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Texto: ReB Team
Fotografia: Joana Caiano
Publicado a: 18/05/2023

A romaria não pára.

Ana Lua Caiano: “As músicas são um bocado surreais, ainda que falem de assuntos muito concretos do quotidiano”

Texto: ReB Team
Fotografia: Joana Caiano
Publicado a: 18/05/2023

Por estes dias que correm, é improvável que consigam apanhar Ana Lua Caiano sem ser em cima de um palco. A atravessar um interessante momento numa ainda breve carreira a solo, a cantautora goza do privilegio de ser um dos nomes mais requisitados do panorama nacional, ainda para mais quando passaram apenas um par de semanas desde que soltou Se Dançar É Só Depois, o seu segundo EP que, à primeira vista, parece estar bem encaminhado para ser ainda mais bem sucedido do que o seu interessante antecessor, Cheguei Tarde A Ontem.

Os quase 12 mil ouvintes mensais que regista o seu perfil no Spotify são enganadores, tais são as enchentes de pessoas que se formam à sua frente de letras decoradas nas diversas salas do país onde coloca os pés. E não será por acaso que, no espaço de cinco meses, já tenhamos reportado três dos seus concertos (o mais recente foi na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa), muito provavelmente um recorde que um dia mais tarde constará no livro de memórias do Rimas e Batidas.

O seu som tão tradicional quanto moderno e as letras surreais que tornam assuntos banais em enredos complexos e divertidamente dramáticos parecem ter vindo para ficar. A estrada é toda dela e, só neste mês de Maio, seguem-se datas ao vivo no Maus Hábitos (Porto, dia 19), Sala Radar (Vigo, dia 20), Festival Imaterial (Évora, dia 21), Live Europe Music Fest (Praga, dia 25), Popular Inatel (Vale de Cambra, dia 26) e Bang Venue (Torres Vedras, dia 27). Imaginem só como será o seu Verão… Tocar é agora, dançar é só pra depois.

Em conversa com o ReB, a artista falou acerca do seu último trabalho, das várias experiências que tem acumulado nos palcos e daquele que será o seu álbum de estreia, que por mais incrível que pareça não está assim tão distante de ser ver editado.



Estreaste-te nas edições há precisamente um ano, com o single “Nem Mal Me Queres”, e lançaste os teus primeiros dois EPs com apenas alguns meses de distância, sendo que até já te ouvimos dizer que também andas a preparar um álbum. Com tanta música pronta, a maior dos artistas se calhar apostaria logo num LP de dimensões arrojadas para um primeiro grande lançamento. O que te fez optar pelo formato de curta-duração? É uma questão de ir mantendo as pessoas sempre ligadas com novidades sucessivas ou prende-se mais com o lado conceptual?

A minha ideia inicial era precisamente fazer um álbum, com estes dois EPs. No fundo, o segundo EP é uma espécie de continuação do primeiro. Muitas músicas são, de facto, contemporâneas — foram feitas na mesma altura. Só que na altura decidi separar em dois EPs, em dois formatos mais pequenos, por uma questão de orçamento e também de trabalho. Porque a exigência de fazer um álbum, a nível mental e de tempo, é mesmo muito grande. Achei que era demasiado intenso para mim, começar logo com um formato tão grande e tão difícil, a meu ver. Portanto decidi separar, fazer dois formatos diferentes. E a separação permitiu que este segundo EP ficasse mais maturado e tivesse mais tempo para fazer as músicas. Também beneficiou desta distância.

Há neste momento todo um burburinho em torno daquilo que tens andado a fazer. Achas que isso é apenas uma ideia obtida por quem está de fora, ou é algo que tu própria também sentes? Como é estar na pele da Ana Lua Caiano dentro actual cenário da música portuguesa? O teu telefone toca muitas vezes com convites para novos eventos ou projectos?

Esse burburinho não é uma coisa que eu sinta muito, porque no meu dia-a-dia continuo a trabalhar… Como disseram há bocado, eu agora estou a trabalhar num álbum. Tenho-me concentrado nestas coisas. E como eu já sei de muitos dos concertos que vou fazer há muito tempo, para mim também já se tornou mais natural. Eu já me fui familiarizando com esta ideia de que este ano ia estar bastante preenchido em termos de concertos. Tem sido… Eu também gosto de me isolar um bocadinho. Apesar de estar nas redes sociais a partilhar coisas constantemente, gosto de dar um afastamento para me permitir, também, trabalhar nas minhas coisas sem me distrair com o que se diz ou o que se pode dizer.

Editaste recentemente o Se Dançar É Só Depois. Como é que encaras os elementos novos no teu segundo EP em relação ao anterior? Que coisas é que aprendeste que te vão acompanhar ao longo do teu percurso daqui em diante?

