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Fotografia: André Tentúgal
Publicado a: 11/08/2025

Um single do underground que virou sucesso comercial e se cristalizou como clássico.

A história oral de “Brilhantes Diamantes”, 20 anos depois do fenómeno

Fotografia: André Tentúgal
Publicado a: 11/08/2025

Há precisamente 20 anos, em 2005, um fenómeno acontecia. Serial, produtor e DJ dos Mind da Gap, lançava o primeiro (e até agora único) disco em nome próprio, Brilhantes Diamantes. Mais do que o álbum, o single homónimo “Brilhantes Diamantes” tornou-se um êxito — sem muitos precedentes naquele momento do rap nacional — e conquistou uma geração. 

O refrão orelhudo de Ace, seu companheiro nos Mind da Gap, e os complexos e cativantes versos de Maze, dos amigos Dealema, revelaram-se ingredientes essenciais que se somavam ao emblemático instrumental. Um factor indispensável para o sucesso de “Brilhantes Diamantes” foi o destaque que ganhou em Morangos com Açúcar, telenovela juvenil da TVI que era, de longe, o programa mais visto da televisão portuguesa, numa altura em que os canais de televisão apresentavam audiências muito mais vastas e ainda não enfrentavam a concorrência das redes sociais e plataformas digitais.

“Brilhantes Diamantes” era a banda sonora que habitualmente acompanhava os miúdos rebeldes da série televisiva que andavam de skate e pintavam graffiti. Formavam um dos núcleos principais da terceira temporada da telenovela, no momento em que Morangos com Açúcar estava no auge das audiências — foi a temporada mais vista de sempre. O single também rodava frequentemente nas rádios e o respectivo videoclipe era transmitido em canais como a SIC Radical e a MTV Portugal, lançada recentemente.

Se não tivesse sido um êxito popular e comercial naquele tempo, provavelmente seria uma canção confinada aos mais fiéis e conhecedores do movimento underground do hip hop nacional. O mais curioso é que não foi um sucesso de pouca dura, como tantas vezes acontece quando há um público tão jovem a alimentar o fenómeno — que rapidamente se dilui quando uma nova canção entra em acção para se tornar a tendência do momento.

Pelo contrário, “Brilhantes Diamantes” provou ser uma música intemporal e ganhou mesmo o estatuto de clássico do rap português, ainda que tenha aparecido como êxito comercial numa altura em que o movimento estava mais fechado sobre si mesmo e à margem da indústria musical, desconfiando de tudo o que soasse a um produto de mercado. 

Curiosamente, este inesperado sucesso comercial era um hino que questionava e rejeitava uma sociedade de consumo capitalista desumanizada, optando antes por “valores altruístas de fraternidade” — uma letra séria, exigente e poética que, 20 anos depois, várias gerações sabem de cor. Uma canção que se mantém viva nos concertos e que continua a ser das mais cantadas, de rimas na ponta da língua, mas que acabou por ultrapassar os seus próprios autores. Entre o grande público, não faltam exemplos de quem conheça a música sem conseguir decifrar ou distinguir a participação dos três músicos.

Duas décadas depois, contamos a história oral de “Brilhantes Diamantes”. Apresentamos, em discurso directo, as memórias e as reflexões de Serial, Maze, Ace, o então A&R da editora NorteSul Pedro Tenreiro e a realizadora do videoclipe Rita Barbosa.



[O contexto inicial do disco]

[Serial] Já foi há 20 anos, não me lembro bem qual foi o catalisador que me fez querer lançar o álbum, sempre fui muito dedicado a Mind da Gap, mas talvez por ter muitos instrumentais guardados… O Ace também tinha lançado um álbum a solo antes.

[Pedro Tenreiro] O disco nem sequer foi uma iniciativa da editora, era uma coisa que o Rolando [Serial] queria fazer. Boa parte foi feito numa altura em que dividíamos casa. Ele teve que sair da casa onde estava e teve ali um período em que não tinha para onde ir e eu fui para uma casa que tinha dois quartos e ele ficou com um, que era grande e ainda deu para ele montar o estúdio. E tinha a vantagem de ir à sala buscar discos se quisesse samplar. Mas, quando se mudou lá para casa, acho que o disco já estava quase todo gravado. Ainda houve uns rappers que foram lá, não sei se foi o Rey. Como estava a trabalhar, raramente me cruzava com ele.

[Serial] Fazia beats diariamente, tinha bastantes, e daí falei com o pessoal, dei-lhes a escolher e depois foi gravar. O mais engraçado é que foi uma coisa muito amadora, foi gravado em casa, transformei uma casa de banho num booth, com colchões e outras coisas, para conseguir captar as vozes da melhor maneira.

[Serial] Nessa altura, os Mind da Gap estavam com a [editora] NorteSul e gravavam em Paço de Arcos. Isto foi uma aventura de emancipação, de tentar fazer com os meus meios. Eu tinha material muito limitado. O Ace tinha um microfone, que era bom, e pedi-lhe. Tirando os [convidados] espanhóis, que me enviaram as vozes deles, gravaram lá todos.

[A criação e gravação do single]

[Serial] Na altura, quando estava a samplar e a fazer beats, pegava nos discos, sacava as cenas e passava ao próximo. Entretanto, já não sabia onde ia buscar as cenas, mas também não estava muito preocupado com isso. Na altura ainda fazíamos muito crate digging, íamos buscar samples ao vinil. Passado uns tempos, apareceu uma música do Beanie Sigel com o mesmo sample.

