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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 28/11/2025

Na última sexta-feira de cada mês, Miguel Santos escreve sobre artistas emergentes que têm tudo para tomar conta do mundo da música.

Abram alas para… Gabriel Jacoby

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 28/11/2025

14 de Outubro de 2025. O mundo chora a morte de D’Angelo, músico lendário e um dos mais proficientes inovadores da neo soul norte-americana. A influência e legado deste artista são incalculáveis, e as repercussões na arte sonora sentir-se-ão durante largos anos. Nesse contexto, é fácil acreditarmos na reencarnação. Nem de propósito, quase um mês depois, Gabriel Jacoby lançou o seu primeiro projecto. E depois de ouvirmos a estreia deste jovem nascido em Anderson na Carolina do Sul, torna-se claro que a alma de D’Angelo continua a brilhar.

Tendo em conta o historial familiar de Jacoby, é natural que tenha gravitado em direcção ao meio artístico. A mãe trabalhou como fotógrafa e editora e o pai também é artista. O piano foi a primeira de muitas aventuras sonoras, e depois da família se ter mudado para Tampa, na Flórida, aprendeu bateria, baixo e guitarra, e conjugou todos esses instrumentos em produções almejadas pelo próprio. Enquanto adolescente, Jacoby gravava no seu estúdio em casa temas que partilhava depois no SoundCloud, como “Mr. Poet” lançada em 2016 e que acumulou milhões de streams. Mas quando tudo indicava que os dados estavam lançados e era uma questão de tempo até a sua música explodir, Jacoby passou 8 meses na prisão. A experiência afectou-o profundamente, e aprendeu bastante nesse tempo atrás das grades. E findo esse período, estava livre para se dedicar totalmente à música.



Embora a produção musical de Gabriel Jacoby tenha origem no hip hop, é hoje muito mais complexa do que na sua génese. Sente-se uma energia pulsante na sua obra que mistura R&B, funk e algumas barras aguçadas, que tanto lembram D’Angelo como a música inspiradora de Chance the Rapper. O seu som bebe muito do Sul dos Estados Unidos, blues e soul misturam-se com um resultado maior que a soma das partes. O single que lançou em 2022, “dreams”, é uma experimentação pela terra do funk, barras aliadas de uma voz metálica e monotónica, simples e com muito carácter.

2024 foi o ano em que se apresentou oficialmente ao mundo através de cerca de meia dúzia de temas que o mostram como alguém apaixonado pela vida e pela música, com destaque para a docemente fugaz “forever” ou a solenemente esperançosa “as you stand next to me”, cujas melodias vocais transfiguradas caminham de mão dada com uma guitarra trémula e magoada. A sua voz é flexível, e a guitarra é o que se ouve mais alto, instrumento muito importante na música de Jacoby. No presente ano, surpreende com “need your love” numa produção mais intrincada e com uma atitude renovada depois de mais de uma década a produzir, pedindo com muita classe aquilo que precisa. Foi o mote para uma mudança mais profunda, e a prova de que a sua música continua a evoluir. 

E depois de vários singles soltos, estava na altura de algo mais complexo e com mais substância. O resultado é o EP gutta child, um projecto do coração de Jacoby para o mundo. Os instrumentais são vivos, pulsantes, como a incrível faixa-título tão bem demonstra: “gutta child” tem riff de guitarra atrás de riff de guitarra que nos deixa em pulgas para pegar nas seis cordas e tentar imitar. “hello” abre o EP de forma fenomenal e apropriada, um cumprimento cativante que desliza muito bem, com sopros repletos de funk e um piano endiabrado que nos remonta aos gloriosos blues. Mas apesar do passado mais distante informar a música de Jacoby, ouvimos também uma nostalgia pela sonoridade de um passado mais presente, nomeadamente os anos 2000. “same sign” e “bootleg” lembram a produção de Pharrell Williams, um piscar de olhos de um jovem estudioso de batidas a um professor catedrático de beats. Mesmo em momentos mais solitários, como a calmaria de “be careful” ou a inspiradora “dirty south baby” — uma introspectiva lição de História e da história do autor —, Gabriel Jacoby consegue infundir uma cor brilhante na tela sonora. Ouvimos uma fusão de géneros e uma sucessão de peripécias musicais muito interessantes conjuradas por um músico que desde pequeno que sabia o que queria.

A sombra de D’Angelo paira por cima das incontáveis gerações de músicos que surgiram depois dele. Não o faz como assombração, mas sim como inspiração, como vemos no caso de Gabriel Jacoby. gutta child é uma estreia potente, um projecto sincero, emocional e pluralista. O nome não é depreciativo mas sim orgulhoso, um início de uma história que se crê longa e titilante. E é com a bênção de génios do passado que se formam as grandes forças criativas do presente.


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