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Fotografia: André Delhaye
Publicado a: 30/11/2022

Uma aplicação prática da relatividade.

Beatrice Dillon & Kuljit Bhamra em Serralves: um fugaz tempo hipnótico

Fotografia: André Delhaye
Publicado a: 30/11/2022

A programada visita a Serralves para ver e escutar a apresentação de Beatrice Dillon e Kuljit Bhamra teve um inesperado bónus – umas horas antes deste concerto ter tido lugar no Auditório da fundação (no passado domingo), Miquel Bernat e Vasco Mendonça conversaram com José Luís Ferreira no agradável espaço da biblioteca sobre Play Off, o mais recente projecto do Drumming GP que acaba de merecer edição da lisboeta Holuzam.

Neste Play Off, o ensemble de percussões liderado por Bernat executa então peças compostas por Vasco Mendonça, com uma das obras, “American Settings”, a incluir ainda a interpretação de textos de Terrance Hayes e Track K. Smith pelo contratenor Stephen Diaz. Além da reveladora conversa – que cobriu os mistérios da criação, a colaboração com Diaz e as mais prosaicas, embora complexas, questões do financiamento da música contemporânea -, esta apresentação incluiu a projecção de vídeos das gravações do projecto e a demonstração de uma app criada para Play Off e que de certa forma consubstancia o conceito intrínseco deste registo permitindo-nos a todos jogar com sons. Ultra interessante e mais uma prova de que o Drumming GP, que ainda recentemente vimos em Braga a encerrar o Semibreve ao lado de Burnt Friedman num incrível concerto, é um dos mais vitais, criativos e activos ensembles a trabalhar no vasto campo da música contemporânea em Portugal.

O concerto de Dillon e Bhamra revolveu em torno de peças de Workaround, trabalho que a produtora, compositora e música britânica lançou na PAN em 2020 contando no seu alinhamento com diversas colaborações, de Lucy Railton a Laurel Halo. Mas é ao pulso vibrante de Kuljit Bhamra que são atribuídas mais entradas em faixas de Workaround, pelo que este encontro dos dois no palco do auditório de Serralves fez pleno sentido.

Bhamra posicionou-se por trás de um conjunto de percussões, incluindo tablas e o que pareciam darbukas, deles extraindo um hipnótico pulsar, tão matematicamente preciso quanto poeticamente fluído, que se enredou nos padrões electrónicos que Dillon foi debitando a partir de laptop, loopstation, efeitos e controladores MIDI. A música de Dillon adquire muito rapidamente uma qualidade hipnótica, ainda que tal derive mais das virtudes texturais dos seus arranjos do que propriamente de uma adopção de motivos circulares e repetitivos. O sound design do concerto – ecoando aliás a dinâmica e imersiva instalação sonora que Dillon criou para o foyer do auditório – é envolvente e suga-nos literalmente para dentro de um vórtice sónico de confortáveis padrões rítmicos e texturas metálicas que nunca agridem, antes massajam os nossos tímpanos. Essa sensação de construção de um espaço aural é fundamental na prática musical de Dillon que não apenas se encaixou nas síncopes criadas pelo seu parceiro de palco, mas deles extraiu, através de live sampling, pontos cardeais adicionais para a sua viagem, não se percebendo a dada altura onde terminava o som criado pelo movimento das mãos de Kuljit Bhamra e tinha início o seu eco digital subtilmente orquestrado por Beatrice. 

Um prodígio, sem dúvida. O espectáculo não terá durado mais de 40 minutos e gerou alguma surpresa no final já que a sua brevidade pareceu acentuar-se pelo tal lado hipnótico da música – é que o concerto soou como se de um breve instante se tivesse tratado. Talvez seja esta, afinal de contas, a mais eficaz forma de se viajar no tempo.


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