Sim, editei há pouco tempo o EP Se Dançar É Só Depois, no dia 5 de Maio. Sinto que o que mudou, em relação ao primeiro, é que há muitos temas que fogem um bocadinho ao formato habitual de canção, em termos de estrutura. Sinto também que há canções mais experimentais, em que não tive tanto medo de fazer coisas novas. O que eu aprendi com este EP foi o não ter medo de experimentar, de estar mais à vontade para fazer novas coisas. Acho que isso também é uma coisa que aparece naturalmente. Eu só consigo experimentar mais porque fiz aquele primeiro EP. Se calhar, o álbum vai ser ainda mais experimental. Não sei bem como é que vai ser, mas acho que aprendo sempre com a coisa anterior. Acho que todos os passos foram importantes para chegar onde estou agora, em termos musicais.

Tal como o primeiro, este EP sai também pela Chinfrim Discos. Como é que se deu a tua ligação à editora? Já acompanhavas o trabalho que eles vinham a desenvolver com outros artistas?

Quando contactei a editora, mesmo no início de 2021, contactei-os porque eles tinham assim um leque muito variado de artistas, ao contrário de algumas editoras que, às vezes, são mais focadas em música rock, em música indie ou música pop. Achei que eles eram interessantes precisamente por terem artistas na onda da música mais tradicional, outros de uma onda completamente alternativa e electrónica. Achei que poderia encaixar por ter várias vertentes daquilo que eles representavam. E pronto, isso atraiu-me para a editora. Comecei a gostar muito de trabalhar com eles. É com eles que, muitas vezes, finalizo as produções. As produções, inicialmente, sou eu que faço. Mas por vezes, em algumas músicas — por uma questão de poder ser demasiado intenso estar a trabalhar na mesma coisa e no final da música já não sei o que é que posso acrescentar —, recorro ao pessoal da Chinfrim para me ajudar a terminar ou a ter outra visão. Há outras em que consigo ter um distanciamento de as fazer, mas muitas vezes eles são parceiros nessa parte de co-produção, numa fase mais final da música. Gravo também as vozes com eles. Portanto, gosto muito de trabalhar com eles, também em termos musicais, de ter opiniões. Confio bastante na opinião deles. Tem sido muito bom trabalhar com eles.

Uma coisa muito particular na tua arte é o complemento visual com que te mostras, acima de tudo através dos videoclipes. O que é que procuras transmitir com essas tuas peças audiovisuais tão únicas e de que forma é que elas se interligam com a música que fazes e a mensagem que tentas passar?

Assim como as minhas músicas não são muito directas naquilo que querem transmitir… No sentido em que procuro fazer algumas metáforas, ou tento dizer coisas de maneiras não óbvias, para mim — tento perceber como é que consigo dizer algo da forma menos óbvia possível. As músicas acabam por ser um bocado surreais, ainda que falem de assuntos muito concretos do quotidiano. Sinto que os videoclipes, depois, transmitem também esse universo, um bocado surrealista, com uma outra perspectiva das músicas que, se calhar, não é a perspectiva inicial que uma pessoa tem acerca daquilo que ouve. É tentar dar um outro lado ou uma outra visão da música, de uma perspectiva surrealista em termos visuais. Para mim, é muito importante esta imagem visual forte, com cores fortes, cenas surrealistas. Está muito ligado à música.

Ainda não recebeste qualquer convidado num tema teu e julgo que a única colaboração tua com que já nos deparámos é a “Lobo Rouco“, com a Rossana. Têm existido desenvolvimentos nos bastidores para a coisa se alterar nesse capítulo? Há já algo que andes a preparar nesse sentido?

A “Lobo Rouco” foi, realmente, a única canção que fiz em colaboração. Mas já há muitas colaborações a acontecerem nos bastidores que, para já, não posso revelar. Tenho tido esta vontade e necessidade de juntar mundos que não se juntariam. Tocar e fazer músicas sozinha é muito bom, gosto muito, mas é também muito interessante e bonito juntar universos musicais diferentes. Portanto é algo que quero e que estou a fazer em paralelo às outras coisas. Em breve irei certamente ter novidades.



Já levaste o teu novo EP a três palcos distintos. Como têm corrido essas apresentações ao nível da recepção do público e do clima que se cria nessas salas?

Tem sido uma recepção super-boa. Tenho percebido que do outro lado há mesmo pessoas a ouvirem as músicas e as pessoas vão ao concerto para ouvir essas músicas. Para mim é super-gratificante. No meu dia-a-dia não é algo que eu perceba, que existem de facto pessoas a ouvirem as músicas. Ver a reacção das pessoas, vê-las cantar as letras, deixa-me muito, muito contente. Têm sido concertos espectaculares, em que tenho sido muito bem recebida, em que as pessoas dançam, cantam. Tem sido incrível e quero continuar a apresentar este EP.

Este teu novo projecto é mais vivaço, com outro tipo de elementos a circundar a tua voz. A atmosfera especialmente sombria de “Casa Abandonada”, aquele glitch vocal em “Vou Abaixo, Volto Acima”, o interlúdio instrumental paranóico de “Dói-me a Cabeça e o Juízo”… Como é que tem sido a experiência de adaptar as músicas deste novo trabalho para uma actuação ao vivo? E já te sentes como peixe dentro de água a interpretar esse material?

