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Fotografia: Thomas Burkhalter
Publicado a: 11/12/2021

Captar, captar e captar.

Aprender a ouvir com KMRU

Fotografia: Thomas Burkhalter
Publicado a: 11/12/2021

Quando associamos música ao continente africano – que por si só tem muito que se lhe diga, tendo em conta estarmos a falar de um continente inteiro –, o que nos vem à cabeça pode-se resumir numa só palavra: ritmo. Energético, rápido, contagiante, que nos hipnotiza e nos faz dançar durante horas, que pode ter a aura mais feliz e festiva ou a mais sombria. Pensamos nos ritmos rápidos da Nyege Nyege, no espírito revolucionário do afrobeat de Fela Kuti, na subversividade transformada em alegria do funaná. Mas, apesar de ser esse o símbolo identitário do continente – se é que é possível ter somente um –, KMRU mostra-nos que nem tudo tem de ser assim.

Natural de Nairobi, no Quénia, Joseph Kamaru recebeu o nome do seu avô, uma lenda da música queniana e um herói na luta activista. Foi dele que KMRU herdou a importância da autenticidade e da honestidade na sua arte, que mais tarde se viria a reflectir numa procura intensa pelo seu próprio som, utilizando especialmente field recordings como instrumento de trabalho. O artista queniano tem ainda a responsabilidade de curar o arquivo do avô, que se encontra disponível no Bandcamp. 

O seu interesse pelo som do espaço em que está envolvido cresceu quando saiu de casa – localizada numa cidade extremamente ruidosa – e foi juntamente com a sua família viver para Rongai, que se situava perto de um parque natural e distante de grandes metrópoles. Lá teve finalmente espaço para ouvir cada elemento que o rodeia em separado e criou-se assim uma enorme curiosidade pela transformação desses mesmo sons, tanto pela memória que trazem como pela relação que estes têm com o que está à sua volta. 

Mais que um músico, KMRU considera-se um sound artist e vive na constante exploração desses elementos: vê nos seus field recordings potenciais narrativas que podem fazer parte de uma obra, a criação de uma backstory e uma forma de preservar memória O processo criativo vai à definição fundamental de experimentalismo, partindo sempre do 0 para o desconhecido e embracing what happens, tendo como recursos a sua vasta galeria de sons e alguns sintetizadores e moduladores. 



Em 2020 mudou-se para Berlim, onde está a fazer um mestrado em Estudos Sonoros e Artes Sónicas na Universität der Künste Berlin. Esta mudança fez com que a paisagem sonora mudasse completamente, o que o fez questionar como seria a sua arte daqui para a frente, permitindo-lhe explorar ruídos que em Nairobi eram inexistentes, mas perdendo alguma essência natural da cidade queniana. Neste momento está a trabalhar numa peça sobre poluição, que será apresentada num museu no futuro.

Em ano de mudança para a Europa, Peel foi o álbum que o catapultou para um patamar superior no panorama ambient e experimental, apesar de em 2018 já ter sido mencionado pela Resident Advisor como um dos 15 artistas da zona Este de África que precisávamos de ouvir. Desde lá lançou Jar, Logue e, mais recentemente, fez parte do projecto Place: Nairobi.

Ao contrário do que esperamos de alguém que já tocou no festival Nyege Nyege, na música de KMRU encontramos espaço e muita paciência. Um caminho longo e progressivo que é feito ao seu próprio ritmo enquanto vê toda a gente ultrapassá-lo, sem que isso importe. Ele ensina-nos a contemplar a viagem ao invés de pensar só na chegada, os pequenos detalhes que repetições nos oferecem e as pequenas variações que nelas existem. Em KMRU tudo é sobre os detalhes e sobre contemplá-los não só em relação ao que os rodeia, mas também como unidade única passível de apreciação. É sobre gostar do diálogo que existe entre criador e o que cria, e o quão longe isso os pode levar.

Este domingo, dia 12 de Dezembro, KMRU junta-se ao português Polido no MAAT através do programa Diálogos e, em conjunto, apresentam “uma coreografia aquática exacta, salpicada pelos arredores de animadas modulações cosmopolitas“, focada na exploração dos sons do Tejo. 


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