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Texto: Vera Brito
Fotografia: Aidan Kless
Publicado a: 10/06/2020

O segundo volume da Enchufada na Zona está a caminho; e a primeira amostra já está cá fora.

Branko sobre “SDDS”: “Sinto que captou aquele pânico das primeiras semanas da pandemia”

Texto: Vera Brito
Fotografia: Aidan Kless
Publicado a: 10/06/2020

Branko dispensa apresentações mas convém sempre realçar que o produtor é um dos principais responsáveis por esta Lisboa plural e multicultural que é sobejamente reconhecida lá fora, despertando curiosidades e atenções que vão muito além dos encantos turísticos ou dos atractivos tecnológicos da capital.

Em processo de desconfinamento e de regresso aos palcos, já nos próximos dias 1 e 2 de Julho no Tivoli, em Lisboa, João Barbosa confessou-nos estar bastante ansioso em poder, finalmente, partilhar connosco o concerto que tem há muito preparado, desde que a primeira data, originalmente marcada em Abril, foi cancelada em consequência da pandemia.

Durante estas semanas de isolamento, o produtor e DJ alimentou-nos a alma com muita música e muitos sets que decorreram em streaming nas mais variadas plataformas e ocasiões: o 25 de Abril de 2020 terá certamente, para além dos cravos, o seu nome inscrito ao lado, e Lisboa nunca nos pareceu tão bonita como naquele set que nos ofereceu num terraço da cidade, num final de tarde de Maio. E se todo este período foi ingrato em muitas coisas, acabou por ser terreno fértil para a construção de um segundo volume da compilação Enchufada na Zona (que sai a 10 de Julho), com muitos edits de música nova e não só, temas originais seus e de vários artistas ligados ao seu universo e à Enchufada, com apresentação hoje do primeiro single, “SDDS”, motivo para esta nossa nova conversa com o autor de Nosso, que ainda escolheu cinco músicas relacionadas com a temática “saudade”.



Este teu single, que estreia hoje, “SDDS”, penso que é o acrónimo para saudades, certo?

Sim, é o futuro do ddtc [de onde teclas?]. [Risos]

[Risos] Diria que é uma música tua um pouco mais melancólica que o habitual. Melancólica talvez não seja a palavra certa, mas traz definitivamente uma nostalgia de um passado assim não tão distante, anterior a esta pandemia. Como surgiu este som?

Este tema foi o primeiro que fiz, logo no início de Março, quando fomos obrigados a ficar em casa. Sempre tive uma salinha em que trabalho, fora de casa, e sempre preferi separar as coisas e ter aquela energia de ter de sair de casa, beber um cafézinho e tipo “ok, agora sento-me no meu estúdio”. Mas com tudo o que aconteceu fui meio que obrigado a montar algumas coisas aqui em casa para trabalhar e essa [música] foi a primeira ideia que me veio à cabeça e a primeira coisa que fiz que, de certa forma, sinto que captou mais ou menos aquele pânico das primeiras semanas, e aquela incerteza generalizada que havia sobre tudo e que era difícil de gerir, enquanto músico, DJ e performer. Houve ali umas duas ou três semanas, no início, em que não só era difícil gerir o dia a dia — porque de repente tudo o que eram tarefas ganharam toda uma série de extras e de preocupações –, como também todas as coisas agendadas no calendário (imagina, algumas dali a seis meses) e eu não conseguia pensar no futuro, conseguia apenas ’tar a viver aquelas primeiras semanas, focado no momento, sem pensar muito e sem uma ideia muito clara ou concreta. E esse é um bocado o ambiente deste tema. Até o facto de não ter pensado em ninguém para cantar, nem ninguém para nada, era exactamente para tentar fazer quase um strip down e tirar tudo o que sejam extras daquilo em que me sinto confortável e que acho que é a minha sonoridade, e ter um tema que mais ou menos conseguisse caracterizar essas semanas.

A escolha de lançar este single no Dia de Portugal — embora de certa forma já o tenhas apresentado naquele set que fizeste no rooftop em Lisboa no final de Maio — tem algum simbolismo ou é apenas coincidência?