[Serial] Desconfio que convidei o Maze e o Ace foi com ele. Já não me lembro se o Maze já tinha a letra feita ou não, mas o Ace entrou depois — acho que foi ele que decidiu fazer o refrão.

[Maze] Está muito presente na minha cabeça porque falamos de um período em que eu passava algum tempo no estúdio do Serial, na casa dele. Foi onde trabalhámos a mistura do primeiro álbum de Dealema, então passámos lá muito tempo entre 2002 e 2003. E lembro-me de que ele começou a programar este disco também mais ou menos nessa altura. Ele já tinha uma remessa de beats e ia mostrando. Passou-me uns quantos, que ele achava que se iriam enquadrar comigo e com o que eu poderia fazer, e esse saltou logo. Lembro-me de ele me mostrar beats lá no estúdio e esse me ter dito logo muito — mas o Serial é um produtor genial, então havia mais dois ou três em que achei que também poderia fazer alguma coisa. Então, quis amadurecer as ideias, quis ir ouvindo e lembro-me de ter uma cassete no carro para ouvir os beats em loop.

[Maze] Lembro-me de um amigo de um amigo, o Tuse, que era o manager de The Cinematic Orchestra e do Roots Manuva, de ele estar no carro a ouvir o beat e dizer: “Isto é mesmo incrível.” Eu disse-lhe que era de uma música que eu ia fazer num beat do Serial. Ele estava a fazer um documentário sobre futebol em Portugal e pediu o beat ao Serial para incluir no filme [Estádio Novo]. Há um segmento em que está a dar o beat do “Brilhantes Diamantes” antes de a música ter sido lançada, o que é engraçado.

[Maze] Lembro-me de escrever essa letra, estava em casa e foi algo que saiu muito naturalmente. Andei a ouvir o beat durante algum tempo mas, depois, quando me sentei a escrever, acho que já tinha a ideia construída na minha cabeça. Foi muito rápido o processo, ainda andei a ouvir, a amadurecer e a polir um bocado as rimas, mas estava contente com o que tinha feito e tinha a sensação de que tinha algo especial nas mãos. Essa sinergia com o Serial… O beat dele era mágico e sentia que as minhas palavras casavam bem ali e que diziam muito de mim, do que eu queria passar e do que queria dizer.

[Maze] Às vezes reaproveitam-se rimas e ideias que guardo num caderno, muitas vezes faço esse processo, mas neste caso específico não. Eram processos mentais, coisas em que estava a trabalhar dentro de mim, que eu queria dizer, e sentia que eram coisas intemporais porque eram minhas mas pertenciam a todos e tinha noção disso. Então estava orgulhoso do que tinha escrito, achava que tinha conseguido fazer uma coisa que não só me representava a mim e ao que estava a viver naquele momento mas que também ia tocar o outro.

[Maze] Eu faço letras para instrumentais, a não ser quando escrevo poesia solta, mas esse é outro registo. Nunca escrevo para depois colar a letra ao instrumental. Gosto de interpretar a emoção e o sentimento que está na música. E essa emoção e sentimento que o Serial pôs naquele beat é incrível. É indescritível e puxou por palavras minhas que eu na altura não fazia ideia que conseguia construir. 

[Ace] Tenho ideia de que, durante a produção desse disco, fiz alguns contactos com pessoas com quem o Serial podia não ter tanto à vontade e fui acompanhá-las ao estúdio, que foi o que aconteceu com o Maze. Mas ele e o Serial já tinham uma relação antiga, só que andávamos sempre juntos, de forma muito natural. Como sou um gajo mais sociável e tenho mais facilidade em comunicar do que o Serial, assumi esse papel sem sempre ter sido encomendado… Foi uma coisa perfeitamente natural e orgânica. Essa palavra acho que define bem a ideia, a memória que eu tenho desse dia, o ter sido muito orgânico.

[Ace] Não sei porque é que acabei a fazer aquele refrão, porque sei que não estava planeado, foi uma cena do momento, provavelmente minha, como gosto de cantar estava sempre a atirar o barro à parede, a ver se conseguia gravar referências a cantar, fosse para o que fosse. Lembro-me de que o Maze não tinha refrão para a música, estava-se a falar sobre isso e deve ter sido aí que mandei o barro à parede, dizendo que se pegarmos aqui nesta e naquela frase ficamos com um alto refrão. Tenho a ideia de ter sido assim, de ter sido eu que montei o refrão com frases da letra do Maze, mas também não me lembro de muito mais. Enquanto eles estavam a gravar, eu já devia estar para ali a cantarolar qualquer coisa para dentro. Precisava das palavras e depois fui encontrá-las na letra do Maze, com um ou outro acrescento. E tenho ideia de que foi uma coisa fácil. Talvez não tenha sido tão fácil convencer o Serial a que o refrão fosse feito por mim a cantar, porque ele normalmente não gostava que eu cantasse o refrão. Mas já não me lembro particularmente bem se aconteceu nessa vez ou não. 

