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Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 05/03/2023

O poder afrodisíaco da música negra.

B.E.R.A faz música “sem vergonhas, sem medo de julgamentos, de uma forma livre, frontal, muitas vezes sensual ou sexual”

Texto: ReB Team
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 05/03/2023

Foi há um ano que B.E.R.A começou a mostrar as suas Proezas e o álbum — o seu primeiro a solo — caiu nos serviços de streaming na sua totalidade na passada sexta-feira., dia 3 de Março.

Com um total de nove canções, o longa-duração foi alicerçado com recurso aos inúmeros talentos do seu autor — podemos escutar Fred Martinho a dividir-se entre composição, voz, guitarra, baixo ou talkbox —, que se mostram em total sintonia com o input de alguns colaboradores, com YANAGUI, Raíssa ou Pity à cabeça. Depois de um faixa-a-faixa prontamente publicado por aqui, chega agora a altura de mergulhar ainda mais a fundo nos conceitos que estão na base deste Proezas, através da entrevista ao músico que tem feito escola em grupos como HMB, Pimenta Caseira ou Groove Quartet.



O caminho até Proezas foi desvendado com várias canções. O álbum já estava pronto na totalidade quando esse processo começou ou foi sendo feito em paralelo com esse caminho, em que foram mostrando os vários temas?

Pela primeira vez na vida consegui ter a obra toda feita antes de a começar a lançar. O disco estava todo gravado, misturado e masterizado, e até já tinha mais videos feitos quando lancei o “ Não Pára”, que foi o primeiro single. Já fiz muitos discos em que o conceito visual ou as canções vão surgindo à medida que as vamos apresentando ao público. Não queria fazer isso com o meu disco, queria as peças todas do meu lado e ir lançando ao meu ritmo. O processo de lançamento já decorre há um ano porque queria mesmo dar a hipótese ao público de me ir ouvindo e conhecendo. Le lançasse um single e o álbum a seguir, ninguém ia ter uma noção concreta da obra, principalmente numa época em que o consumo de música é tão fugaz. Ter este disco pronto, na época em que foi feito, atravessou a pandemia e o regresso à normalidade, e dadas as circunstancias em que foi feito, só podia mesmo chamar-se Proezas.

Há-de haver uma razão para o Fred de sempre ter decidido começar a assinar B.E.R.A, exactamente há um ano, quando saiu o “Não Pára”. Podes falar-nos um pouco sobre isso?

Quando a vida te dá limões faz limonada, certo ? Os clichés são clichés por algum motivo, porque representam a verdade. Eu vi-me metido numa situação má, algures em 2019, uma situação que afectou a minha vida pessoal e poderia ter descarrilado em algo catastrófico. O tempo e a vida permitiram que assim não fosse, mas desse episódio mau, em que percebi que não era tão bom quanto pensava, surgiu-me o nome B.E.R.A. Estava num situação bera e porque tinha sido bera… Mas se tens a fama mais vale ter o proveito, então comecei a escrever canções dessa perspectiva, de quem não tem nada a perder, sem vergonhas, sem medo de julgamentos, de uma forma livre, frontal, muitas vezes sensual ou sexual. Acredito que já há muito tempo que este personagem habitava em mim, que na verdade é grande parte do que sou, e soltá-lo ajudou-me a encontrar mais um forma de expressão. Confesso que quando comecei a ver-me nos videos houve um momento de desconforto, por ainda não estar habituado a ver-me assim, mas neste momento estou bem confortável na pele de B.E.R.A – Bravo Errante Robusto Amante.

Como descreves o tipo de som que exploras com esta nova identidade e de que forma é que esse som se encaixa ou desencaixa nos universos que já exploras com HMB e Pimenta Caseira?

