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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 23/04/2021

Londres ao Vivo.

Alfa Mist: Bring Backs sem rede, mas carregado de alma

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 23/04/2021

Sem dizer uma única palavra, Alfa Mist deixou ontem muito claro qual o seu pensamento sobre a “coisa” jazz presente. Numa apresentação ao vivo a partir dos estúdios londrinos Metropolis, numa emissão que teve como realizador Matt Page, o pianista, compositor e rapper passou em revista algum material de Bring Backs, o novo álbum que hoje mesmo edita, fez uma vénia à história e ancorou a sua visão numa sincopada versão de uma cultura – o hip hop – que aborda de um ponto de vista particular – o que o jazz lhe fornece.

Ao seu lado, Mist teve uma enorme banda, incluindo alguns dos músicos que o acompanharam em Maio de 2019 quando se apresentou no âmbito do festival Respira, em Braga: a fantástica baixista e vocalista Kaya Thomas-Dyke, o guitarrista Jamie Leeming e o trompetista/fliscornista (esta palavra existe?…) Johnny Woodham; mas a banda incluía ainda a incrível baterista Jas Kayser, uma jovem prodigiosa de apenas 24 anos que é a fundação desta banda, o percussionista Junior Alli Balogun e o saxofonista tenor e clarinetista baixo Samuel Rapley além de um quarteto de cordas com Peggy Nolan no violoncelo, Lucy Nolan na viola d’arco e Simmy Singh e Laura Senior nos violinos. Lex Amor deu voz a “Mind The Gap”.

Com um som cuidado, percebeu-se que esta apresentação ainda carece de mais rodagem, facto compreensível não apenas porque este é um álbum que acaba de ser lançado, mas também porque não há-de ser fácil orquestrar ensaios tendo em conta a presente situação de pandemia. Os olhares de “condução” de Mist, um par de subtis falhas de Johnny Woodham e o nervosismo na entrada de Kaya Thomas-Dyke quando pegou no microfone para interpretar “People” (momento em que Alfa Mist trocou o piano pelo baixo eléctrico) ou o acerto algo demorado no volume da voz de Lex Amor foram “glitches” mínimos numa apresentação que de resto correu sem mácula.

No alinhamento, além de peças do novo álbum como “Teki”, “Coasting”, “People”, “Attune”, Last Card” (em que se escutou a voz gravada de Hilary Thomas em modo declamatório), “Bumper Cars”, “Mind The Gap” e “Run Outs” (ou seja, a quase totalidade do alinhamento do álbum de que ficaram de fora apenas os temas “Once a Year” e “Organic Rust”) escutou-se ainda versão de “First Light”, clássico de 1971 do também trompetista e fliscornista Freddie Hubbard.

Uma nota para a fortíssima presença feminina neste espectáculo que, presume-se, replica também a equipa eleita para as sessões do álbum (ainda não foi possível conferir a ficha técnica e artística de Bring Backs): além da baterista e baixista e da totalidade da secção de cordas há ainda o relevante facto de Mist, ele mesmo um rapper, entregar no novo trabalho todas as despesas poéticas a vozes femininas, com destaque natural para a fantástica Lex Amor que já teve oportunidade de brilhar no A COLORS SHOW e que é uma MC de lirismo sério e fundo. Há, certamente, intenção nobre nesta escolha.

Concluindo: classe total na execução do material escolhido, com destaque para o pulso elegante e fluído de Jas Kayser, para a técnica precisa e ultra musical de Kaya Thomas-Dyke, para o poético cromatismo da secção de cordas e, pois claro, para o pianismo melancólico e introspectivo de Alfa Mist, quase sempre concentrado no registo médio do seu instrumento, espalhando notas nos arranjos como a fogueira que solta fagulhas no ar. Agora só falta mesmo que o álbum em vinil púrpura pré-encomendado em Janeiro apareça cá em casa.


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