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Publicado a: 15/09/2016

20 discos de hip hop de 1996 – 10º ao 1º

Publicado a: 15/09/2016

[TEXTO] Rui Miguel Abreu [FOTO] Direitos Reservados

Segunda parte de uma lista de 20 discos que complementa o ensaio que ontem se publicou por aqui e o artigo com os primeiros 10 nomes da lista. Viaja-se por 10 dos 20 marcos que Rui Miguel Abreu aponta como razão principal para entender 1996 como um ano vintage na história do hip hop. 

 


1º – [FUGEES] The Score

 

The Score é um disco extraordinário e 20 anos depois da sua edição original consegue, por paradoxal que possa parecer, permanecer firmemente ancorado no seu tempo e no entanto não ter envelhecido um minuto sequer. Segundo e derradeiro trabalho do trio de New Jersey de Lauryn Hill, Pras Michael e Wyclef Jean, The Score é muito simplesmente um dos melhores álbuns de sempre: imaginativo na escolha de samples – de Enya a clássicos jamaicanos passando por monumentos soul de Teena Marie ou dos Delfonics, a mistura é caleidoscópica, tal como primeiramente ensaiada pelos De La Soul, outro trio que é uma referência assumida em The Score; poderoso no plano lírico, com Lauryn Hill especialmente a revelar ser uma MC de mão cheia, capaz de algumas acrobacias gramaticais bastante ousadas, pleno de mensagens que referenciam os políticos do seu dia assumindo uma atitude de claro combate; e fortíssimo na consciência que transmite – um trio que conseguiu chegar às ruas sem objectificar as mulheres ou glorificar a violência, assumindo-se como o perfeito reverso da medalha que de um lado exibia a coroa do gangsta rap, mas do outro oferecia a cara lavada de um género que nunca recusou a evolução. Mas nem os samples certos, nem a ginástica verbal ou o correcto pacote de ideias morais servem grandemente se a suportar tudo isso não existir música de primeira água. E isso The Score oferece em quantidades absurdamente generosas. Pense-se nos singles, com a extraordinária versão de “Killing Me Softly With His Song” à cabeça, a mostrar que Lauryn não era apenas uma MC de mão cheia, mas igualmente uma cantora soul extraordinária, capaz até de por momentos nos fazer esquecer a clássica interpretação da enorme Roberta Flack. Depois há outra versão, para o intemporal “No Woman, No Cry” que mostra Wyclef Jean a deslocar a acção original de uma “trenchtown” de Kingston para um “government yard” de Brooklyn. E ainda há o gigante “Ready or Not” e “Fu-Gee-La”, cada um com a força suficiente para sustentar uma carreira inteira. Disco perfeito, este.


2º – [JAY-Z] Reasonable Doubt

 

Uma coisa é ter visto Reservoir Dogs quando saiu, outra, bem diferente mas igualmente recompensadora, é vê-lo agora, conhecendo a filmografia posterior de Tarantino. O mesmo se pode dizer de Jay Z e da sua potente obra de estreia. Se, como refere o título do disco que dividiu com Kanye West, hoje Jigga se limita a vigiar o trono, neste tempo ele era um jovem leão cheio de fome e de vontade de chegar ao topo. E conseguiu-o com uma viciante colecção de raps inspirados pelo “hustle” das ruas, com poderosas amostras do seu talento como “Brooklyn’s Finest”, dueto com o enorme Notorious B.I.G., com bangers incríveis como “Can’t Knock The Hustle” ou “Ain’t No Nigga” (onde aparece uma Foxy Brown demasiado jovem para as palavras que se soltam da sua boca)  e sobretudo com um brilhante “22 Two’s”, um rap de batalha capaz de sozinho mudar o rumo de qualquer conflito em qualquer teatro de guerra – Jigga a rimar assim poderia derrotar o Isis sem disparar um tiro… Absolutamente brilhante e uma sólida fundação para as conquistas que se seguiriam.


