Quase três meses depois do lançamento do seu mais recente álbum, Kendrick Lamar ainda não deu qualquer entrevista, deixando fãs, críticos e jornalistas a colocarem contínuo pensamento nas suas ideias e execuções. Para a GQ americana, Sounwave, colaborador habitual de K-Dot desde o início e produtor que aparece creditado em praticamente todas as faixas de Mr. Morale & The Big Steppers, abriu-nos a porta para a construção de um dos discos mais esperados dos últimos cinco anos.
Dan Hyman, o jornalista de serviço, começou por perguntar sobre uma rotina particular da dupla de Compton antes de de ambos darem por terminado um projecto. “Isso nunca vai mudar. Uma semana antes do álbum sair — as datas já estavam fechadas –, eu lembro-me de olhar para o Kendrick e dizer, ‘tu sabes que não vai sair enquanto não dermos este passeio de carro’. E ele disse, ‘yup’. Depois seguimos os nossos caminhos — separados. E aí há uma emoção que tens de ter — quer dizer, pelo menos para mim. Tenho de sentir este sentimento avassalador de ‘wow, é isto. Está completo’. Se não sentir isso, eu vou ligar-lhe de imediato e dizer, ‘não está pronto’. Habitualmente, nós estamos tão ligados que se eu pensar que não está pronto, ele diz-me logo, ‘estou 10 passos à tua frente. Estou a mudar isto, isto e isto’. Felizmente, naquele último passeio de carro, [o disco] estava pronto”, respondeu o entrevistado.
Com uma pandemia a ocupar a agenda desde que DAMN. (2017) e Black Panther The Album (2018) foram lançados, a conversa teria de passar por aí. “Este foi o processo criativo mais árduo e longo para mim”, explicou. “Nós não fizemos com que todos viessem ter connosco; nós viajámos. O primeiro brainstorming do álbum aconteceu em Londres. Não fomos muitos — penso que fui eu, o DJ Dahi, o Baby Keem e o Bekon — e criámos durante uma semana por lá, só para saírmos do nosso conforto e para tentar algo novo. Nessa sessão — que aconteceu, penso, no início de 2019 — fizemos apenas uma canção. Mas naquele momento nós sentimos que tínhamos feito o álbum completo. Por causa da maneira como a vida acontece, essa não foi a situação [risos]. A única música que saiu dessa sessão foi a ‘Father Time‘. E isso foi porque tivemos uma sessão fantástica com o Sampha. Ele apareceu e essa canção era tão indiscutível que se destacou de tudo o resto. Por isso, sim, nós viajámos para alguns sítios, mas quando foi para terminar nós tivemos de encontrar aquele sítio natural onde estamos todos confortáveis, fechar tudo e limar todas as arestas.”
Sobre a criação dos versos do MC, Sounwave revelou que “muito do que ouvimos liricamente do Kendrick foi feito em cima de pianos” — riffs dele, do J Pounds ou do Bekon, para sermos mais precisos. “O piano tem, literalmente, um papel muito importante (e o seu próprio significado) neste álbum. E as cordas também. Cordas e pianos, para mim, não dá para errar. Eu tive a missão de criar um mundo onde este artista está a viver. E este mundo, para mim, tem uma pessoa despojada de tudo e fechada numa sala branca só com os seus pensamentos e um piano. E tive de ser eu a manipular o piano de forma a que não fiques aborrecido com isso e não fiques louco a ouvir as mesmas notas”.
A ética de trabalho do co-fundador da pgLang foi aprofundada noutra resposta: “Vai ser sempre diferente com cada artista, mas o Kendrick é muito específico. Ele sabe o que quer. Mesmo quando não sabe o que quer, ele sabe o que quer, se isso faz algo sentido. Compará-lo com outros é como comparar a noite com o dia. Nós fechamo-nos durante semanas e só criamos ideias. E talvez nada saia disso ou talvez um álbum resulte dessas sessões. Como eu disse, criar este álbum teve, provavelmente, dos processos criativos mais complicados que se possa imaginar”.
Durante a entrevista, as participações de Ghostface Killah e Beth Gibbons também mereceram atenção, tal como “We Cry Together”, uma das canções que mais reacções gerou no pós-edição. Podem lê-la na íntegra aqui. Se quiserem mais, há outra, publicada no mesmo dia, na Complex. Uns dias depois, Kendrick Lamar parece ter sentido necessidade de dizer algo e fez uma story no Instagram em que reflectiu sobre a sua caminhada.