[Maze] Lembro-me de estar a gravar num quartinho, o booth era uma divisão ao lado da sala. Gravei os versos, o Ace estava na sessão e ele já tinha sido convidado, porque em conversa com o Serial já tínhamos falado e percebido que precisávamos de um refrão para isto, porque a música tinha potencial e se calhar o Ace era a pessoa perfeita por causa dos recursos melódicos dele desde sempre. Enquanto eu estava a gravar, havia ali umas dicas principais, “todos os momentos são brilhantes diamantes”, umas quantas linhas do meu rap que, bem construídas, davam um bom refrão. E também achei importante eu fazer uma linha do refrão a meio da parte melódica, também seria uma interacção entre os dois em palco que poderia resultar bem. Então cortámos esses pedaços do meu texto, o Ace pegou nas minhas letras para fazer essa colagem e de repente ele sacou aquela melodia que se eternizou e que é fácil toda a gente trautear. De repente, a música ficou com potencial para ser bastante orelhuda. Foi um casamento muito feliz que começou logo com a base que é o instrumental do Serial, que deu o mote para as minhas ideias e palavras, e depois o refrão do Ace é a cereja no topo do bolo que torna a música acessível a toda a gente.

[Serial] A produção, às vezes, é um bocado subestimada. Especialmente no hip hop, as pessoas acham que é só fazer beats. Mas também são os arranjos, a edição, todo o processo…

[Pedro Tenreiro] Tanto eles como a editora, toda a gente que ouviu, disse que aquele era o single. Foi unânime e imediato. 

[Ace] A editora tinha uma pessoa a trabalhar lá que percebia muito de música, o Pedro Tenreiro, portanto é possível que tenha vindo da editora a sugestão de ser essa a música escolhida para single.



[O videoclipe]

[Rita Barbosa] Estava numa fase em que fazia videoclipes, na altura já tinha feito dois ou três. Eu era amiga do Pedro Terreiro e foi ele que me propôs. Acho que ele e o Serial viviam juntos e ele sabia que eu ouvia bastante hip hop, não era algo que me fosse muito alheio.

[Rita Barbosa] Fui muito literal até. Hoje em dia olho para aquilo e penso: “Que exagero, estava mesmo a ser literal”. Por outro lado, hoje em dia, com a experiência profissional que tenho, não sei se conseguia fazer como eu fiz com tão pouco. Porque não tinha mesmo meios nenhuns.

[Rita Barbosa] Agarrei-me muito à letra, andei a ver muita coisa sobre o labirinto, vídeos e pinturas, a inspirar-me sobre o que é que pode ser este labirinto. A tentar perceber de onde vem, nas histórias, a ideia do labirinto e como é que se trabalhava isso. Temos sempre ideias visuais que depois não se concretizam.

[Rita Barbosa] Eu morava muito perto do sítio onde filmámos, aquele edifício que, por acaso, agora está a ser demolido, mas que sempre me chamou a atenção: aquele buraco, aquela fissura da cidade, porque é muito grande e de repente havia ali uma espécie de buraco negro. Como passava ali, comecei a ter alguma curiosidade e pensei: “Olha, se calhar é agora que vou filmar aqui.” Havia um pretexto. E comecei a visitar o espaço à noite, completamente inconsciente. Foi ali que mataram a Gisberta [Salce Júnior], pouco tempo depois. Aquilo estava muito sujo, eu ia para lá às vezes, levava uma vassoura e fui limpando. Hoje em dia, até acho que devia ter deixado o lixo, acho que tinha ficado fixe na imagem. Acabou por ficar muito geométrico, falta ali textura. E esse lixo tinha dado mais carisma à imagem.

[Rita Barbosa] Acho importante mencionar que marcámos uma presença naquele edifício onde a seguir foi assassinada uma mulher trans. Isso, para mim, marca ali uma espécie de cicatriz que está subentendida. Fui rever o videoclipe e só me lembrava da Gisberta e da Gisberta. O espaço tinha uma aura, um karma, uma espécie de premonição que eu acho que não deixa de estar relacionada com a letra do Maze. O labirinto, esta violência capitalista. Porque grande parte das violências em que vivemos vem daí. E é uma letra que também obviamente fala das margens, não é? Que também tem a ver com o que aconteceu com a Gisberta. Quem é que começa o dia e quem é que o acaba? Porque quem trabalha à noite, numa cidade, há todo este aspecto sombrio das trabalhadoras do sexo que fazem o turno delas e correm grandes perigos. Mas tudo por dinheiro, pela sobrevivência. Acho que isso existe, mas posso ser eu a fazer uma relação forçada das coisas.

[Rita Barbosa] As gravações foram fixes, gostei bastante, foi super divertido porque estava toda a gente muito disponível e foi um ambiente muito bom. Ficámos a saber que o Ace era germofóbico. Tenho essa memória. Portanto, se calhar, ainda bem que varri e limpei. Nós não tínhamos quase nada. Tínhamos uma câmara e um follow spot, aquela luz que varre o espaço. Que, como é gigante, cria aquela imagem de infinito. Isso acabou por ser vantajoso, a ideia de alugar esse tipo de iluminação, porque as outras tentativas que fomos fazendo com uma luz mais convencional não funcionaram. Tenho ideia de que a dada altura desistimos mesmo porque estávamos a ficar muito atrasados e não estava a correr bem. Eu tinha umas ideias muito fixas de um determinado tipo de plano e a dada altura foi: “Só funciona esta luz, portanto, vai ter de ser isto.”

[Rita Barbosa] Cada um deles tinha características particulares. O Maze é muito físico, então fica super bem vê-lo a correr, ele é muito atleta, das artes marciais e tudo. O Ace é um natural, foi feito para ser filmado e tem mesmo star quality. O Serial é mais goofy, mais base, comecei a associá-lo a um instrumento musical, ao baixo, aos graves e subgraves, porque é mais reservado e tímido.