[Risos] Tem e não tem. Se calhar vou começar por contar um bocadinho de quando é que surgiu, não o tema em si, mas a ideia de o lançar e disto tudo. Em 2017 lançámos uma compilação chamada Enchufada na Zona, que saiu aproximadamente dois anos depois do meu disco ATLAS e que foi, a meu ver, um resultado muito orgânico não só de músicas que tinha trabalhado e editado para tocar nos meus sets (nesses dois anos em que andei na estrada a promover o disco), como também de uma série de artistas de quem tinha recebido música, que acabaram por ser um bocadinho a geração seguinte de tudo aquilo que aconteceu em coisas com a Enchufada, nos últimos dois anos. Portanto, foi uma compilação orgânica, no sentido de que não foi uma compilação em que criámos o conceito e depois eu fui pensar nos temas. Não, eu tinha os temas e sabia exactamente a música que queria partilhar com o mundo, e não era música original, era toda uma comunidade de artistas que identificava como tendo uma ligação comigo e com aquilo que eu queria tocar, e com a Enchufada também.

Fast forward dois anos e tive a mesma sensação no início deste ano, porque obviamente com o NOSSO, que saiu em 2019, que toquei bastante durante o ano passado um bocado por todo o mundo, também percebi que ’tava outra vez com uma série de música nova e de edits, então comecei a criar essa ideia do que é que seria esse volume dois da compilação Enchufada na Zona. Já em confinamento houve uma série de artistas de quem toquei muita música e a quem acabei por pedir temas originais, mas pedi-lhes para terem uma perspectiva diferente — o Enchufada na Zona, a meu ver, o festival e tudo isso, são coisas de outdoor, de rua, de música quase tipo block party — e aqui pedi-lhes uma perspectiva que fosse mais tipo: “e se estivesses no conforto da tua casa, sentado no teu sofá, mas a ver tudo isso a acontecer? Num telefone, numa plataforma de streaming, o que quer que seja”. E obviamente que, enquanto ’tava a ter toda esta conversa, também me ’tava a aperceber que tinha, neste tema [“SDDS”] e noutros que tinha acabado de criar no início da quarentena, uma série de coisas que identificava também como sendo possíveis para integrar esta compilação. As coisas foram-se desenvolvendo e entretanto fez-nos sentido ter todas as músicas, que foram criadas para a compilação, a sair antes da compilação, porque depois no fundo a compilação depois acaba por ser quase uma playlist, hoje em dia não é um álbum ou um lançamento. Queríamos também que o pontapé de saída fosse com um tema meu e com este “SDDS” para apresentar um pouco a ideia e o conceito.

A ideia do Dia de Portugal acabou por não ter a ver especificamente com o dia em si, mas pelo de desafio de “ok, o mundo ’tá tão virado ao contrário e antes era tão óbvio que todas as pessoas iriam querer fugir dos feriados e desses dias meio especiais para lançar música (porque não havia atenção, não havia imprensa, não havia nada) que a ideia aqui foi: já que está tudo virado ao contrário, vamos também virar todas as nossas pré-disposições e conclusões ao contrário, e vamos lançar música em feriados e em dias em que as pessoas se calhar vão estar no seu quintal a fazer um churrasco, ou em casa simplesmente a ver o feed do que está a acontecer nas redes sociais, ou na praia, ou o que quer que seja, e vamos tentar musicar esses momentos”. Então passou um bocadinho por aí, não necessariamente por ser o feriado de Portugal, mas por ser um feriado, até porque os dias lançamentos são quase sempre as sextas-feiras e aqui a ideia de pôr uma coisa na rua numa quarta foi mais para criar uma conexão nesse sentido, e de dar uma sensação mais diferente.

E que outros temas tens então prontos para esta compilação, se é que nos podes adiantar?

