Um par de entrevistas e breves encontros prévios com Ambrose Akinmusire facilitaram o momento de maior intimidade pós-ensaio de som que serviu, sobretudo, para apresentações e para escutar (e aprender…). O trompetista norte-americano e os seus companheiros — o contrabaixista Harish Raghavan, o baterista Justin Brown e o pianista Sam Harris — são generosos conversadores e parece que a vida na estrada — que já leva muitos anos — estreitou laços de amizade, mas tudo isso, ainda assim, mantém-se, sobretudo, num plano profissional. Quando a conversa resvala para o cultivo de hortas em ambiente urbano, fica claro que ainda nenhum dos companheiros de Raghavan visitou a sua nova casa: “Mas tu tens uma horta?”, questionou o pianista, levando o também pequeno agricultor urbano a responder: “Claro. No telhado.” Testemunhar uma conversa mais nova-iorquina teria sido impossível.
Akinmusire veio para tocar no Auditório de Espinho – Academia e trouxe, ao contrário do que sucedeu o ano passado em Guimarães, quando veio pré-apresentar Honey From a Winter Stone, apenas a sua working band, tendo por isso mesmo abordado outro tipo de material, mais directamente ligado a On The Tender Spot of Every Calloused Moment, o seu último álbum para a Blue Note, lançado em 2020 e gravado exactamente com este quarteto. A relação do trompetista com estes músicos é, no entanto, ainda mais antiga e recua, no caso de Brown, até 2008, quando Ambrose se estreou com Prelude: to Cora. Gravou com Brown e Raghavan, pela primeira vez, no seu seu álbum seguinte, When The Heart Emerges Glistening, a sua estreia na Blue Note, com um quarteto, precisamente, mas em que o pianista era Gerald Clayton. Brown, Harris e Raghavan participaram todos no registo de 2014, The Imagined Savior Is Far Easier To Paint, mas integrados num ensemble de geometria variável e muito mais dilatado. A primeira vez que o quarteto que aplaudimos em Espinho foi documentado foi já em 2017, com um álbum gravado ao vivo no mítico Village Vanguard, A Rift in Decorum. Serve este preâmbulo para garantir que o que se presenciou no passado sábado, 24 de Maio, foi um quarteto com capacidades comunicacionais pronunciadas e afinadas por década e meia de encontros em diferentes contextos. Coisa bonita de se ver, claro.
Justin Brown é um baterista assombroso e embora o som geral do quarteto seja algo contido, seguindo a visão do líder, há brilho e expansão na forma como ataca o seu kit, espraiando-se em solos vistosos, mas decididamente elegantes. Sam Harris, por seu lado, é um pianista solidário, com um comping esquálido e certeiro quando algum dos companheiros sola, e dono de um discurso solista compenetrado, harmonicamente rico e inventivo quando atentamos aos detalhes. Já Harish Raghavan é uma espécie de mestre zen, um ninja capaz de subtis ataques que adicionam sempre algo ao conjunto.
Sobre tudo isto, Ambrose Akinmusire é um músico que exala felicidade, que não se cansa de pedir aplausos para os seus companheiros e que sola com parcimónia, soando como alguém curioso com o som que é capaz de conjurar com o seu trompete, fonte de frases melódicas de invariável espessura poética, mas com recorte modernista, ainda que se pressinta que o legado mais longínquo do bop esteja sempre por perto na sua imaginação, como uma fonte de onde se bebe inspiração — não sofregamente, só quando a sede aperta.
Mesmo com o encore a que a banda foi quase “obrigada” pela intensidade dos aplausos, o concerto soou breve, embora tenha ultrapassado largamente uma hora de duração. Sinal de que o tempo se contraiu, coisa que sucede quando nos estamos a divertir.