[Rita Barbosa] Foram dois momentos separados de gravação, porque precisámos de uma segunda filmagem para o refrão. Lembro-me de ter sido criticada porque o videoclipe era muito escuro. Acho que é algo que veio do cinema, que vive numa sala escura, mas não se podia usar na altura, se for um videoclipe a passar num café é diferente. Penso que poderá ter vindo dessa ingenuidade, mas continuo a fazer coisas escuras e a escuridão trabalha-se.

[Maze] Não tínhamos muitos meios, tínhamos iluminação e a visão da Rita para os planos. A Gisberta vivia naquele edifício abandonado quando gravámos o videoclipe. Lembro-me de estarmos a montar as coisas e havia um cantinho com roupas, embora não me lembre da presença dela lá. Era um prédio gigante, perto da Escola Soares dos Reis, às vezes os miúdos invadiam aquilo e havia pessoas a dormir lá. Só fizemos duas sessões, gravámos rapidamente os takes, e ficámos com um videoclipe que é bastante underground

[Rita Barbosa] Acho que o Tenreiro até teve alguma visão, porque, convenhamos, nessa altura chamar uma mulher recém-formada a fazer um videoclipe para hip hop — que muitas vezes é masculino e misógino — acho que acabou por se destacar, aquilo é diferente. Imagino que, se fosse um videoclipe feito por um homem, aquilo ia para os clichés que já conhecemos, não é? O carro, o dread à volta do carro, o jacuzzi, sei lá. Mas dei-me bem com o Pedro, o Serial, o Maze, que foram os mais envolvidos, porque eles também têm essa visão do hip hop. Acho que também não se identificam nada com aquela linguagem. O hip hop passou ali por uma fase terrível que eu já não suportava. 

[Maze] Para o impacto que a música teve — e poderia ter sido uma coisa toda shiny, cheia de lantejoulas e diamantes — é uma coisa muito simples, onde só se trabalha a luz e o escuro, com os raps directamente para a câmara. A nossa interacção, estamos ali os três, uma coisa muito crua de que eu gosto muito. Mas tenho ideia que o vídeo nem teve assim tanto impacto, nalguns casos o vídeo catapulta muito a música, neste caso se calhar não foi tão necessário. Não tínhamos as redes sociais a funcionar com esse poder, então a música passava na SIC Radical, na MTV, nalguns programas alternativos… Tanto que o videoclipe que está no YouTube até é um rip da televisão, não há assim uma coisa oficial, nunca foi feito o upload.

[Ace] Filmámos o vídeo com uma rapariga cheia de talento, com umas ideias muito fixes para o vídeo, e aí comecei a perceber que, pelo menos, ia ser uma cena bonita. Que ia dar uma música bonita com um vídeo bonito. Não criei expectativas, mas percebi que, com o produto final, poderia eventualmente acontecer alguma coisa, porque também já tinha um bocado ideia do que é que poderia ou não resultar, tendo em conta o trabalho dos Mind da Gap para trás. Se imaginava que fosse onde foi? Não. Quando a música entrou para os Morangos, teve um boost gigantesco.



[A chegada a Morangos com Açúcar e o impacto que teve]

[Serial] Recebemos uma proposta da editora. “Pagam alguma coisa?” “Pagam”. E foi.

[Maze] A editora queria e estava a conseguir destacar músicas nas telenovelas, ainda era um processo embrionário, com muito terreno para apalpar, mas começavam a fazer isso com alguma música moderna. E lembro-me da proposta chegar através da NorteSul, até foi pelo Carlos Vieira, que era o manager dos Mind da Gap, e o Serial expôs-nos a proposta. Era uma música do Serial e, no final do dia, ele é que escolhia o que faria com a música, mas teve esse cuidado e atenção de nos perguntar o que achávamos. Sinceramente, lembro-me de pensar: estou com problemas maiores em mãos, não vejo televisão nem sabia que impacto aquilo poderia ter ou não… E lembro-me que o valor do pagamento era irrisório, uns 500 ou 700 euros, foi por aí o valor que ganhei para a música poder passar numa temporada da telenovela. Não tenho a certeza do valor, mas financeiramente não foi um bom negócio, obviamente. 

[Pedro Tenreiro] O target estava ali, não era a primeira vez que metíamos lá faixas. Acho que chegámos a meter lá faixas de Mind da Gap.

[Serial] A música tornou-se muito apelativa e bem-sucedida comercialmente, mas nunca foi essa a intenção. Comecei a aperceber-me pelo feedback que tinha das pessoas, falavam com os meus amigos. 

[Maze] Na altura em que o “Brilhantes Diamantes” estava no pico e a passar na telenovela, eu estava a tocar com Dealema e toda a gente cantava a música. Mas como não via televisão na altura, tinha noção de que a coisa tinha extravasado mas não tinha uma noção real. Na altura trabalhava na Foot Locker do Porto, a primeira a abrir em Portugal, e o meu trabalho era lidar com pessoas e servi-las. Mas era um ponto de destaque muito vulnerável, em que de repente era abordado e toda a gente dizia: “Não és aquele gajo que canta o ‘Brilhantes Diamantes’, que tens a música na telenovela? Que és dos Dealema?” E eu a tentar ganhar o meu dinheiro de sobrevivência, quase que desfazia ali a ideia que o pessoal tem de um artista comercial pop, que deve estar rico porque tem uma música na telenovela, que é uma super estrela… E eu numa vida normal de trabalhador, a tentar ganhar o meu dinheiro para pagar contas. Isso também tinha um impacto em mim, porque sentia essa injustiça do que é ser artista em Portugal.