Posso sim e nós vamos também anunciar o lançamento da compilação agora na próxima sexta-feira. Esta compilação passa um bocadinho por várias coordenadas, desde alguns remixes e alguns edits meus, e toquei muita coisa da compilação nesse set do rooftop, portanto há muita coisa que depois é possível ir ouvir lá, onde estão já as coordenadas todas para o lançamento. Fiz também um edit para um tema que saiu muito recentemente, que eu adorei, com os brasileiros DKVPZ, com uma vocalista cabo-verdiana, que é a Ellah Barbosa – um tema que saiu na editora do iZem, a Elis Records, que se chama “Lunar”. Fiz um outro edit de um grupo polaco, de que gosto muito, chamado Lua Preta, um casal de uma vocalista angolana com um produtor polaco. Portanto há uma série de remixes e depois há também uma série de temas originais de alguns artistas como, por exemplo, do Vanyfox, dos Dengue Dengue Dengue e coisas novas de artistas que entretanto mudaram de nome. [Esta compilação] é assim meio uma apresentação de uma nova frente de artistas e de pessoas novas, e ao mesmo tempo também foca os artistas que já são os habituais da Enchufada, assim como também alguns remixes do NOSSO – no fundo, alguma música que eu tinha aqui nas minhas pastinhas para tocar durante a tour toda e que acabou por se converter numa compilação.

Então apesar de tudo este confinamento acabou por ser um período muito criativo para ti?

[Risos] Acho que sim. É um pouco aquilo que te estava a dizer, depois dessas primeiras semanas em que o cérebro parecia que não conseguia focar numa ideia durante mais do que cinco minutos, acho que depois senti que a coisa encarrilou e consegui começar a criar e a colocar ideias em acção. Agora não me peçam para tentar adivinhar o que é que vai acontecer em 2021, porque não consegui mesmo parar para pensar nisso.



Durante este período acho que foste também um dos músicos que vimos mais activos. Desdobraste-te em lives em várias plataformas, como no Instagram ou mais recentemente no Twitch da Enchufada, houve também o set inesquecível na Avenida da Liberdade, no 25 de Abril, que foi marcante, e também o set de desconfinamento no rooftop de Lisboa, com imagens fantásticas da cidade. Como é que têm sido estas experiências de tocar assim, sem conseguir tirar o pulso ao público e à pista de dança, como estarias mais habituado?

Acho que são [experiências] diferentes, em momento nenhum achei que um set que estava a fazer ali na minha sala seria um substituto de um concerto. Acho que inicialmente havia essa missão muito clara da ideia do “eu fico em casa”, e confesso que, talvez por ’tar a acabar de chegar de viagem de Nova Iorque, no dia 12 de Março, quando começou o burburinho maior, em que cheguei um bocado em pânico, senti que estava mais assustado do que todas as pessoas que estavam à minha volta, como a minha família, os meus amigos, que estavam todos tipo “isso aconteceu na China mas ’tá tudo bem”. Então senti muito esse apelo inicial de “vou tentar dar o meu melhor para contribuir, nem que seja com um grãozinho de areia, para que, sei lá, 300 pessoas fiquem em casa a ver-me a passar música numa sexta-feira ou sábado à noite”. Depois, felizmente, acabei por tropeçar num número bastante maior de pessoas e isso também acabou por me fazer entender que se calhar havia aí uma linha directa de comunicação muito interessante e que realmente as pessoas precisavam de foco e de escape. Recebi mensagens de todo o lado a agradecer, desde pessoas que trabalhavam na área da saúde, até pessoas que estavam a dar completamente em doidas em casa, e isso acabou por me ir motivando a pensar: “ok, então é exactamente isto, eu sou um DJ e vou tentar musicar alguns momentos, e vou tentar dar algumas coordenadas às pessoas que consigam fazer com que o foco seja outro, durante uma hora que seja, obviamente sem esquecer que se estavam a viver momentos complicados e com as notícias sempre presentes, mas que às vezes também pode ser importante relaxar, dançar ou o que quer que seja”.

Obviamente que numa pista de dança vive-se muito o momento e o que está ali a acontecer, mas se calhar depois tem menos presente o lado da cultura, daquilo que tem a ver com a música em si, ou seja, num set em casa tive muitas mais pessoas a perguntarem-me que música é que eu toquei ou quem era aquela pessoa que cantava aquele tema. Toda essa ideia de “ok, deixa-me ir conhecer música nova através do teu set” penso que também pode ter tido muito a ver com esta fase do confinamento e com esta ideia de que: já que estou em casa sem nada para fazer vou aproveitar para conhecer coisas novas, mesmo que isso não fosse uma decisão consciente por parte das pessoas. E nesse sentido acabou por ser interessante, como te disse no início, não senti que fosse um substituto [dos concertos], mas foi uma conversa paralela que eu acabei por começar com um foco diferente daquilo que era o habitual no meu dia a dia, e felizmente tinha muita música para mostrar e tinha sempre propostas novas para tocar e para meter nos sets, e acho que fui conseguindo construir uma narrativa mais ou menos interessante.