https://www.youtube.com/watch?v=mFSlhTKmEUI&list=PL759B534DFAB95D08

3º – [DE LA SOUL] Stakes is High

 

Stakes is High é o quarto disco dos De La Soul e o registo com que interromperam não apenas um silêncio de três anos, mas sobretudo a relação que vinha desde a origem com o produtor Prince Paul, principal arquitecto do edifício sónico com que o grupo se identificou desde a estreia em 1989 com 3 Feet High and Rising. Poderia, por isso mesmo, ter sido um disco dominado pelo som de um grupo a espalhar-se ao comprido. Longe disso. Os próprios De La assumiram as principais despesas de produção erguendo assim um disco de beats elegantes, mas carregados de força, pensados para resultarem em palco, sem adornos supérfluos, de maneira a que as vozes pudessem trocar rimas intrincadas e sólidas (como em “Supa Emcees”, que abre o álbum, “The Bizness”, onde surge Common, ou o tema título que carrega assinatura do génio Jay Dee, aka J Dilla). No plano vocal, além de Common, só mesmo Truth Enola, Zhane e Mos Def surgem no dilatado alinhamento de 15 temas, o que mostra os De La Soul como um trio auto-suficiente e carregado de argumentos próprios. Estão de volta em 2016!


4º – [DJ SHADOW] Endtroducing

 

Um homem, uma visão, uma colecção de discos e um sampler – a MPC 60II da Akai – chegam para mudar o curso da música. Não toda, que Endtroducing não foi causa de nenhum abalo sísmico, antes de uma pequena e secreta revolução com réplicas que se estendem até aos dias de hoje e que impôs uma nova linguagem global – nem Flying Lotus seria o que é agora, nem Sam The Kid teria feito Beats Vol. 1 Amor se Endtroducing não tivesse iluminado o caminho. Editado na microscópica Mo’ Wax de James Lavelle, este disco feito quase exclusivamente de samples ergueu sozinho uma cultura de mergulhos profundos na memória impressa em vinil, impondo uma ética no por vezes criativamente desgovernado universo do sampling, provando que tudo – da folk psicadélica ao free jazz, do rock de estádio, à electrónica desalinhada dos anos 70 – servia para fazer hip hop. E se há coisa que Endtroducing conseguiu nestes 20 anos foi afirmar-se como um dos mais influentes discos de sempre. Vai merecer reedição especial e Shadow continua na luta prometendo novidades para muito breve.


5º – [NAS] It Was Written

 

Se há disco que merece o descritivo comum de “difícil segundo álbum” é mesmo It Was Written. Mas isso aconteceria com qualquer artista que procurasse suceder a uma estreia tão absolutamente perfeita quanto aquela protagonizada com Illmatic editado um par de anos antes. Em termos temáticos, Nas seguiu a tendência da época, com histórias de crime e metáforas resgatadas ao imaginário dos filmes sobre a Máfia (tal como Raekwon ou Jay Z) inaugurando aí a sua personagem Nas Escobar. O som também mudou: menos sombrio que o da sua estreia, o tom geral do álbum estava mais sintonizado com o que se passava no cimo das tabelas, cortesia das produções dos Trackmasters ou de Dr. Dre. Premier e L.E.S. garantiram uma ligação aos primeiros passos, mas It Was Written foi mesmo um radical novo capítulo. E com a força de temas como “Street Dreams” (que pegava em “Sweet Dreams” dos Eurythmics) ou “If I Ruled The World” (com Lauryn Hill), Nas estreou-se no 1º lugar to Top 200 da Billboard vendendo mais de 4 milhões de cópias.