[Serial] Acho que até teve um papel na introdução do hip hop a uma camada mais jovem, que se calhar não estava muito a par, nesse sentido acho que foi positivo. Mas depois também tens o lado negativo. Os puristas olham para isso de uma forma negativa. Na altura aconteceu.

[Maze] Numa altura em que o rap estava a massificar-se, essa música tornou-se num ícone que ficou transversal e tornou-se numa música popular. Era um símbolo anti-underground quase. Senti o apoio dos meus pares, porque reconheciam e diziam que tinha feito um clássico do rap português, mas ao mesmo tempo também sentia da comunidade um “ei, olha, este gajo vendeu-se”. Eu sentia que era um dos músicos mais underground na representação do que era o hip hop em Portugal, porque pertencia aos Dealema, um produto do underground, e de repente tinha uma música numa telenovela. E havia muito, e ainda há, aquela cena de “não nos podemos vender, não podemos estar num lugar de destaque porque vamos ser comerciais e o comercial não é bom”. E se crescias um bocadinho ou te tornavas mais popular, os outros puxavam-te para baixo, porque não era aquele o caminho. E eu senti isso, apesar de estar completamente consciente de que estava a fazer a minha cena, que não tinha alterado um milésimo da minha conduta moral, do que é ser o que sou e a música fez o crossover, então percebi: “Ok, se calhar estou a abrir portas para muitas músicas não comerciais chegarem a um sítio de relevância, de poderem chegar a mais pessoas.”

[Serial] Costumo pensar que, se essa música não tivesse sido escolhida para os Morangos com Açúcar, provavelmente estava enterrada no passado e ninguém sabia dela porque não tinha tido a exposição que teve.

[Maze] Também se tornou um êxito de rádio, passava em todo o país e teve apoio durante muito tempo. Se não fosse isso, também não teria chegado a tanta gente e as pessoas não saberiam a letra de cor. Foi sem dúvida um grande factor, uma alavanca para a música de repente ser mesmo muito conhecida, se tornar num clássico e as pessoas identificarem-se e saberem a letra. 

[Ace] Contra mim falo, os Mind da Gap também tiveram músicas em novelas e também bateram muito, se calhar ajudadas por isso. Mas nenhuma dessas músicas é o “Brilhantes Diamantes”. O “Bazamos ou Ficamos”, mesmo o “Cor de Laranja”, sendo músicas boas não têm este tipo de temática, não têm esta letra, não têm esta filosofia por trás. 

[Ace] Acho que esta música está para lá dos conceitos de underground e do público de rap, acho que a música bateu a toda a gente. E é precisamente porque o instrumental é muito bonito, porque há uma magia qualquer naqueles acordes e notas, e porque a letra é boa e porque o refrão está muito bem conseguido. Acho que essa música junta todos os ingredientes de uma canção, num formato hip hop, de uma maneira muito bem conseguida. Mas para mim a cena mais fixe é que podia ser exactamente igual sem ter a letra que tem. Como tem a letra que tem, que poderia eventualmente dificultar a vida comercialmente à música, acabou por funcionar super bem. E isso é a cena mais fixe até, porque músicas com beats fixes do Serial ou com refrões fixes meus, há muitas… Mas com esta letra não há assim tantas, se calhar até é um caso único, pelo menos para a dimensão que atingiu.

[Maze] Depois fiquei com curiosidade e percebi porque houve este “product placement”, porque havia uma referência aos miúdos que eram writers e skaters, a subcultura urbana, então havia essa representatividade também na música, que começou a representar uma geração. 

[Maze] O Pedro Tenreiro teve um papel muito importante em começar a forçar o rap para um sítio de maior visibilidade. E acho que, se esses projectos mais underground, que iam tendo visibilidade, não tivessem aberto algumas portas, iria ser muito mais difícil hoje haver uma facilidade de chegar a um sítio de destaque, de visibilidade comercial — iria levar muito mais tempo.



[O disco e a vida da música nos palcos]

[Serial] O título do álbum veio da música do Maze. Senti-me inspirado por esse título, achei-o fixe. E, depois, todo o conceito do álbum, as intros e skits, andam muito à volta disso. Acho que gravei as músicas e depois fui-me direccionando para esse conceito e universo. 20 anos depois, olho para o disco como tendo alma e um espírito verdadeiro.

[Serial] Assim, mais a sério, foi a primeira vez em que peguei num disco e resolvi misturá-lo e tratar desse processo todo. Para quem produz, é uma dor de cabeça misturar o disco. Nem sei como consegui, mas sei que me deu muito trabalho, muita dor de cabeça e muita frustração. Também tem essa componente de me ter conseguido realizar, mais ou menos, nesse departamento.

[Pedro Tenreiro] Penso que o disco foi todo misturado por ele nessa casa que partilhávamos. Para ele foi uma tortura, demorou muito tempo. Foi uma eternidade, ele misturava e depois voltava para trás. Um gajo quase que não lhe podia dizer nada, porque ele mudava tudo e depois foi a primeira fase em que se começou a usar plugins e coisas digitais. A certa altura, ele tinha tanta coisa que perdia-se e aquilo ficava tudo… Ele sofreu muito. Eu fiquei muito impaciente porque, a certa altura, achava que aquilo era quase patológico. Aliás, tentava dizer-lhe sempre, sem o chatear, não é? Porque percebia que ele estava ali sempre em dilemas, mas dizia-lhe para simplificar. “Olha, começa a tirar os plugins. Mete menos. Processa menos.” Eu acho que as misturas daquele disco fizeram com que ele não quisesse misturar discos dos Mind da Gap que poderiam ter sido ele a misturar. Ele podia ter misturado o Edição Ilimitada, mas acabou por ser novamente o Troy Hightower. E lembro-me de lhe dizer que achava que as misturas que ele tinha feito tinham mais carácter do que as do Troy Hightower. Tanto esse como o Intensamente do Ace foram discos feitos em casa, em home studios, e eles venderam os masters à editora. Era uma forma, além dos royalties, de assegurarem dinheiro à cabeça.