Acho que tudo isto acabou por abrir novas formas de comunicar música e não só. Perguntava-te se, depois de tudo isto passar, estes são formatos que pretendes continuar a explorar?

Sim, completamente. Sinto que são formatos diferentes, que não vão competir directamente com um concerto num fim de semana, mas acredito que foram criados hábitos, relações e dinâmicas nas vidas das pessoas para os quais faz todo o sentido continuar com esta ideia de streaming. E uma das coisas que tem sido cada vez mais desmistificada é esta ideia de canais, a força de um canal de televisão, a força de um pay per view e deste tipo de coisas, e com o que os youtubers e todas as pessoas que têm explorado as redes sociais nesse sentido têm conseguido, sinto que de alguma forma o pessoal da música agora ficou a olhar para isso e a dizer “ok, eu não tou muito interessado nesse conteúdo de youtuber, mas se calhar consigo arranjar mais ou menos o mesmo sistema para me organizar de alguma forma”, mesmo que a monetização e tudo o resto seja feito de forma diferente. Porque, imagina, num set como o do rooftop, eu não consigo ser remunerado por nada, porque os temas — e isto para mim é a forma correcta de fazer as coisas — têm todos copyrights claims das editoras. Neste caso toco muita música da Enchufada e acabo por potenciar todos os seus artistas e um círculo muito próximo, mas acaba por não ser muito fácil vir uma remuneração directa daí. Por outro lado, acho que acaba por ser um formato interessante quando se trata de conseguir audiência e de passar música, ideias e conceitos novos, e essa ideia do Twitch da Enchufada é, sem dúvida, a de num futuro próximo manter um canal activo, com sets, conteúdo e programação – o nosso espaço online onde conseguiremos ter os nossos conteúdos audiovisuais a ser apresentados semanalmente.

Mudando de assunto, a tua música, e aliás toda a Enchufada, é uma das principais bandeiras desta Lisboa plural e multicultural, que se estende ao resto do país. Com tudo o que tem estado a acontecer e com manifestações contra o racismo deste fim de semana, em que houve até um cartaz partilhado nas redes que dizia: “gostei de ter ver na Surra, mas gostava de te ver aqui”, perguntava-te a tua opinião e como tens vivido todas estas questões e tensões raciais destes últimos dias, cá dentro e lá fora.

Tenho tentado focar-me mais na questão local, porque sinto que há muito aquela ideia de “ok, o que está a acontecer nos Estados Unidos é completamente diferente do que está a acontecer aqui em Portugal” e sinto que isso é completamente ridículo e é completamente errado, acho que [aqui] acontece exactamente a mesma coisa. Talvez com a grande diferença de que se calhar vivemos num país em que o acesso a armas de fogo não é o mesmo em que nos Estados Unidos e talvez por isso, e por regras diferentes do policiamento, e por regras diferentes de uma série de outras coisas, os resultados cá não sejam tão dramáticos como o que temos observado nos últimos anos lá, mas o problema do racismo é muito real em Portugal e começa, a meu ver, na escola e na forma como são ensinados os Descobrimentos e em como todo esse conhecimento é passado. Para mim não faz sentido nenhum a forma como se fala dos Descobrimentos e como se fala da altura em que os portugueses chegaram a Cabo Verde numa sala de aula, como a minha quando andei no liceu da Amadora, em que metade da minha turma os pais eram imigrantes cabo-verdianos. Acho que é preciso contextualizar as coisas e é preciso contar os lados todos da história, que não sinto que estejam a ser contados, e acho que isso se espalha por uma série de sectores e de canais de informação. Sinto que há falta de representação e que tudo aquilo que se tem estado agora a identificar nas redes de muitas coisas que são erradas, tenho concordado com quase tudo e ao mesmo tempo tenho também tentado não me pessoalizar absolutamente nada e tenho tentado só estar a aprender e a educar-me sobre uma série de questões, que se calhar não aconteceram à minha frente e das quais eu não estava completamente consciente. E neste momento, com coisas que estou a ler e com séries que vi entretanto e tudo isso, consigo ter uma percepção diferente, e não sei bem o que é que eu hei-de dizer, no sentido de que não sei a conclusão de tudo isto, mas sinto que o meu foco tem estado a ser mais local porque acho mesmo que há essa falta em admitir que Portugal é um país que também tem muito racismo no núcleo de tudo.

