pub

Fotografia: DFOX
Publicado a: 09/03/2022

Um sistema a precisar de actualização.

benji price no Teatro Tivoli BBVA: em lume brando

Fotografia: DFOX
Publicado a: 09/03/2022

A gestão de expectativas é algo complicado de se fazer quando o que nos chega de forma continuada é de alta qualidade. É com isso em mente que reflectimos sobre a primeira apresentação do álbum de estreia a solo, ígneo, de benji price no Teatro Tivoli BBVA, em Lisboa. Neste caso, o trabalho de estúdio, e não precisamos de ser comedidos, coloca-o num selecto grupo de nomes que marcaram indelevelmente o rap feito em Portugal nos últimos anos (e aqui falamos dele nos diferentes papéis que desempenhou – o do co-fundador e A&R involuntário da Think Music, do rapper, do produtor e do engenheiro de som). Mas nem era só por aí que a fasquia estava bastante alta – na memória estava ainda o concerto com ProfJam no Rádio SBSR.fm Em Sintonia, em 2020, para apresentar SYSTEM, uma actuação em que, tal como escrevemos na altura, se confirmou que também existia um artista que tinha algo para dar em palco. 

E com tanta promessa cumprida nem se pode dizer que um disco nivelado por cima em 2022 tenha sido uma surpresa — foi só mesmo uma confirmação de créditos. Esteticamente alicerçado numa paixão óbvia por aquilo que a cultura japonesa nos deu – a capa assinada por NERVE, por exemplo, é só mais uma referência a isso –, o primeiro longa-duração em nome próprio não arriscou para lá daquilo que imaginaríamos que podia fazer, mas assegurou-nos que João Ferreira podia fazer isto sozinho. A nível de escrita, tal como aquilo que fez com Mário Cotrim, mas com uma maior profundidade, este é um trabalho em que o artista pensa sobre o seu papel neste mundo, e (quase) sempre com o ângulo de reflectir sobre o legado que está a construir, alternando entre confissões que surgem de um sítio profundamente pessoal e a versão mais hiperbolizada (ou “larger than life“) do MC que acredita que não existe um ser humano capaz de lhe fazer frente na hora de “cuspir” rimas. 

Este preâmbulo serve para situar a bagagem que carregávamos quando nos sentámos numa das cadeiras do teatro que já esteve mais longe de fazer 100 anos. A isso junta-se o compromisso com uma desconstrução dos temas do álbum para as versões ao vivo – alimentada de forma positiva por uma passagem bastante bem conseguida pelo MTV Push Portugal – ficando a ideia de que a ambição do músico nos traria algo diferenciado, mesmo tendo em conta que esta seria a primeira vez que se apresentaria desta forma ao público. 

Auxiliado por quatro instrumentistas — Alex Bastos, Will Brockman, SPLINTER e RIVAthewizard –, benji price nunca nos deixou, na passada sexta-feira, dia 4 de Março, esquecer que ainda estava a dar os passos iniciais neste registo live, permitindo que a ansiedade e o nervosismo vencessem em diferentes ocasiões. Isso tornou-se mais claro em certas alturas, como quando interagiu com o público para perceber se o auto-tune estaria a funcionar em condições (as respostas vindas da plateia foram ambíguas porque era difícil perceber o que estava bem ou mal devido à sua entrega tímida) ou quando xtinto (em “Pó de Cosmos”) e Mike El Nite (em “Veni, Vidi, Vici”) subiram a palco. Os dois ex-parceiros da Think Music (e únicas vozes do longa-duração a marcarem presença na Avenida da Liberdade) manusearam sem grandes dificuldades a ferramenta vocal e o contraste de experiência de estrada entre os convidados e o protagonista da noite foi evidente e, acima de tudo, importante para o segundo — houve aí um necessário boost de energia que mexeu com o ambiente da sala. E os fãs, diga-se, não se cansaram de mostrar o seu apoio a benji entre canções. 

Para quem “Subi[u] a galope num baixo”, a ausência desse peso mais “grave” e groovy, ainda para mais quando algumas das faixas roçaram no rock (e até no nu-metal), foi sentida – e certamente teria feito diferença para uma adaptação mais coerente. Também não se teria perdido nada com o acrescento de uns coros (ou mesmo um hype man) a ajudar na resolução eficaz da transmissão de tanto texto. Ou mais referências ao imaginário nipónico no cenário – para lá do hoodie de Sailor Moon.

Mas nem tudo foi mau neste (curto) espectáculo que se cingiu apenas a ígneo no alinhamento: a segunda parte de “Final Fantasy Freestyle” foi, provavelmente, o momento em que sentimos benji mais confortável e no comando da situação, deixando aparecer, finalmente, o rapper-dominante que costuma soltar na cabine de gravação; e em “Girassóis” cumpriu e não defraudou uma grande canção. 

Quando cantou “Eu escrevinho hinos, é genuíno o dom”, benji price não mentiu. Mas a escolha da sala (um Musicbox talvez fizesse mais sentido aqui) e a falta de rodagem (os artistas ligados ao hip hop precisam urgentemente de arranjar um circuito de espaços mais pequenos que lhes permitam dar passos mais seguros antes de palcos maiores e com outro tipo de história) pesaram demasiado no resultado final. Quem já está neste patamar — mesmo que esta seja para si uma fase nova — perde a margem de manobra para errar. No entanto, e com as mil formas que vem assumindo nas suas diferentes vidas musicais em perspectiva, não será difícil prever que benji price encontrará as melhores soluções para, no futuro, se mostrar tão preparado ao vivo como o faz em estúdio.


pub

Últimos da categoria: Reportagem

RBTV

Últimos artigos