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Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 28/04/2023

Amor para receber e dar.

Baco Exu do Blues no Lisboa ao Vivo: fação carinhosa? Presente!

Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 28/04/2023

Separáva-nos um oceano, aproximavam-nos tantas outras coisas. Com dois concertos esgotados, um no Porto e outro em Lisboa, acrescentando ainda uma data extra para Lisboa, um dos rappers contemporâneos mais influentes do Brasil, estreou-se em Portugal.

Não veio só. Da lateral esquerda do Lisboa ao Vivo, dispensando apresentações ou entradas vistosas, há um canto reservado para o pagode, o funk e o rap, em nome do DJ JLZ, um dos produtores do mais recente álbum de Baco Exu do Blues, QVVJFA?

Um dos exercícios que gosto de fazer quando o assunto é música ao vivo é fechar os olhos. Fecho-os porque me facilita a tarefa de me teletransportar, mesmo que só mentalmente, para um outro lugar. Para onde nos levam as primeiras palavras que soam ao microfone? Por onde se propaga, nos nossos corpos, o som dos instrumentais das músicas pelas quais nutrimos um maior apreço?

“Eu sinto tanta raiva que amar parece errado…” é a primeira chapada de luva branca que nos é dada quando Baco entra em palco. A crueza da afirmação só emite dor e culpa, enquanto o instrumental nos pede um copo de vinho e nos senta num bar de jazz algures numa capital do mundo com luzes baixas, em tons vermelhos, que disfarçam sentimentos negativos.

O momento de sonhar acordado é rapidamente cortado pelas vozes e gritos vindos do público que, com a garra com que o faziam, pareciam ter sido pagos como parte integrante do espetáculo. E não era para menos. A fação carinhosa (nome herdado do título de um tema seu), como tão encarecidamente Baco nos apelidou, foi uma parte fundamental do que se experienciou no Lisboa ao Vivo. Desde soutiens atirados, a exclamações de “Baco gostoso” em coro, tudo foi feito para demonstrar o entusiasmo que se fazia sentir com a figura do rapper. Pese embora que a primeira ação tenha resultado num momento de visível constrangimento para o artista, no qual após o soutien ter sido atirado para o palco, pega nele com um ar de perplexidade e o mesmo se aplica aos pedidos para que tirasse a sua camisa. Todos estes momentos em que se recusa a ser tratado como um sex symbol acabam por ser um lembrete para que se oiça de novo o seu mais recente álbum e, acima de tudo, o desabafo que ali se apresenta. A mensagem é clara: o trabalho de casa tem de vir feito para lá das entrelinhas. 

Uma lição que, claramente, veio estudada foi a da representatividade. Baco assumiu-se firme nas suas convicções e sem receio de partilhar os holofotes com quem o acompanhava. Aisha, Mirella Costa e Alma Thomas fizeram um brilharete sendo introduzidas ao som de “Mulheres Grandes” ocupando espaços que são seus também e a fazerem-no como ninguém. 

Ainda assim, o cansaço de final de tour já se fazia sentir. Baco confessa-nos que tinha as expetativas elevadas para o seu show em Lisboa e, aqui, o certo é admitir que tudo é uma questão de perspetiva. Para quem estava imerso na plateia, decerto que se viu inundado por uma onda de euforia e energia capaz de mover o mundo e que, por vezes, ancorou Baco quando o cansaço queria fazer dele refém. 

Admitamos: somos apenas passageiros no comboio com destino ao amor próprio que Baco conduz. É curioso ter escolhido Lisboa como destino final dessa viagem. A própria setlist tinha uma disposição caricata: primeiro, o amor; depois, a militância. Embora na vida, ambos se confundam inúmeras vezes.
Claro está que o espetáculo atinge o seu clímax quando Baco se permite fazer uso da raiva que guardava em si e a despeja sobre nós em “Bluesman”.

Alguém que aprendeu a aceitar o amor que recebe e tem para dar, não podia deixar de partilhá-lo com quem o rodeia. A certa altura, Baco pede-nos para deixarmos os telemóveis de lado e darmos o braço à pessoa que temos ao nosso lado, desconhecido ou amigo. Naquele momento somos responsáveis uns pelos outros, numa lógica semelhante à célebre frase d’O Princípezinho: “Tu és eternamente responsável por aquilo que cativas”. Se nos perguntassem quantas vezes fomos amados, com certeza que ali, naquele preciso momento, fomos todos um pouco mais. Baco é, no fundo e readaptando Valter Hugo Mãe: “Só carne e osso e uma vontade tremenda de (des)complicar as coisas.”


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