Tony Starks e Lester Kane, ou seja Ghostface Killah e Raekwon, podem viajar até uma década de 70 imaginária – misto de novela pulp de capa amarelecida, filme italiano de gosto duvidoso e actriz feminina de formas generosas e livro de comics cheio de gangsters, armas de fogo e explosões de vermelho sangue em cada página – mas não permitem que nos esqueçamos que o fazem a partir do presente: em “King of New York”, Ghost descreve o personagem interpretado por The Chef como “wild for the night, son, gun and knife“, citando um hit recente de A$AP Rocky como quem diz “I can hear you kids, but this is some grown-up shit: pay attention!“. E claro, não há como não estarmos todos em sentido.
Considerem-se as seguintes alíneas: Ghost volta a colaborar com Adrian Younge numa sequela de Twelve Reasons to Die que soa, na verdade, à dupla a assumir que muito ficou ainda por dizer e fazer, em termos artísticos na primeira investida: este segundo volume é mais coeso em termos líricos, mais sólido em termos conceptuais e mais ambicioso no plano musical. Neste novo “filme” o fantasma de Tony Starks é reerguido por Lester Kane a partir de uma série de vinis impressos com as suas cinzas para ajudar a cumprir um desejo de vingança sobre a sanguinária família DeLuca. Matéria fantasiosa de comic book por excelência com direito a twist dramático no final e tudo. E a partir desse plot, Ghost liberta todo o seu saber lírico assinando algumas imagens clássicas (“living trife reckless, hang a man by his necklace / then mail it to his family with blood still on it / few black roses, maybe a finger or two“) com espessura dramática e claro recorte cinemático. Não há razão nenhuma para Frank Miller não transformar isto num filme à la Sin City ou para algum empresário da Broadway não perder a cabeça e investir uns quantos dólares para levar Twelve Reasons to Die ao palco. Em qualquer um dos casos, metade do trabalho já está feito.
E a suportar tudo isto – as palavras tintas de sangue de Ghost, de Raekwon, de Vince Staples, de Lyrics Born, de Chino XL, Bilal e RZA, a funcionar aqui como o narrador – há a música de Adrian Younge, estudioso atento do “giallo” de Morricone e Umiliani e Alessandroni, mas também de todos os estetas da Blaxploitation. E, tal como Ghost, que soa clássico mas atento ao presente que o rodeia, também Younge tem consciência do funk de laboratório que nos últimos anos tem sido produzido por células avançadas como MRR-ADM, Heliocentrics ou os inúmeros offshots do colectivo Poets of Rhythm: os seus beats podem soar poeirentos, como se repousassem há décadas em dollar bins de lojas de vinil de segunda mão, mas possuem aquela angularidade que só anos de depuração estética através do diggin’ podem atribuir. Isso tudo e uma MPC manipulada certeiramente.
Um dos poucos problemas de Twelve Reasons to Die II é a sua curta duração, por estranho que possa parecer. Confere-lhe uma aura de sequela apressada (que até deixa a porta aberta para um terceiro volume) e é verdade que Ghost soa confortável demais a debitar fantasias, o que pode indiciar um divórcio da realidade, mas isso são pormenores facilmente ultrapassáveis tendo em conta as recompensas que audições repetidas vão revelando. Venha daí o terceiro capítulo. E o filme. E o musical. E a novela gráfica…