[TEXTO] Gonçalo Oliveira [FOTO] Direitos Reservados
Os ADW são João Rochinha e David Ferreira, dois músicos de Lisboa que deram ontem a conhecer o seu primeiro projecto através do Bandcamp.
MIXTAPE I conta com sete temas instrumentais abstractos que se guiam pelos traços menos comuns do hip hop, assumindo o compromisso de continuar a alargar a paleta de cores com que é possível pintar o género musical que está cada vez mais interligado com o universo digital.
“Procurámos ter texturas originais e sons que o pessoal não estivesse à espera de ouvir neste estilo de música,” confirmaram os seus criadores ao Rimas e Batidas, dois jovens que, antes de abraçarem os ensinamentos de Bambaataa, fizeram escola em géneros como o punk ou o metal.
Apesar de João Rochinha e David Ferreira terem sido “quase vizinhos a vida toda” sem nunca se terem conhecido, a convivência na banda Monkey Flag estabeleceu um elo suficientemente forte entre ambos para que o projecto ADW fizesse sentido. Isto depois de desbravarem os primeiros caminhos na produção a solo: João, sob o alter-ego UNITEDSTATESOF, integra os quadros da Rotten \\ Fresh e mantém a dupla PURGA com Afonso Ferreira (aka FARWARMTH); David trabalhou de forma independente, tendo assinado uma beat tape como Stury B.
Falem-nos um pouco acerca do background de cada um dos membros. Como começa a vossa ligação com a música?
[João Rochinha] Do meu lado, as primeiras memórias que tenho com música são da minha irmã começar a aparecer em casa com patches de Slipknot e Cannibal Corpse na mala da escola. Foi aí que a música começou a ocupar uma porção talvez não muito saudável da minha vida. De correr o Youtube todo a ouvir todo o metal podre passei para o hardcore, que foi uma enorme parte da minha adolescência. Passei-a a ir aos gigs todos da República da Música e afins, ver as bandas hardcore lisboetas. Só a partir dos 15/16 anos é que comecei a abrir mais a mente e a querer fazer um pouco de tudo. Já brincava com o FL Studio e o Audacity desde que comecei a saber utilizar um computador como deve ser. Sempre fiz música experimental, acredito que os feedbacks de guitarra que ouvia no metal e no hardcore me lavaram a mente. Tenho alguns projectos musicais que atravessam o estilo drone/ambient/noise/afins. Nomeadamente, tenho o meu projecto a solo UNITEDSTATESOF, em que faço ambient e mais recentemente cenas de electroacústica; tenho o projecto de noise e dark ambient PURGA com o meu amigo Afonso Ferreira (apareceu há uns tempos no Rimas e Batidas com o seu projecto FARWARMTH) e tenho outras colaborações. Costumo tocar sets de improviso a solo ou em colaborações por sítios como o Desterro, Disgraça, Sabotage, Zaratan, Titanic Sur Mer, etc. Há pouco mais de um ano, o meu amigo Diogo Oliveira lançou a editora Rotten \\ Fresh da qual eu faço parte, tanto como artista tanto como com tudo o resto.
[David Ferreira] Lembro-me de ser muito pequeno e os meus primos me mostrarem nu-metal. Só quando entrei na adolescência é que comecei a ouvir e dar realmente valor à música. As minhas bases são o punk e toda a cultura DIY. Com 16 anos, decidi comprar um baixo. Aprendi a tocar pelo Youtube e formei uma banda com amigos. Mais tarde, mais ou menos quando conheci o Rochinha, comecei a fazer beats no meu tempo livre. Cheguei a publicar por aí o meu projecto a solo, Stury B. Alguns elementos da mixtape de Stury B vieram parar à mixtape de ADW.
O projecto, apesar de recente, tem estado a ser desenvolvido a um bom ritmo, já que se preparam para editar o primeiro trabalho de originais. Como é que se cruzaram na vida um do outro e como tem sido o trabalho em estúdio nestes últimos meses?
