Ir ao Lux Frágil a uma quinta-feira à noite é um convite para se entrar da melhor forma possível no fim-de-semana. Casa maior dos rituais da dança em Lisboa, é o refúgio perfeito para purgar qualquer stress acumulado nos dias anteriores, de ouvir música de olhos fechados e deixar-nos levar, com o corpo a ficar à mercê dos ritmos e texturas melódicas que o seu famoso sistema de som tem para nos oferecer. Nequele dia, 7 de Novembro, tocavam os Beautify Junkyards para apresentar o seu mais recente álbum, NOVA.
O quinto disco nas contas da banda lisboeta foi o terceiro a merecer o carimbo da inglesa Ghost Box, etiqueta que tem estado na linha da frente do movimento hauntology, do qual os Beautify Junkyards surgem como principal representante dentro da esfera nacional, uma reputação que também se vai manifestando fora de portas. Um concerto numa casa como o Lux era, por isso, mais do que merecido nesta nova etapa do projecto liderado por João Branco Kyron (voz e synths), onde encontramos também Tony Watts (bateria), Bernard Loopkin (synths), Bia Diniz (baixo), João Moreira (guitarra) e ainda a nova vocalista Martinez, que no registo discográfico anterior — Cosmorama (2021) — já tinha dado ares de sua graça no tema “A garden by the sea”.
É precisamente a recém-adicionada Martinez um dos elementos-chave desta nova fase em que se encontra a banda. A sua voz etérea combina na perfeição com a electrónica que ascendeu a um patamar de maior destaque em NOVA, catapultando a estética do grupo para uma outra zona do espectro sonoro. A música dos Beautify Junkyards está mais fantasmagórica do que nunca, o tropicalismo que se sentia em projectos anteriores é agora uma memória mais distorcida dentro do ADN do conjunto, os elementos folk soam ainda mais cósmicos e há até resquícios de uma new wave experimentalista que parece ter sido recuperada de uma qualquer cassete perdida há décadas dentro de um poeirento baú de relíquias musicais.
Foi essa a receita para o espectáculo de quinta-feira, onde pudemos testemunhar ao vivo o mais recente repertório deste sexteto, volta e meia intercalado com algumas das canções que já faziam parte da sua história. Kyron foi o maestro de toda a sessão no Lux Frágil, largando por vezes a sua mesa de trabalho para assumir a voz, ora a solo, ora em dueto com Martinez, que esteve quase sempre na frente da formação com um vestido de lantejoulas, uma espécie de bola de espelhos andante que invocava a sensação de estarmos diante uma verdadeira constelação pelos inúmeros brilhos que de lá saiam disparados em todas as direcções. Em temas como “Sonora” ou “Somersault”, as cordas vocais de Martinez ganham um brilho ainda mais celestial, como se estivéssemos a escutar música feita por anjos numa realidade paralela imaginada pelos irmãos Safdie.
Tony Watts assinou, provavelmente, a performance mais vistosa por entre os restantes companheiros, exibindo um hábil baterismo e um vasto leque de complexos padrões rítmicos, levando a cadência das músicas para lugares menos óbvios, mas sem lhe retirar os elementos essenciais que fazem o nosso corpo reagir com balanço. Apelidado por Kyron como o Jean-Michel Jarre da banda, Bernard Loopkin edificou as bonitas e vaporosas texturas que envolvem todo o bolo sonoro do grupo. Nos instrumentos de cordas, Bia Diniz e João Moreira serviam os alicerces para que todo este delírio electrónico soasse coeso enquanto projecto de banda.
Talvez os Beautify Junkyards sejam a prova de que os fantasmas também dançam, tal é o assombro que conseguimos escutar nas suas criações, ainda assim sem nunca nos fazer querer evacuar a pista de dança — antes pelo contrário. A cadência lenta não ofusca os passos dos corpos que se movimentam em frente ao palco e há um transe que nos liga a todos nesta comunhão, em que por momentos faz parecer que estamos ali a sós, isolados do resto do mundo num qualquer vazio no espaço, longe dos domínios térreos onde os sentimentos de ódio e caos são cada vez mais evidentes.