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Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 15/04/2024

Felizes dentro deste quadrado.

Ana Lua Caiano no B.Leza: a consolidação de um som e de uma carreira

Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 15/04/2024

O B.Leza encheu na passada quinta-feira, 11 de Abril, até às costuras, mas, ainda assim, mostrou-se pequeno para a singular grandeza da música e poesia de Ana Lua Caiano, que ali decidiu voltar, agora para apresentar o seu primeiro álbum de originais, Vou Ficar Neste Quadrado. E foi no topo daquele palco baixo que a artista se apresentou sozinha, mas rodeada de instrumentos tradicionais portugueses e máquinas digitais. O resultado foi um concerto intenso e uma excursão ao seu processo criativo e respectiva execução ao vivo.

O terceiro projeto da cantora e multi-instrumentista sucede a Cheguei Tarde a Ontem (2022) e Se Dançar É Só Depois (2023) e chega-nos no auge de popularidade da artista que foi, entretanto, colecionando êxitos como “Sai da Frente, Vou Passar”, “Adormeço Sem Dizer Para Onde Vou” ou “Mão na Mão”. “Estou muito contente por estar aqui, até porque apresentei no B.Leza o meu primeiro disco e o espaço estava bastante mais vazio. É muito especial voltar aqui”, explicou-nos ao abrir o concerto antes de anunciar: “Vou cantar muitas músicas novas, e algumas antigas também, mas vou sobretudo apresentar o meu novo projeto”.

E assim foi. A sós em palco, utiliza um looper para, em poucos segundos, compor a harmonia dos seus temas, camada a camada, acrescentando teclas, percussões digitais, bombo, pandeireta ou harmonias vocais, entre outros instrumentos. Depois, e com recurso a outra máquina, a artista dispara os sons numa técnica muito próxima daquela que é utilizada na prática do hip hop através da samplagem.

Talvez pelo estilo de produção que utiliza, e que tentou ao máximo recriar nesta atuação, a sua arte mistura na parte vocal influências da canção tradicional portuguesa, enquanto os instrumentais alcançam os BPMs de outros estilos musicais. Tanto que o resultado é, em muitos casos, uma batida simples e despida que ganha vida com o uso harmónico da voz de Ana Lua Caiano.

Com as composições aparentemente minimais, torna-se fulcral a utilização das cordas vocais enquanto meio de transporte de uma mensagem — que é linda e elaborada —, mas também como instrumento da principal melodia de cada canção. A voz é, aliás, a parte central da música de Ana Lua Caiano, permitindo-lhe rumar a muitos outros universos sem nunca perder a singularidade ditada pelas referências à canção tradicional.

Parece-nos escusado dizer que toda a voz que ali ouvimos ao vivo, no B.Leza, nos soou tal e qual o que temos ouvido no álbum, sinal de que aquilo que alcança em estúdio não vem de “truques” ao nível da produção, mas sim de todo o seu talento natural. Entre os temas interpretados, destacamos “Ando Em Círculos”, uma das músicas do novo projeto que nos foi apresentada em versão acústica, acompanhada à pandeireta; e ainda “Se Dançar É Só Depois”, um dos êxitos maiores até agora na ainda curta carreira da artista portuguesa, que versa “sobre alguém que acorda com os pés no chão para ser mais fácil levantar”, explicou. Pelo caminho, foram sampladas e utilizadas algumas interações com o público. Foi esse o caso da interpretação da faixa-título do novo álbum, que ali utilizou o som do coordenado embate das solas dos espectadores no pavimento como percussão.

E não podíamos deixar de referir o competente trabalho na dinâmica parte visual que acompanhou o espetáculo ao vivo. Para além dos vários e diversificados backgrounds projetados na parede atrás de Ana Lua Caiano, tivemos a oportunidade de, no ponto alto da noite, assistir a uma transmissão em direto do POV da artista. Com vista direta para as máquinas e instrumentos que controlou, foi possível vê-la manuseá-los ao vivo para que todos pudéssemos atestar pessoalmente a genuinidade do espetáculo e, quiçá, quebrar alguma curiosidade ou exorcizar os demónios dos mais céticos em relação à falta de instrumentos ditos ‘tradicionais’. Através desta câmera pudemos identificar, pelo menos, um sintetizador, um teclado MIDI, um looper e vários instrumentos não eletrónicos como o adufe, a pandeireta e até uma melódica.

Tudo isto culmina num estilo que dificilmente encontra rival ou semelhante. Se a técnica que usa é comum aos géneros mais populares do momento, a abordagem que traz é singular ao misturar instrumentos tradicionais, mas sobretudo pelo espaço que deixa para a voz. É através dela que Ana Lua Caiano mais se distingue dos restantes artistas que ouvimos na rádio, com uma interpretação com margem para a teatralidade e cadências e melodias que sobreviveriam sozinhas, sem instrumentais, e nos lembram canções das nossas avós.

Como um círculo perfeito, o novo projeto une em simbiose a música tradicional popular portuguesa e as novas tendências possibilidades pelo mundo digital em que vivemos, procurando rodear tudo o que mais existe pelo meio desse vasto terreno.


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