Sim, existem temas assim, com outra vibração, talvez com outro experimentalismo, com outro tipo de elementos que não existiam no primeiro EP. Adaptar as músicas para tocar ao vivo é sempre um desafio gigante, mas sinto que já estou um bocadinho mais habituada a isso. Antes eu demorava muito mais tempo a chegar a um formato de canção ao vivo, era muito mais difícil para mim. Agora, como já sei as estratégias que posso utilizar, já conheço muito melhor a máquina de loops e sei o que consigo fazer e o que não consigo fazer. Torna-se mais fácil essa adaptação. Há músicas que, pronto… Por exemplo, a “Vou Abaixo, Volto Acima”, também utilizo um glitch vocal de forma diferente no palco, através de samples que eu tenho. As músicas ficam sempre um bocado diferentes, mas tento manter um bocado da essência delas quando as toco ao vivo.

Tens mostrado ao vivo o tema “Vou Ficar Neste Quadrado”, que disseste que irá pertencer ao teu futuro álbum de estreia. Que urgência encontras nesta canção, ao ponto de fazeres questão de a levar contigo na estrada mesmo ainda antes dela ser editada? E falando na edição, já tens alguma data em mente para fazer isso acontecer?

Esta música é das músicas que toco há mais tempo. Gosto de, em palco, tocar tanto as músicas mais agitadas e animadas, mas por outro lado também gosto de ter momentos de mais calma. Sinto que esta música, apesar da versão gravada não ser assim tão calma, é uma óptima música porque resulta, para mim, num formato mais calmo e tranquilo. Essa é uma das razões pelas quais eu comecei a tocá-la logo no início. Agora, como começo a ter muito mais repertório, começo a pôr as músicas do segundo EP e a retirar outras que tocava. Mas sinto que esta se mantém relevante e é importante, para mim, tocá-la. Foi uma música que fiz durante a pandemia, também — fiz muitas músicas durante a pandemia [risos]. Foi uma maneira de lidar com a solidão, com todas as problemáticas que existiram durante essa altura. Em relação à edição do álbum, será mesmo no final deste ano ou mesmo no início do próximo ano. Será muito em breve. Já estou a gravar vozes, já estou a finalizar produções de algumas músicas.

Gostámos muito de te ver tocar com o Fred e achámos que ele trouxe uma energia diferente à tua actuação e complementou o teu espectáculo muito bem. Como é que surgiu essa oportunidade? E será algo que vais conseguir replicar noutras das tuas futuras datas?

Foi uma oportunidade que surgiu. Eu já conhecia o trabalho do Fred há muito tempo e, por acaso, ele convidou-me para tocar num concerto, numa data em que ele tinha de arranjar pessoas para tocar. Achei que era uma óptima oportunidade para o convidar para tocar comigo também. É sempre um privilégio poder ter alguém com um conhecimento incrível ao nível dos ritmos, do tempo de estrada, para me poder acompanhar. Fiquei super-contente por ele ter aceite este convite. Sinto que deu uma outra energia às músicas que toquei com ele. Foi mesmo um privilégio gigante tocar com ele e espero voltar a tocar com ele noutras alturas, noutro concertos, sempre que houver a oportunidade.

Com mais ou menos convidados, presume-se que o formato que está na essência do teu espectáculo se irá manter — o de “banda de uma mulher apenas.” Vês-te a continuar a coisa nestes moldes por muito mais tempo, ou já começaste a sonhar em ter mais alguém ao teu lado durante toda a performance ou, quem sabe, até mesmo uma banda?

Para já, estou a gostar imenso de tocar sozinha. Porque é um desafio gigante e eu sinto que, apesar de tudo, é uma forma que me ajuda a estar mais à vontade em palco, porque tenho tantas coisas para fazer. Portanto, para já, gosto desta coisa de ir chamando convidados. Porque cada convidado… Eu já tive a Margarida Campelo num concerto, o Fred. E cada convidado propõe e leva-me por um caminho completamente diferente. Isso tem sido uma forma engraçada de também colaborar com outros artistas. Para já, pretendo manter este formato a solo em palco. E quando for possível, ter alguns convidados.

O teu próximo concerto está marcado para o Maus Hábitos. Estás a preparar alguma coisa de diferente ou levas alguma surpresa na manga para o público do Porto?

Nunca fui ao Porto tocar com este projecto a solo. Eu adoro o Maus Hábitos. Já lá fui “N” vezes. Sempre que vou ao Porto, vou lá. Portanto vai ser uma alegria poder tocar lá, nessa cidade incrível onde nunca toquei, infelizmente. Vai ser um concerto em que vou mostrar as minhas músicas do primeiro e do segundo EP. Vou dar mais importância às do segundo EP. Vai ser um concerto com muita energia, com muitas músicas novas, que estão muito fresquinhas e que toquei muito poucas vezes. Vai ser um concerto mesmo muito especial, num local que eu acho mesmo muito incrível.


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