[Pedro Tenreiro] Lembro-me de chegar a casa ao fim da tarde, no Verão, a casa era muito quente, o quarto tinha duas janelas, o Serial a misturar em alto volume e a casa era ao pé do bairro das Campinas, a 100 metros do bairro. E estavam uns manos do outro lado da rua, encostados ao muro, a ouvir o que ele estava a fazer, a presenciarem a mistura em directo. Ele passava na rua e diziam “ei, olha o mano dos Mind da Gap”.

[Serial] Lembro-me, na altura, de achar que a editora não fez o suficiente para ainda elevar mais o disco. Acho que podiam ter feito mais. Acho que investiram muito pouco no disco e lembro-me de ficar um bocado triste porque achava que o disco tinha ainda mais potencial para chegar mais longe, para ser mais importante. 

[Pedro Tenreiro] O trabalho foi feito normalmente, como era feito em todos os discos, mas não era feito por mim. Penso que deve ter feito promoção, embora o Rolando não fosse muito bom a dar entrevistas, nas entrevistas dos Mind da Gap era o que falava menos. Mas fomos até onde deu para ir, basicamente. Como a canção teve muito airplay… Eu acho que o “Brilhantes Diamantes” deve ter tido mais airplay do que qualquer single dos Mind da Gap. Eu acho que a própria editora não conseguiu reagir ao sucesso e não foi capaz de capitalizar. Agora não me lembro precisamente porquê, a Valentim de Carvalho passou por muitas fases, eu estive lá 24 anos e houve três ou quatro fases que foram muito complicadas porque não havia dinheiro.

[Pedro Tenreiro] O disco vendeu pouco, mas também porque nunca foi tocado ao vivo, por uma série de razões. Tirando os consumidores de hip hop, o grande público, aquele para o qual se poderia ter feito o crossover, nunca percebeu de onde é que aquilo vinha, nunca associou o disco ao Serial ou ao single “Brilhantes Diamantes”. Era um disco de um produtor com muitos rappers, foi uma experiência. 

[Serial] Ainda hoje o Maze toca essa música ao vivo. Muito mais do que eu ou os Mind da Gap, os Dealema tocam essa música ao vivo. É natural que às vezes até possam identificar mais a música com o Maze do que comigo, mas não é algo que me preocupe.

[Maze] Há uma confusão muito grande e ainda continua a haver. Há muita gente que ainda me diz: “Ah, esta música é tua? Mas isto diz Serial”. Pessoas que não são do movimento, mas que conhecem a música e que não a relacionam comigo, isto ainda me acontece. É fixe também, é porque de facto se tornou tão grande, não é? E pessoas que não percebem bem as nuances e que o Serial era o produtor e que era o álbum dele… É uma música que me transcende, o que é óptimo também. Deixa de ser uma coisa egóica e gosto muito disso, quando a música transcende o artista. O que interessa não é que foi feita por mim, é que ela passou a ser do outro. Isso interessa-me artisticamente, interessa-me sempre no que faço. 

[Maze] Como foi uma música que nunca deixei de tocar, parece-me que foi há muito menos tempo. E as pessoas sempre fizeram referências à música, parece que foi ontem. A noção temporal ficou um bocado estranha, porque há adultos que eram crianças quando a música saiu. E, como ficou muito popular na novela, têm uma memória muito presente da letra. Há muita gente a cantar a letra toda.

[Maze] Mas agora olho para trás e não é uma música perfeita, não é uma letra perfeita. Tem ali incongruências, tem coisas que, ao olhar para trás, vejo que são fruto de alguma imaturidade. E não tenho problemas nenhuns em falar disso. Há ali metáforas que vêm de uma cena de MC, de uma forma naif de fazer uma metáfora sobre a vida ou as rimas, em que digo “descobrir um mundo novo como Cristóvão Colombo”. Para mim não há descobrimentos, não faz sentido usar essa palavra, mas foi uma metáfora naif, sem pensar numa questão política ou como é que estou a contar a história da humanidade. Também estamos a falar de há 20 anos, quando toda essa narrativa estava muito mais entranhada, havia uma indoutrinação escolar, não havia uma reflexão tão forte sobre isso. Mas, já na altura, o meu pensamento era completamente aberto como hoje e isso não me fazia sentido nenhum. Mas tenho ideia de que, em conversas com o Chullage, anos mais tarde, ele e outras pessoas terem comentado “essa dica…” 

[Ace] Lembro-me perfeitamente de ter tocado essa música num espetáculo dos Morangos, num teatro qualquer em Lisboa, agora não me lembro se foi no São Luiz, se foi no Coliseu, sei que era na Baixa. Até estava o Presto connosco também, porque nós ou tínhamos vindo ou íamos para uma data de Mind da Gap. Mas lembro-me que, nessa altura, a sala estava à pinha e eram maioritariamente crianças — e, quando digo crianças, estou mesmo a falar de miúdos que têm que estar acompanhados pelos pais, dos 7 aos 13 anos, por aí. E todos sabiam a letra toda. Além de ter percebido a dimensão do impacto da música, e invés de ficar mal impressionado, tive um pensamento um bocadinho mais positivo de pensar: “Ok, pelo menos estes putos estão a crescer a ouvir música de qualidade, com uma temática bonita, interessante e útil.” É mil vezes melhor serem fanáticas pelo “Brilhantes Diamantes” do que por outra coisa qualquer que não tivesse uma letra tão bonita, com tanto significado e força. 

