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Texto: Paulo Pena
Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 18/09/2023

A estreia em nome próprio.

Azart no Musicbox: crónica de um karma (há muito) anunciado

Texto: Paulo Pena
Fotografia: Cláudio Ivan Fernandes
Publicado a: 18/09/2023

E se Freddie Mercury trocasse o Estádio de Wembley pelo Musicbox para a derradeira despedida? A hipótese revelar-se-ia logicamente impossível a várias dimensões, mas há que fechar os olhos por uns segundos e ouvir para crer. E poderá estar aí a explicação para tão pobre sinal de rede que nos separa do mundo lá fora na cave escavada ao 24 da Nova do Carvalho: talvez seja este um portal do tempo que, designadamente sábado passado, 16 de Setembro, nos reservou uma viagem a 1985 por breves instantes, para ver Sebastião Bulsara numa espécie de Live Aid a coordenar um ultra-obediente e irrepreensível coro de vozes rendidas aos encantos do cantor luso-zanzibarita.

Só assim se compreende uma estreia de tamanha significância e tão auspiciosa. Já vimos concertos mais do que suficientes nesta casa — do underground nacional mais circunspecto a nomes norte-americanos verdadeiramente sonantes — para perceber que, em qualquer dos cenários, não é normal testemunhar uma actuação em que, do princípio dos princípios até à última palavra, a sala cante em uníssono — e, muitas das vezes, como se, neste espaço alheio às leis da física, não houvesse amanhã.

Feitas as contas, foram 16 faixas (mais uma) para decorar de uma ponta à outra até ao concerto de apresentação de Foco, primeiro álbum de estúdio de Azart. “20.000 Maneiras”, “On & On” e “Mão D’Obra” contaram com a presença activa de Tilt, N.Drew e Danny The Dawg, respectivamente. “Nós” e “Sol a Sol” mereceram um bis à guitarra eléctrica, tocada por D’Garcia. E “Karma” foi a canção bónus, inédita para uma boa maioria, mas já conhecida de quem presenciou algumas das poucas actuações preliminares a este primeiro concerto do rapper de Lisboa em nome próprio. 

Apesar da prestação louvável de uma plateia (maioritariamente composta por família e amigos, mas já com uma boa fatia de fãs confessos da sua música) totalmente entregue ao actor principal, também ele, autêntico galã de palco, se mostrou infalível no papel que lhe competia. Sem surpresa nessa matéria, porém. Já o tínhamos visto cantar o seu longa-duração de estreia de uma ponta à outra (umas quatro ou cinco vezes de seguida, aliás) na espécie de listening party (onde haviam estado, pois claro, muitas das caras que nesta noite se voltaram a ver) que promoveu por ocasião da edição do seu disco, produzido pela sua Clutch Gang Records e lançado pela Sony Music Entertainment Portugal. Mas a confiança redobrada com que normalmente — e nesse dia em particular — se apresenta viu-se contrabalançada, primeiro, por um nervoso miudinho saudável e, logo a seguir, por uma incontrolável comoção capaz de desarmar de imediato até os mais desavergonhados nestas lides. “De um puto com a mania a um homem que não acredita em si” ganhou, por isso, uma força maior quando nos olhos de quem o cantava passavam em revista anos e anos de sonhos por cumprir. E agora que os começa a cumprir efectivamente, mesmo que eles ainda estejam realmente a começar, há já uma concretização, ainda incrédula, de quem conseguiu chegar onde sempre quis estar.

Agora, a grande questão é quem acredita mais em quem: se o público que esgotou a emblemática sala de espectáculos para ver aquele que considera ser um prodígio de capacidades ímpares, se o protagonista em causa própria, cujo reportório versa, em grande medida, precisamente sobre o valor dessas capacidades até então por se verem (ou descobrirem) reconhecidas. Bastou mostrá-las a uma escala maior e com uma proposta bem mais sólida para que não houvesse dúvidas do que há quase uma década já se adivinhava. E daqui para a frente arrisca-se a ser condenado ao sucesso, julgado em praça pública pelas suas flagrantes qualidades, fadado a vingar da própria sina que foi escrevendo ao longo dos anos. Nesta história, foi Santiago “Nazart” o primeiro a prever o desfecho inadiável no qual, por esta altura, todos parecem acreditar.


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