Sempre que se fala de racismo em Portugal parece que existe de facto sempre muita resistência em admiti-lo, mas a verdade é que se juntaram milhares de pessoas neste fim de semana, por isso diria que existe também muita gente com uma opinião contrária e com muito a dizer. Dirias que tudo isto irá ter repercussões reais ou que pode ser apenas uma onda impulsionada pelo que aconteceu nos Estados Unidos, que entretanto pode passar deixando tudo tal como estava?

Acho que não vamos necessariamente voltar ao local em que estávamos antes, mas também não acho que neste momento se esteja com a resolução de todos os problemas à nossa frente, porque é um problema que já está tão intimamente ligado à forma de construção social e de tudo o que se tem desenvolvido nos últimos anos que esse desenraizamento acaba por ser difícil de ser feito. Contudo penso que há aqui ingredientes, ideias, debates, conversas e informação suficientes para que uma parte muito grande das pessoas, que se calhar ainda não se tinha consciencializado com uma série de questões — onde me incluo e onde acho que incluo muitas das pessoas brancas que conheço –, que de repente passou a ter mais informação, e acho que isso, embora não sei até que ponto é que pode contribuir, pode pelo menos mudar algumas circunstâncias e algumas questões do dia a dia. E espero que com isso venha algum progresso e se avance na ideia de desmistificar esse pensamento de que há um grupo de pessoas que são as originais de um país, porque isso não existe, não é? Essa ideia de quem é a população zero de um país é algo completamente sem sentido, porque se fossemos pensar na população zero do território que temos neste momento ocupado, eram mouros a determinada altura, e depois deixaram de o ser, e a história ensinou-nos que as coisas vão-se mexendo e que as pessoas e os povos vão circulando pelo planeta.

Começámos, felizmente, a regressar aos concertos e espectáculos, dentro da realidade possível e com as máximas precauções. No passado fim de semana o Dino [D’Santiago] deu o pontapé de saída no Campo Pequeno. Estiveste lá? Como foi a experiência como público?

Estive e foi uma experiência super bonita a vários níveis. A primeira obviamente por ser um concerto do Dino, num dia como o dia 6, depois da manifestação. Foi um dia comprido, com muitas emoções e acima de tudo intenso. Foi o dia perfeito para o Dino que, para mim, é o artista que representa tão bem toda esta ideia de uma Lisboa mais inclusiva e mais multi-tudo. O concerto foi incrível assim como também foi poder ver, pela primeira vez, uma série de canções, que tenho ’tado a consumir desde que saiu o disco, cantadas por ele. Foi uma experiência muito fixe e que eu já andava mortinho por ter. Para além disso, a única outra coisa a falar é que sinto que as pessoas, para poderem consumir cultura, estão dispostas também a fazer alguns esforços e a mudar um bocadinho aquilo que são os seus hábitos de consumo normais de um concerto. Se é necessário eu ficar sentado a ver um concerto, então fico, se isso for para o bem geral e para que possam existir concertos. Depois toda a organização da sala, a saída das pessoas, todo o processo foi algo em que cheguei a casa sem o pânico do que é que poderia ter acontecido, de com quem é que me poderia ter cruzado, etc. Cheguei a casa super bem resolvido e super satisfeito com o concerto e com uma experiência totalmente conseguida.

 


Aliás vi que acabaste de anunciar também duas datas para o Tivoli…

Fiquei com inveja do Dino. [Risos]

[Risos] Nada disso, são duas datas que já todos queríamos ver concretizadas porque, infelizmente, como sabemos, os teus concertos neste período tiveram de ser forçosamente cancelados. Expectativas para este regresso aos palcos? Estás ansioso?