6º – [A TRIBE CALLED QUEST] Beats, Rhymes and Life

 

Os Tribe de Q-Tip, Phife e Ali Shaheed Muhammad são um dos maiores grupos que a cultura hip hop gerou e Beats, Rhymes and Life, quarto álbum numa sequência discográfica imaculada, é um trabalho sólido, resultado de uma experiência apurada pelo trio que era por esta altura um instrumento bem afinado musicalmente, se bem que nem tanto em termos pessoais. Este trabalho é também uma mensagem de elevação para uma cultura à época a braços com as armadilhas do sucesso, com muitos rappers a fazerem carreira com temáticas menos conscientes e positivas. É por isso o álbum menos luminoso do grupo. Com produção do colectivo The Ummah (em que militava, além de Q-Tip e Ali Shaheed, Jay Dee), o álbum chegou ao primeiro lugar das tabelas e alcançou um moderado, mas assinalável sucesso.


7º – [OUTKAST] ATLiens

 

Os Outkast de Andre 3000 e Big Boi eram a prova de que a luta pela supremacia hip hop não se podia travar apenas com valores das duas costas. Atlanta também estava no jogo e graças ao sucesso da estreia do duo com Southernplayalisticadillacmuzik esta era uma cidade para se levar a sério. Em ATLiens, Big Boi e Andre empregam os grooves do funk e até ecos de reggae e gospel para suportar mensagens de observação da vida no gueto, quase como uma reportagem, mas ao mesmo tempo não enjeitam a responsabilidade de oferecer também soluções para os problemas, procurando ser positivos nos caminhos que apontam. Com produção conjunta dos próprios Outkast e dos Organized Noize, o álbum tem em temas como “Elevators (Me and You)” ou “Jazzy Belle” amostras claras do distinto universo lírico e sonoro do grupo.


8º – [THE ROOTS] Illadelph Halflife

 

O terceiro álbum dos Roots é hoje visto como um clássico, mas em 1996 este colectivo de Filadélfia era ainda um grupo à procura de um lugar numa cena agitada em que foram sempre outsiders. O que não significa que Illadelph Halflife não tenha sido uma sólida proposta de um grupo que nada tinha que ver com o universo do gangsta rap e que poucos pontos de contacto possuía com a vibração particular que se soltava das ruas de Nova Iorque. Ainda com o MC Dice Raw a bordo, o grupo soava coeso, com rimas intrincadas que continham observações sobre tudo (dos jogos Olímpicos à cena política americana) e pontuais aproximações ao jazz que os tornavam singulares. Josua Redman ou Cassandra Wilson são convidados, bem como Common, Bahamadia ou D’Angelo.


9º – [SNOOP DOGGY DOGG] Tha Doggfather

 

A vida neste tempo não era fácil para Snoop, mesmo tendo em conta o sucesso massivo alcançado com a sua estreia com Doggystyle: Snoop passou boa parte de 1995 a defender-se em tribunal de uma séria acusação de assassinato (foi ilibado no arranque de 1996), viu-se obrigado a trabalhar em Tha Doggfather sem Dr. Dre que abandonou a Death Row e se separou de Suge Knight, viu o seu grande amigo 2Pac ser assassinado quando ultimava a saída do seu novo disco e viu o seu álbum ir para as lojas apenas uma semana depois da edição póstuma de The Don Killuminati. Em consequência, Tha Doggfather “só” vendeu dois milhões de cópias. Ainda assim, é um trabalho de Snoop em modo clássico, cheio de funk e excessos quase caricaturais.


10º – [2PAC] All Eyez On Me

 

Tudo em All Eyez On Me é grande e maior do que a vida: foi o primeiro CD duplo de um artista rap de topo, continha 5 singles e uma lista de participações de dezenas de pessoas, incluindo nomes como George Clinton, Roger Troutman, Snoop Dogg ou Dr. Dre. Mas compreendia-se: ao quarto álbum, 2Pac era uma das maiores forças dentro do hip hop, um símbolo poderoso do poderio do gangsta rap e um artista de mão cheia dono de um flow personalizado e com uma veia poética bem acima da média. Suge Knight, juntamente com Jimmy Iovine, foi buscar 2Pac directamente à prisão, onde se encontrava acusado de violação, para fazer este disco. Ao contrário de trabalhos anteriores mais conscientes, All Eyez on me é um disco desbragado e temperado pelos excessos da thug life. Um clássico.

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