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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 05/07/2023

Um reforço de Leonardo Pereira aos discos de hip hop que ficaram pelo caminho.

Burburinho: Junho 2023

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 05/07/2023

Em Burburinho, Leonardo Pereira olha pelo retrovisor e oferece destaque aos discos — muitas vezes não tão óbvios — que mais o marcaram ao longo do mês anterior, com especial enfoque para tudo aquilo que se vai colhendo nos campos do hip hop. Sem restrições ao nível da estética, por aqui vão cruzar-se propostas que vão desde o mais clássico boom bap às cadências soulful que aproximam o género do r&b, não esquecendo nunca as reformulações mais modernas do som nascido em Nova Iorque, que hoje gera infindáveis ecos a partir de qualquer cidade à volta do globo, através das visões gélidas do trap ou do drill.


[2 Eleven & T.F] Skanless Levels 4

Diretamente da Califórnia e emanando todos os ares de um g-funk na lírica, por cima de batidas quase minimalistas — compostas, na maioria das vezes, por uma singela melodia, percussão e talvez uma sample ou duas —, os californianos 2 Eleven e T.F apresentaram a quarta edição da antologia Skanless Levels em junho. Ambos já com quase duas décadas de música nas pernas, este último projeto dos dois compõe um conjunto de faixas que se encaixam perfeitamente nas novas escolas do hip hop, puxando influências da costa este (especialmente “griseldianas”), aplicando flows tranquilos, instaurando uma ambiência leve e subtil e estendendo a passadeira vermelha para um cartaz de convidados notável. Com 7 das 9 faixas do disco a conter versos featured, Roc Marciano (que destaco especialmente aqui — ouçam “Special Sauce” e, se gostarem, gostarão do resto), Jay Worthy, Rome Streetz, Trizz, Slumlord Trill e The Moon (cuja presença em “Closer” torna a canção groovy até dizer chega) adicionam camadas de variedade, de timbres e de flows a um projeto muito sólido, situando-se numa intersecção muito interessante de sonoridades e temas. É a idade moderna.


[Danny Towers & DJ Scheme] Safe House

A Flórida está em boas mãos. O segundo longa duração de Danny Towers chegou-nos em junho, dois dias depois de o verão começar, com uma intensidade sulista irrepreensível. Na produção executiva, DJ Scheme organizou uma coletânea de produtores que criaram uma sequência de habitáculos para temáticas de opulência e ostentação, da vida de gangster, do consumo de drogas e de mais uns quantos habitués. As batidas soam bélicas, apocalípticas, lamacentas, pesadas, e a voz de Towers vai-se alastrando com agressividade e gravidade ao longo do projeto, que apesar da curta duração (pouco mais de meia hora) consegue adotar vários flows — se, por exemplo, em “Rotate” vai disparando barras, em “Kreepin” enuncia todas as sílabas do vil que cospe e deixa Denzel Curry gritar os seus males mais aceleradamente. E pegando na temática dos convidados, parece um filme do Tarantino, mas cujo elenco são estrelas do hip hop underground da Flórida (e não só): Ski Mask The Slump God e Luh Tyler dão um ar de sua graça no single “Florida Water”, que captou muita atenção em meios escritos e cujo refrão é memorável; Babyface Ray chega-se a um plugg orelhudo em “Trap Baby”; e em “Redrum”, iniciada com uma sample inesquecível de uma canção anti-guerra dos anos 70, também usada por Pusha T em “Just So You Remember”, Robb Bank$ conseguia comandar pelotões à base de pura confiança.


[Sleep Sinatra & Televangel] Incorruptible Saints

A segunda aparição das batidas de Televangel num Burburinho (a primeira foi com Parthian Shots, colaboração com AJ Suede, que também veio dar uma mãozinha neste disco) vem pelo nome de Incorruptible Saints, onde assumem o pano de fundo para os vocais de Sleep Sinatra. O MC é natural do Nebraska, mas não assumiríamos isso facilmente — os flows, as harmonizações, os refrões, a enunciação, a cadência ininterrupta fazem lembrar alguns MCs nova-iorquinos já muito estabelecidos. E se o produtor consegue fazer com que os seus loops soem bem em qualquer estilo com uma qualidade inegável, o pára-arranca nos versos de Sinatra fazem lembrar Mobb Deep na sua precisão, o relaxamento na sua aura recorda as barras mais soalheiras de Joey Bada$$ e a variedade de temas relembra-nos a polivalência de Wiki. Apesar de contar com menos de meia hora de música, sentimo-lo como uma experiência completa. A maioria das faixas situam-se entre 2 e 3 minutos, com “Fire Forged”, em que se aliam Milc e Lord Olo, a chegar aos 5 minutos. Sinatra já vai com 41 projetos desde 2011, com as colaborações a serem um caminho preferido nestes últimos anos, e vale a pena ir vasculhar por tudo isso — vai-nos sendo deixado um delicioso trilho de hip-hop abstrato (do bom) para recordar o que o levou até onde está.


[Kahlil Blu] *METROPOLIS

*METROPOLIS é um daqueles álbuns que se posiciona nos recentes cruzamentos do hip hop com outros géneros, em que o seu criador se recusa a aceitar limites e junta os sons de que gosta, que acha que soam bem, que o inspiraram e com os quais cresceu. Eclético seria o adjetivo menos exagerado que podíamos usar aqui. O álbum começa com uma voz infantil a descrever a cidade Metropolis, uma ilha que se tornou num oásis num deserto, e a desejar sorte aos visitantes. No decorrer do projeto, vão-se ouvindo guitarras de pop-rock, reverbs quase shoegazey, vocais distorcidos, bangers de trap, instrumentais de alt-rock contemporâneo, beats lo-fi, refrões contagiantes a intercederem flows aceleradíssimos que extravasam punchlines, um pouco de deconstructed club, um boom bap escondido… Vocês percebem a ideia. Com o ocasional monólogo de discurso histórico ou um diálogo casual a serem polvilhados entre faixas, está aqui uma ideia bastante bem descrita. Perde-se um pouco o conceito original da cidade Metropolis nos labirintos que Blu vai tecendo com a voz, mas como execução pura de ideias musicais é um disco bastante memorável. Nem que seja porque o queremos entender melhor.

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