou a Kendrick Lamar para “Opps”, uma das faixas da banda sonora do filme Black Panther, que a lançou para voos diferentes e finalmente chegou aos nossos ouvidos.

Se pudermos filosofar um bocadinho sobre o hip hop como género em geral, nunca nos deixa de surpreender a infinita validade que certos tipos de arte parecem ter. Mesmo quando os segmentos do género que estão agora a chegar às grandes massas se aproximam mais do trap, do rage e de um psicadelismo inebriado, o boom bap parece simplesmente continuar a viver, lado a lado, disponível para quem o quer  — e, incrivelmente, sem qualquer perda de qualidade, levando-nos a arriscar dizer até que talvez esteja cada vez melhor. Yugen Blakrok usa a sua voz da mesma maneira que os pioneiros nova-iorquinos começaram a usar há 52 anos, e pelas mesmas razões, como ela escreve no seu próprio Bandcamp: “Involved. Anti. Free from convention. Involved in the fight. Anti-establishment.”

Voltando à música propriamente dita, e acreditando que esta pequena descrição chegará para vos captar o interesse: a letra de Yugen é exímia no seu labor, exibindo uma mestria de linguagem, cultura e história que não passará ao lado de ninguém. Sobre as batidas, todas nascidas do cérebro de Kanif the JhatMaster, basta dizer que ficámos a acreditar um pouco mais sobre hipnotização depois de umas quantas passagens pelo disco. E acreditamos, de certeza, que toda a hipnotização devia começar por uma mistura de inspirações grunge, trip hop, percussão classicamente nineties e uns quantos samples glitchy e meio assustadores. Não há ilusões nenhumas.


[Lefty Gunplay] Can’t Get Right

De acordo com o que nos conta, a vida de Lefty Gunplay nunca o permitiu atinar. Por outras palavras, todos lhe chamam Lefty porque nunca se pôde endireitar. O título do disco propõe essa ideia e a meia hora de música, dividida por 15 faixas, com a maioria a falhar os 3 minutos de duração por pouco, vai concretizando a justificação para este fenómeno paranormal. Para tal explicação, o rapper de Baldwin Park, Los Angeles, juntou-se a JasonMartin, antigamente conhecido como Problem, para o seu primeiro álbum… de 2025, depois dos seus 4 (quatro!) primeiros projetos, lançados todos no ano de 2024.

A viagem de Franklin Scott Holladay no mundo do hip hop começa em 2023, depois de sair da prisão, quando lança dois singles que ganham alguma atenção online. Depois dos já referidos projetos do ano passado, participa em “tv off”, hit de Kendrick Lamar que correu o mundo, o que o eleva a outros patamares. Daí começamos a conhecer melhor o californiano, e pouco antes deste Can’t Get Right, o viral Channel 5 entrevista-o para o seu canal de YouTube, abrindo uma janela para o mundo perceber melhor a vida frenética (por múltiplas razões) de Holladay. Recomendam-se vivamente estes vinte minutos para um olhar real e aprofundado sobre como é viver como pessoa racializada nos Estados Unidos da América, mesmo quando se tem algum semblante de fama.

De toda esta biografia, surge um hip hop eclético através de uma voz que possui demasiadas histórias para contar, tanto dramáticas como efusivas, que aprecia qualquer tipo de festa, que já viveu tragédias inimagináveis. A cultura da diáspora da América Central nos Estados Unidos da América é constantemente representada através de tudo isto e adiciona uma camada que nos agarra à música de uma forma diferente. Mesmo que não seja possível para Franklin se endireitar, não temos a certeza que queremos que isso aconteça.

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