[Ace] Acho que fizemos dois dias seguidos nesse teatro. E estava a abarrotar. Eu praticamente não cantei o refrão, além de não ser preciso fiquei tão impressionado com aquilo a que estava a assistir que tenho ideia de, pelo menos num refrão, ter ficado só a ouvi-los a cantar, do género: “Uau, olha o que nós fizemos”. Foi mesmo bonito. Como dizia, ao contrário de ficar mal impressionado ou ficar a achar que não era fixe, que não era cool, ou que era comercial, que era vendido, isto ou aquilo, a minha cabeça não foi nada para esse lado; e foi para um lado positivo, que foi pensar: “Olha que bom, estas crianças estão todas aqui a cantar isto, sabem isto de cor, e, se calhar, pela primeira vez na vida das bandas sonoras de novelas, é uma música mesmo fixe para saberem de cor e ouvirem de vez em quando.” E espero que tenha tido esse efeito na vida dessas crianças, que agora são homens e mulheres. 

[Ace] Tendo em conta a média de idades no público desse espectáculo, acho que é perfeitamente possível que tenha sido a primeira música de rap que ouviram na vida. E que até possam ter ficado no rap por causa dessa música. 

[Maze] Tem palavras difíceis, um léxico meu e muito próprio, tem conceitos que exigem alguma vida, vivência e experimentação. E acho que é possível alguém não se relacionar com o conteúdo, mas gostar de como é que aquelas palavras soam, do flow. Acho que essa relação com a forma já existia na altura. E o conteúdo foi chegando com a maturidade, com a vida, com a letra no subconsciente e as coisas começarem a fazer sentido. Interessa-me muito a minha presença no subconsciente do outro, é algo que me interessa no processo criativo. Acho incrível a capacidade que o rap tem de impactar o outro, das palavras ficarem semeadas no outro, florescerem e, anos mais tarde, darem lugar a um universo interno próprio e rico.

[Ace] Quando há possibilidades nos concertos dos Dealema ou do Maze, mesmo nos do Mundo Segundo, costumo sempre ser convidado para cantar essa música. Se for conveniente, normalmente sou eu que canto o refrão. Também tocámos no concerto dos Mind da Gap no Super Bock Super Rock, por sugestão minha. Achei que fazia sentido, não sendo uma música de Mind da Gap, mas é uma música do Serial com uma pessoa que acompanhou a nossa história desde o início e que é o meu melhor amigo, que é padrinho da minha filha. Também tinha muito gosto em tê-lo naquele momento connosco. E foi um dos momentos altos do concerto, claro, como é em todos em que essa música acontece.

[Maze] Demorámos um bocado a tocar a música em concertos de Dealema, porque nessa fase fazíamos alguns concertos de “Coalizão”, em que tocávamos Dealema e Mind da Gap, e quando estávamos juntos tocávamos o “Brilhantes Diamantes”. Mas, num line-up de Dealema, ainda não havia espaço. Queríamos tocar músicas nossas, o ambiente do concerto era diferente, era um bocado mais duro e as músicas mais pesadas, e aquela se calhar não encaixava ali da mesma forma que depois passou a encaixar. E passou a ser uma música minha também, não só do Serial mas também minha, as pessoas exigiam-me e eu comecei a tocá-la independentemente de o Serial e de o Ace estarem. Comecei a sentir que, sendo ela também minha e que as pessoas também a queriam ouvir, então tinha que a dar. Começou assim, nestes modos, e continua até hoje. Em tom de brincadeira, nos concertos que dou com o Spock, por exemplo, em conversas de amigos e em private joke, ele diz: “Tens que tocar a tua ‘Casinha’”, em referência à “A Minha Casinha” dos Xutos & Pontapés. E se eu não a cantar, as pessoas vão ficar tristes, então ainda continuo a tocá-la. E tornou-se um clássico sem nunca ter voltado, porque ficou sempre.

[Maze] Já tivemos momentos muito bonitos de cantar esta música para muita gente e cantar em sítios pequeninos para pouca gente. Já tivemos muitas experiências ao vivo. E nos Dealema resolvemos incluir essa música no nosso concerto já há muitos anos. As pessoas querem, têm acesso à minha presença e querem ouvir esta música. Então, principalmente o Mundo [Segundo] achou que era importante — porque às vezes os line-ups são mais desenhados por ele — porque ele a sente como um clássico do rap nacional.

[Maze] Há uma coisa de que não gosto nada, que é chegar a um sítio em que estou a fazer as coisas automaticamente, como automatismo. Acho que me defendi disso na “Brilhantes Diamantes” e tenho vindo a cantá-la de forma diferente, com uma intensidade diferente e com paragens e nuances diferentes entre os versos. Como a cantei e canto tantas vezes, quase que me obrigo a fazê-lo para não enjoar, é um exercício para mim interpretá-la.

