LP / CD / Digital

Anderson .Paak

Oxnard

Aftermath / 2018

Texto de Miguel Santos

Publicado a: 17/12/2018

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Noutro dia estava a falar com um amigo e, a certa altura, ele perguntou-me: “o Anderson .Paak é o quê?” Queria saber o género, associar o artista a alguma das palavras que usamos uns com os outros para conversarmos sobre música, em que caixa se encaixava a sonoridade que o nativo de Oxnard, Califórnia, fazia. Ele perguntava porque a versatilidade de Brandon Paak Anderson é capaz de confundir quem o ouve pela primeira vez. E essa confusão deve-se muito à excelente interpretação vocal do artista, alternando entre géneros como r&b, soul e hip hop com uma facilidade invejável e um grande alcance sonoro.

O cantor norte-americano conhece bem a sua voz e explora os limites da flexibilidade de que a mesma dispõe. Em Malibu, o seu segundo álbum como Anderson .Paak e o seu primeiro grande passo na indústria, tanto o podemos ouvir a cantar com uma suave rouquidão em temas como “Heart Don’t Stand a Chance”, “The Bird” ou “Silicon Valley” ou a disparar barras assertivas em “The Waters” ou “Room in Here”. Há uma pluralidade instrumental e uma panóplia de batidas vivas e orgânicas que contam muitas vezes com .Paak nos deveres de baterista. Isso é aliado a letras biográficas que contam uma história de vida por vezes complicada e que entra agora no seu capítulo mais triunfante. No entanto, Malibu soa inchado, detentor de um conjunto de músicas pouco diverso em que nem todas justificam a inclusão no projecto.

Contrariamente, Oxnard, o álbum lançado este ano, aposta numa tracklist mais pequena em que se nota uma maturação face ao álbum anterior. O conceito é reduzido ao que é absolutamente essencial e transparece uma direcção mais focada, o que resulta num projecto mais refinado. “The Chase” abre o álbum com um funk muito expressivo e transporta-nos directamente para um filme de blaxploitation com a sua flauta agitada e batida tensa. O break que se ouve depois da primeira estrofe é magnífico, e mostra uma maior complexidade na produção musical. É um início quente e muito melódico para Oxnard em que .Paak fala sobre a perseguição por vezes ingrata de uma vida plena e confortável.

Ao longo do projecto ouve-se uma confiança renovada da parte do protagonista. “Who R U?” mostra .Paak como um artista acima de todas as falsidades, desprezando aqueles que acusa de não serem criativos, auxiliado por um instrumental ameaçador e um “Man, who the fuck is this?” lançado com desprezo venenoso por Dr. Dre, um veterano do hip hop que, além de ser produtor executivo de Oxnard, também produz o beat. “Mansa Musa” volta a recrutar Dr. Dre para um tema opulento que equipara .Paak a Mansa Musa, figura histórica que foi literalmente podre de rica. Os sopros são uma bela adição depois do flow disparado de .Paak a terminar a segunda estrofe.



O álbum é também uma homenagem à terra nativa do artista e nenhuma música reflecte mais isso que “Anywhere”. Snoop Dogg dá uma mãozinha num tema que lembra o g-funk dos anos 90 e em que .Paak e o convidado se desdobram em nostalgia de outros tempos e outras realidades musicais. Mas esta homenagem passa também por apelar a uma consciência social, exemplificada por “6 Summers”, uma das melhores canções do álbum. É uma faixa em que transparece a teatralidade de .Paak, transitando de uma parte mais tensa para outra mais suave e pensativa sem macular. Começa assertiva e depois torna-se mais humana, apelando à união com vários versos dirigidos a Donald Trump:

“Niggas is dyin’ like lost files in the shuffle
We know you lyin’, my nigga, naw, we don’t trust you
We know you buy to sell it back to the public
‘Cause there’s money to be made in a killin’ spree
That’s why he tryna start a war on the Twitter feed”

No entanto, a música de .Paak é verdadeiramente efectiva quando as atenções estão viradas para ele. “Tints” é uma música que convida a uma análise metafórica sobre o que queremos esconder do mundo, com um verso discreto de Kendrick Lamar e uma batida harmoniosa e impossível de ouvir parado. E em “Brother’s Keeper” ouvimos .Paak falar sobre o que é ser uma âncora para outros, auxiliado por uma estrofe competente de  Pusha T (“Still an underground king, but the money’s Jason Derulo”). O outro de guitarra envolta em reverb que termina a música é contemplativo, profundo e sincero, e demonstra que .Paak não esquece as suas próprias inseguranças e mudanças. Nunca deixa de ser humano aos olhos dos seus ouvintes, e essa é das suas características mais cativantes.

“Cheers” conclui Oxnard com uma ambição já conhecida de .Paak mostrando que está com fome de triunfos, pronto para o próximo passo, seja ele qual for — “They ask me where I’m going from here/ Shit, anywhere long as the runway is clear” — e honrando aqueles que partiram. A música é um tributo a Mac Miller, rapper que faleceu este ano e que deixou saudade naqueles que o conheciam. É uma maneira gloriosa de terminar o álbum que confunde ainda mais a origem da música deste artista. Depois de Oxnard, sei cada vez menos o que é Anderson .Paak (desculpa, Pedro!). Mas é cada vez mais um prazer ouvi-lo.


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