Na verdade, o som de B.E.R.A é uma continuação do que já vinha a fazer até aqui. Apenas acrescentei a descoberta da minha voz e da minha caneta, porque o som é a continuidade da minha curiosidade, descoberta, amor e devoção à música negra, com fundações fortes em r&b, funk, hip hop. Noto alguma sensibilidade mais pop na canção “Mais Uma Vez“, que é uma das minhas favoritas, mas por exemplo na “Nossa Canção”, que tem um beat meio trap — ou melhor diria “trap&b” — do Yanagui, ao qual eu acrescentei o meu flow. Antes de tudo sou guitarrista e penso dessa maneira, por isso muito das minhas frase vocais são reinterpretações das minhas frases guitarrísticas. Nesta canção acho que se sente mesmo a guitarra na minha voz. O “Não Pára” diria que é um ode à minha maior influência, que é D’Angelo, toda a atmosfera da faixa é inspirada no álbum Voodoo, mas no “Lentamente” já vou para a west coast e rocko um G-Funk á lá Lisboa .

Outra das minhas grandes inspirações para este disco é a cidade de Lisboa, onde vivo, onde toco regularmente e que tem este imaginário B.E.R.A vincado no seu DNA. A rua cor-de-rosa e os seu personagens entregues ao vício e à sua verdade, o facto da minha avó ser da Mouraria e eu ter sido criado em grande parte lá e de conviver a vida toda com estes personagens, manifestou-se agora em mim de uma forma artística. O disco acaba com uma espécie de blues, a canção chama-se “Qt + Me Bates” e o refrão diz “Mais Eu Te Amo“. É escrito da perspetiva do homem que espera enquanto a sua dama anda na vadiagem pelas ruas do cais, mas ele, homem sem glória, diz que fica… “Quanto mais me bates, mais eu te amo”.

O Yanagui – que também faz parte de Pimenta Caseira – é cúmplice próximo em Proezas, certo? Podes descrever a vossa relação criativa e de trabalho?

O Yanagui conheci-o cerca de 2009, como Gui Salgueiro, filho do mestre baterista Zé Salgueiro, que tinha um estúdio onde gravei o primeiro disco de Groove Quartet, uma banda de jazz-funk instrumental que tinha e que deixou um legado grande, principalmente nas novas gerações de músicos dessa altura. O Gui era um miúdo que vinha aos nossos concertos e que claramente vibrava com o que fazíamos e, muito influenciado pelo nosso, som começou a tocar. Rapidamente se afirmou como um grande talento e, para ai em 2014, eu já estava a começar Pimenta Caseira, estava à procura desse som, convidei o Gui para entrar e foi ai que começou a nossa relação criativa e de cumplicidade musical.

É das pessoas com que tenho mais facilidade em trabalhar. As ideias fluem sem grande atrito, temos muita linguagem em comum, mas ele neste momento é tipo o meu dealer de novas tendências e novos artistas. Já partilhou comigo várias cenas que vieram ser super-influentes no meu percurso. As primeiras sessões das canções que vieram a fazer parte deste disco foram com ele. Acho que o primeiro som que fizemos juntos foi o “Lentamente“ e o solo de guitarra que ficou no disco foi desse primeiro dia. O Yanagui é um dos maiores talentos que conheço no panorama nacional, é uma sorte ser um do meus parceiros no “crime“. Um dos mais recentes “crimes” é a criação da RnC Records, editora independente por onde estamos a editar o nosso material e, em breve, de outros artistas que partilham o mesmo DNA musical.

Sinto que gente como tu, o Yanagui e outros artistas fazem parte de uma nova geração que tem vindo a descomplexar a música, uma geração que não tem problemas em dançar, em criar música que é essencialmente lúdica, mas que também não teme expor sentimentos, fragilidades… Sentes-te integrado numa família musical mais vasta ou vês-te mais como viajante solitário neste caminho do groove?

O caminho não tem sido fácil, mas tem sido frutífero e saboroso, felizmente não tem sido solitário porque tenho tido parceiros para a viagem, seja com HMB, Pimenta, Groove Quartet. Encontrei sempre várias famílias para fazer a viagem. Neste momento estou a assinar a solo, mas continuo a ter vários amigos e músicos que fazem parte do processo e outros novos virão, certamente. Mas reconheço que tenho dedicado a minha vida a todas às ramificações da música negra. Há quem diga eu sou Bollycao — branco por fora, preto por dentro… Mas não é uma escolha que tenha feito, é mesmo algo que sou e se não fizer música, sinto-me fisicamente mal. Na verdade, o processo para a criação deste disco e deste B.E.R.A não foi algo que eu tenha pensado que queria começar, foi algo que apenas começou, agora é o meu dever levar até ao fim.