[Maze] São três versos de dezasseis barras, mas é daquelas músicas que as pessoas sabem mesmo, exactamente porque tem um sentimento específico. Espero que isto não soe presunçoso, mas para mim tem o mesmo feeling que a “Moment Of Truth” dos Gang Starr, que é uma música que te bate. Não é orelhuda só por ser orelhuda, tu ouves a intensidade da letra, a música como um todo, e aquilo fica-te. E vais ouvir outra vez. É uma música comprida e complexa que fala de coisas que não são tão fáceis na vida, então às vezes faço esse paralelismo com o que sinto ao ouvir a “Moment Of Truth”, porque se calhar é o que algumas pessoas sentem ao ouvirem o “Brilhantes Diamantes”.



[O legado]

[Serial] Acho que se pode dizer que se tornou um clássico. Fico contente por isso. 

[Ace] É um dos grandes clássicos do rap português. Pelo menos se me dessem a mim para escolher uma lista de 10, era uma das que punha de certeza. 

[Ace] Quando oiço a música e percebo que bateu e a importância que teve para muita gente, tenho algum orgulho. Não obstante, não é uma música que eu sinta… Tenho a certeza de que, para o Maze, um irmão que a vida me deu, esta música também é dele. E é. A música é do Serial, com uma participação do Maze e eu ajudei a acabar a música, fiz um pormenor importante, porque os refrões são uma parte importante de uma música. Mas não a sinto como minha, até porque o refrão nem tem palavras minhas, praticamente. Não reclamo qualquer tipo de autoria espiritual, se quiseres, daquela música. É a criatividade do Serial, que fez um beat do caraças, e a criatividade e o estilo do Maze, que já nos tinha habituado a uma regularidade de escrita de altíssima qualidade, portanto não é de estranhar. Vejo a música como sendo deles os dois e só dei ali uma perninha e felizmente correu bem porque acho que é um refrão que funciona muito bem, ajudou sem sombra de dúvidas a que a música chegasse onde chegou.

[Maze] Há uns tempos partilharam comigo um vídeo — e eu nem estou muito ligado às redes, estou um bocado fora da grelha, mas vão-me mandando coisas que vão vendo — e era um rapaz que visivelmente estava agarrado, na rua, provavelmente sem-abrigo, e estão a filmá-lo e ele, assim um bocado sem saber e desnorteado, diz: “Ah, eu sou o MC Serial”. E depois quem está a filmar diz: “Então manda aí a tua letra”. E ele começa: “É mais um dia, o sol já brilha” e manda o verso. Obviamente, não é a situação ideal, está na rua, está numa situação complicada e difícil, está ali ainda por cima a ser gozado, não é? Com a imagem dele a ser explorada. Mas pôs-me a pensar que isto está mesmo na cabeça das pessoas, sabem as letras, é algo que ficou gravado.

[Maze] Percebi o impacto da música e, ao longo dos anos, fui percebendo cada vez mais que deixou marca numa geração, que depois passou para outra geração, e depois com reposições continua a ser uma música ouvida. Tanto que, há pouquíssimo tempo, nunca tinha mostrado a música à minha filha e estava a dar aulas na Skoola e um dos miúdos pergunta-lhe: “Já ouviste a música do teu pai, a ‘Brilhantes Diamantes’?” Ela disse que não, ele mostrou-lhe e eu percebi que tinha chegado a outra geração. Este miúdo ouviu o “Brilhantes Diamantes” e está a mostrar à minha filha [risos]. Fiquei com uma noção real de que é uma música intemporal.

[Ace] É engraçado porque é uma coisa que parece passada quase de mão em mão, de geração em geração — “Olha, pega lá nesta música, isto vai-te fazer bem”. Uma panaceia, um remédio que é passado de geração em geração para lidar com a vida urbana, ou rural também. Acho que é uma música que, hoje em dia, num set qualquer de um DJ de hip hop em Lisboa ou no Porto pode passar lá no meio e mesmo que sejam putos que estão ali a curtir, que não tenham vivido esse momento de Morangos com Açúcar, bate na mesma e curtem. É isso que é engraçado, ou seja, ficam a conhecer a música. Portanto, dá-me a ideia disso que estava a dizer, que essa música é passada como uma espécie de pergaminho clássico do hip hop português, de geração em geração.

[Serial] Sempre fui um bocado desligado. Eu fiz aquele disco com pessoas mais ou menos à minha volta, amigos ou pessoas próximas. Tenho sempre vontade de fazer música, mas às vezes não tenho os connects necessários para que isso aconteça. Sou do Porto, não estou sempre nas festas, não faço networking, estou um bocado na minha e a vida vai passando. Mas ainda hoje tenho vontade e, às vezes, estou a ouvir certos instrumentais e penso: “Preciso de fazer qualquer cena desta maneira.” Mas depois acaba por passar. O Porto teve um momento em que estava em altas, mas chegou uma altura em que Lisboa começou a tomar um bocado mais as rédeas da cena. Entretanto a estética mudou, apareceram novos nomes influentes em Lisboa que tomaram conta do espaço. 

[Rita Barbosa] Por causa desse videoclipe e de mais outros dois, fui convidada a integrar-me numa produtora em Lisboa e a partir daí comecei a profissionalizar-me.

[Maze] Os À Toa tocaram durante anos uma versão do “Brilhantes Diamantes” nos concertos. Também gravei um dubplate do “Brilhantes Diamantes” para os Ontem Sound System, que eles usam nos clashes. O acappella também foi usado algumas vezes para scratch por DJs, lembro-me recentemente do Stereossauro a usar no disco com o Mura.


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