Fomos quase vizinhos a vida toda sem nunca nos conhecer-mos. Cruzámo-nos só há 3 anos, quando o David e um amigo formaram uma banda e estavam à procura de um guitarrista. A banda ia ser de covers e acabou por se tornar nos Monkey Flag, uma banda de doom/stoner que lançou um EP este ano, com a qual o Rochinha ainda toca e de onde o David saiu recentemente. A ideia de ADW é impossível dizer quando se iniciou, foi algures numa conversa qualquer, provavelmente num carro a ouvir trap. Começámos a trabalhar juntos só em Julho deste ano, tivemos enclausurados na casa do David uma semana inteira, noite e dia a produzir. Desde essa semana até agora que o processo foi mais de misturar e masterizar as faixas. Igualmente esgotante. Foi o processo criativo mais árduo da nossa vida e foram noites complicadas e de grande frustração.
Como foram trabalhadas estas sete faixas? É tudo feito através de softwares ou há também alguma máquina envolvida? Utilizam mais samples ou instrumentos reais/virtuais?
Fizemos tudo no nosso DAW com os instrumentos virtuais que lá existem, sem utilizar hardware. Utilizámos também mesmo muito sampling, procurámos ter texturas originais e sons que o pessoal não está à espera de ouvir neste estilo de música. É aqui que perdemos a maior parte do tempo de composição. Sinto-me seguro em dizer que esta é a mixtape que mais sampla avant-garde dos anos 80 de sempre. Pelo menos vinda do Seixal. Também curtimos de samplar o Rochinha a tocar guitarra, amigos a cantarem, etc.
Não é muito comum assistirmos a duplas de produtores em Portugal. Quando estão a trabalhar, há tarefas definidas a cada um de vocês? Um trata da parte rítmica, enquanto o outro trata das melodias, por exemplo?
Essa divisão é mais em termos de tempo. São raras as vezes em que dizemos um ao outro para mexer só nisto ou naquilo. É mais, “olha fica aí a trabalhar nessa música que eu trabalho nesta agora”. Só na fase da mistura/masterização é que é preciso dividir em tarefas porque não é um processo tão criativo. Normalmente estamos juntos, cada um no seu PC, de phones, a trabalhar e um de nós chama o outro para escutarmos juntos. É fixe porque há uma dualidade de opiniões equilibrada entre nós. O David evita que o Rochinha só faça noisalhada e o Rochinha evita que o David faça trap das compilações de YouTube.
Apontam que a vossa música serve para amantes de Jpegmafia, Death Grips, Sheck Wes ou Earl Sweatshirt. São tudo nomes que também fizeram parte da vossa “dieta” musical para esta mixtape?
São nomes que ouvimos muito e que consideramos serem o mais perto da nossa sonoridade.
Além da música, o que mais vos inspira na hora da criação de novos instrumentais? Houve alguma ideia em específico que tentaram explorar no trabalho de estreia?
A ideia do álbum é mesmo fazer hip hop experimental. É muito brincar com o som, levar tudo ao extremo e ver o que é que vários extremos completamente diferentes fazem juntos. Pegar em todos os elementos do estilo de hip hop/trap que estejamos a explorar em cada música e desconstruí-los, brincar com eles, estragá-los e não os deixar ficar igual às músicas onde nos estamos a inspirar. Um dos principais motivos para querermos fazer este projecto foi sentir falta de ouvir hip hop de cá que seja tão experimental e tão out there. Queremos fazer os beats mais energéticos, intensos, inovadores e livres de preconceitos sobre como um este estilo deve soar.
Lançaram o “DYEF” em vídeo, o único single, e são também vocês quem trata do lado visual do projecto. Qual foi o conceito que quiseram seguir no videoclipe e porquê a escolha deste tema como “carta de apresentação” do projecto?
O lado visual da banda serve como um suporte para a música. Da mesma forma que tentamos explorar sonoridades extremas na nossa música, tentamos incorporar essa exploração na nossa imagem. Somos também muito adeptos de psicadelia e tentamos trazer essa vibe para a banda no lado visual. O vídeo para a “DYEF” foi gravado na mesma semana em que fizemos grande parte da mixtape, utilizámos a primeira cam que encontrámos na casa do David. Parecendo que não, há muitos efeitos que foram conseguidos na própria gravação, tivemos a experimentar com espelhos, tinta, água, fumarada, etc. Depois foi tudo montado quando a música acabou de ser feita. Gostamos de pensar que o ouvinte comum de hip hop é apanhado de surpresa quando ouve a “DYEF” pela primeira vez. Com o vídeo quisemos elevar essa experiência. Também gostamos de pensar que ter uma cam apontada ao espectador grande parte do vídeo vai deixar pessoas desconfortáveis.