Consegues descrever o fã ou a fã típica de B.E.R.A? Como descreves o teu público?

Ainda não sei bem responder. As únicas vezes que estive em palco frente a frente com público como B.E.R.A foi a abrir os concertos do New Max, com o disco Phalasolo, no Capitólio de Lisboa e no Hard Club do Porto. Apesar de acreditar que há muita intercepção com o público do New Max, sei que não era o meu. Acho que, demograficamente, é algures entre os 20 e 45 anos, com ouvido que procura algo fora da batuta da actualidade, que goste de sentir a componente orgânica da música e a beleza da imperfeição, que goste de ouvir músicos a improvisar. Alguém disposto a fazer uma viagem… Acho que B.E.R.A não é para todos.

Podemos falar de referências? Escuto por aqui o balanço do sehor Paak e dos seus multiplos projectos, mas tambem coisas do lado mais moderno do r&b, do The Weeknd por exemplo. Quem é que nunca abandona a tua playlist pessoal?

Sem dúvida que Anderson .Paak é um artista super influente, acima de tudo pela sua capacidade de não se levar demasiado a sério e pela abrangência do seu repertório, é capaz de falar da cena mais vulnerável e madura, como por exemplo a canção “Make It Better” com o Smokey Robinson, que é uma canção sobre manter uma relação longa viva, e a canção “Come Down”, sobre estar high, ou a canção “YUU”, com o Busta Rhymes, ou do projecto Silk Sonic, com o Bruno Mars, claramente inspirado pelo Rat Pack de Frank Sinatra, Sammy Davis Jr. e Dean Martin. Adoro essa flexibilidade artistica. The Weeknd, por acaso, não rola na minha playlist. O que rola bastante ultimamente é Lucky Daye, DOMi & JD BECK. O que nunca sai é D’Angelo, Erykah Badu, BJ The Chicago Kid, Marc Rebillet, Thundercat, Kendrick Lamar – principalmente o disco To Pimp a Butterfly.

O Gaspar Varela aparece na “Mais Uma Vez”, talvez uma das faixas mais originais do álbum. Como aconteceu essa colaboração?

Pandemia. Foi durante a pandemia. Cada um na sua casa, na época dos lives. Syncamos, enviei a faixa e ele gravou as linhas de guitarra. Feito! Um processo simples para aquela que é, talvez, a minha canção favorita do disco e, talvez, a mais vulnerável que já escrevi. Na altura, era uma história projectada, imaginada. A vida, mais uma vez, veio surpreender-me e essa música acabou por se tornar quase biográfica — acabou por me ajudar muito, também. Espero que mais pessoas se possam ligar a ela.

Que outros convidados passam por este Proezas?

A canção “Lentamente” conta com a mística e poderosa Raissa, que é uma das maiores promessas do pais — foi o seu primeiro registo em disco, um honra. O Moisés Fernandes, no trompete, grande músico de jazz e amigo de longa data, que gravou para o “Não Pára”. Jocélio Cardoso, na guitarra do “Proezas”. O Célio é primo do Joel Xavier, baixista dos HMB, e é um a talento a tocar guitarra. Deixou umas linhas incríveis no fim da música. No video que vai sair mais no fim do mês, estou eu a tocar as linhas na guitarra, mas não se enganem, essas guitarras são do Célio. O Yanagui gravou muito dos teclados do disco. O resto sou eu.

Como é que este disco se vai resolver em palco? Quem vais ter ao lado?

Nestes dois concertos que fiz, a opção foi fazer em duo com o Yanagui. O conceito é LPP — live production & performance — em que temos uma loop station que recebe a minha guitarra, baixo, talkbox e os sintetizadores do Gui. Em algumas das faixas vamos construindo as canções de raiz, outras disparamos loops e gravamos em cima. O Yanagui também dispara alguns one shots de backing vocals meus. Toda a vida toquei em formato de banda e adoro o risco e a possibilidade dinâmica de uma banda. Neste formato a sensação é a mesma, porque estamos os dois a fazer música na hora, mas a possibilidade de loopar e trabalhar os sons numa vertente mais electrónica dá-me muita pica. Mas isto é para já. Certamente irei fazer concertos com banda em palco.


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