Digital

Ângela Polícia

Apùtece-me!

Edição Independente / 2019

Texto de Moisés Regalado

Publicado a: 23/07/2019

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Dois álbuns ainda não chegam para lhe tirar a pinta e as medidas (mas venham mais, se não for pedir muito). Soa familiar, mesmo que diferente — deslocado nunca –, técnico e dedicado, embora destoe de uma norma hip hop que assume sem no entanto a habitar. Por lá vai dando um pézinho, enquanto o outro se divide por onde calha e sem constrangimentos estéticos.

Comparar é sempre fácil, principalmente quando as referências, propositadas ou não — e quem ouve também as tem –, remetem para um universo tão pouco representado como aquele que Ângela habita. Nesse universo cabe, por exemplo, a Bizarra Locomotiva de Armando Teixeira (mas também os Da Weasel), os Yellow W Van de Ruas e FredSlow J ou tantos outros que já quebraram as barreiras das rimas e das batidas sem serem exactamente MCs, DJs ou produtores de contornos clássicos.

Ângela Policia não é um rapper e não se parece assumir como tal mas nem por isso deixa de ter os skills em dia. Como rapper, como cantor ou simplesmente como um intérprete pronto para assumir a sonoridade verdadeiramente indie deste Apùtece-me, que também viaja pelo dub de Pesca (“Flex!) ou, mais uma vez, pelos baixos de Razat (“Huawei”, “O Ritmo”), além das incontáveis participações presentes nos créditos. Os instrumentais, as vozes e as letras, quase sempre assinados pelo próprio, são apenas o início de uma viagem em que Ângela raramente caminha sozinho e que culmina em “Ritual”, prova maior desta sinergia entre o escritor/intérprete/produtor e todos aqueles que o acompanham.

Nem sempre a intenção se faz acompanhar pela execução, ou não fosse este o segundo projecto de um artista que faz melhor de si próprio quando está pura e simplesmente à procura. Por isso é que falar deste Ângela Polícia, de Apùtece-me, não é o mesmo que falar naquele que editou Pruridades, apesar das fronteiras pisadas serem mais ou menos as mesmas. Dois anos depois há novas cadências, refrões diferentes e um leque de sonoridades que não havia no disco anterior; e provavelmente já nada será o mesmo quando Fernando Fernandes chegar ao terceiro álbum.

“O meu estilo é não ter um estilo definido”, dizia Martinêz, líder da Matarroa, e nem por isso se pode acusá-lo de falta de identidade. O mesmo parece ser verdade para Ângela Polícia, como foi para o MC dos Matozoo mas também para Armando Teixeira, para os Da Weasel ou para tantos outros que um dia fizeram a diferença. A música ainda não pesa o mesmo que a dos seus antepassados recentes mas já não faltará tudo para que o nome se inscreva em definitivo na história da música portuguesa, onde Ângela Polícia é cada vez mais um atleta a correr sozinho na sua própria lane.


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