Sim, completamente. Acho que a ansiedade aumentou conforme fomos tendo de arranjar novas datas para os concertos. A última vez que comuniquei tentei fazê-lo dizendo às pessoas que o concerto iria acontecer, mas preferi não me comprometer com uma data, porque existia tanta incerteza que acho que foi melhor esperar mais perto de uma das datas e perceber se as coisas estavam a caminhar nessa direcção, para então aí avançar. E isso aconteceu agora, obviamente depois desse pontapé de saída do Dino e depois de ver uma série de outras entidades que estão a começar a anunciar concertos pelo país fora, senti que era a altura certa para tentarmos fazer alguma coisa. Como a data original já estava quase esgotada acabámos por ter de transformar uma data em duas para conseguir que a sala mantenha os 50% da capacidade normal. Portanto é isso, estou mesmo muito ansioso de chegar no dia 1 de Julho e de mostrar o concerto que tinha totalmente preparado desde o dia 2 de Abril e acho que vai ser um concerto também diferente e, com alguma sorte, é um concerto que já estava pensado para um espaço sentado, como uma experiência audio visual, quase como uma instalação e nesse sentido acho que vai fazer sentido. Não sinto que vá ser uma coisa meio descabida em que eu vou ’tar ali a passar música de dança e as pessoas vão ser obrigadas a ’tar sentadas sem conseguirem exteriorizar o que quer que seja. Por isso acho que fez todo o sentido avançar já com a data e não esperar por um pós-Verão ou pela ideia de a sala poder novamente atingir a capacidade máxima, porque sinceramente não fazemos ideia de quando é que isso acontecerá.

Eu acho até que provavelmente duas datas não irão chegar, [risos] mas vamos ver. Para além destes dois concertos vi que tens também outro marcado para Ílhavo: tens mais coisas agendadas?

São apenas esses. [Risos] Acho que este Verão vai ser relativamente emocionante porque parece-me que as coisas vão acontecer tipo duas semanas antes. Vai ser sem dúvida interessante e diferente para quem já desde 2007, em tour com Buraka [Som Sistema], tinha espectáculos marcados seis meses antes, mas este é um Verão completamente atípico e felizmente estou a conseguir ter a sorte de encaixar algumas datas e alguma actividade para assumir quase um regresso aos palcos — nacionais para já, porque tudo aquilo que tinha a nível internacional ficou em standby, ou para o Verão de 2021, ou algumas coisas que estão agendadas para o pós-Verão, mas que vão depender das circunstâncias para que realmente aconteçam.

Para já os bares, clubes e discotecas não têm ainda data prevista de abertura. Achas que a Na Surra se pode reinventar de alguma maneira enquanto tudo isto durar?

No caso da Na Surra acho que é um evento muito ligado a uma comunidade de pessoas que vai mensalmente ao espaço que é o B.Leza. Não sinto que a Surra existiria sem o B.Leza e sem a história do B.Leza, nem sem a Enchufada e sem a história da Enchufada, nem sem os artistas que são os residentes da Surra e as suas próprias histórias individuais. É um evento que vive muito dessa mistura toda de circunstâncias. Temos estado obviamente a tentar a manter a periodicidade dos eventos online, mas sinto que é diferente e é complicado gerir essa expectativa de estarmos novamente no B.Leza e de fazermos a ida a essa “quase” missa musical mensal, à qual estávamos todos habituados. Creio que se vai reinventar no sentido de que, sem dúvida, vai manter um lado online e físico quando for possível.

Para terminar e regressando a este teu novo single, “SDDS”, perguntava-te, neste momento, do que é que sentes mais saudades?

[Risos] Tenho saudades da rua. Saudades daquela ideia que nós tomávamos quase que meio como garantida de chegar e abraçar os amigos, tenho saudades desse contacto diário. Tenho saudades de ir para o escritório, de estar com todas as pessoas lá e dos nossos brainstormings infindáveis. O que tenho mesmo saudades é das pessoas e de estar à vontade com elas, porque agora, mesmo quando estamos com pessoas, é inevitável não haver um bloqueio, um receio e uma ideia de “eu vou ficar no meu canto e tu ficas no teu, por muito bem que a gente se conheça”. E sinto que essa ligação humana é o que está mesmo a faltar, e espero que consiga ser reconquistada nos próximos meses. Mas tenho saudades de muita coisa, era uma lista muito grande… [Risos]


 

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