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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 26/12/2019

De Atlanta ao Porto.

10 discos que não podem ficar retidos em 2019

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 26/12/2019

Em 2019, a música apresentou-se como uma arma carregada de significado que apelou àqueles que mais se sentiam desassustados por ela. Este ano foi efectivamente dos outcasts, dos que remaram contra a maré e que se davam como desaparecidos no fim da viagem. Além-fronteiras, uma das canções mais celebradas do ano foi feita por um artista country negro e queer, Billie Eilish disse-nos para olharmos debaixo da cama e para confrontar o monstro que lá vive; Lizzo ensinou-nos a ficarmos apaixonados por nós mesmos. Seguimos modas, quebrámos barreiras e deixámo-nos levar pelo estranho e irreverente. Em Portugal, o cenário também foi diversificado: passámos o microfone a quem mais sabe trabalhar com ele e o resto fez-se sozinho. Dançámos e dançámos muito – perguntem ao Julinho KSD e à Nenny se não é verdade. ProfJam, Slow J, Branko, Allen Halloween: 2019 foi pesado, astuto e, apesar de se mostrar novamente dominado por vozes masculinas, ao menos foi dominado pelas melhores.

No entanto, ao longo dos 12 meses, houve trabalhos que foram ofuscados por outros mais resplandecentes, postos na prateleira lá de casa e deixados para outra altura, que, tendo em conta a quantidade de lançamentos, provavelmente seria o vazio do nunca. O Rimas e Batidas limpou-lhes o pó e pô-los a tocar. Ao fechar mais um ano, reunimos uma lista de 10 trabalhos que merecem igualmente atenção.


[Floating Points] Crush

Sam Shepherd exerce um controlo notável sobre a sua produção e graças ao seu sintetizador consegue facilmente manipular timbres, compassos, ritmos, mas também o peso repartido de cada emoção pelas faixas dos seus álbuns. Carregar no play é cair imediatamente no seu mundo, um cenário cósmico, abstracto, mas ao mesmo tempo racional e severo.

Soa a: o filho perdido de Burial e Aphex Twin que foi retido pelos guardas das fronteiras de um Reino Unido pós-Brexit.


[Spelling] Mazy Fly

O segundo álbum de Tia Cabral, a mestre do projecto Spelling, mantém o misticismo dos trabalhos anteriores; e as grandes composições e a produção exuberante continuam a ser a pedra angular do seu foco. Há aqui, contudo, um espaço vazio: um elemento indefinido que nos comove, que nos cativa, mas que nos provoca uma grande sensação de terror. Podemos descortinar tal força nas correntes vocais de Cabral, que variam entre calmos suspiros e puros feitiços. Dois segundos e não há volta a dar, estamos presos.

Soa a: música de Halloween que também serve para uma boa rave.


[Brittany Howard] Jaime

Alabama Shakes são um nome facilmente reconhecido: vencedores de GRAMMYs, autores de álbuns que chegaram ao topo das tabelas americanas, aclamados por parte dos críticos e adorados por muitos. A solo, Britanny Howard ainda tem uma reputação diferente. Melhor: tinha. O seu álbum de estreia é uma emocional obra de arte, que varia entre as raízes da soul, do rock’n’roll e do r&b, um trabalho que eleva a voz, mais concretamente a de Brittany, mas que, acima de tudo, eleva a alma.

Soa a: uma boa mistura de Janis Joplin, Aretha Franklin e Elvis Presley.


[Meitei] Komachi

O segundo álbum de Meitei é rica matéria-prima para futuros samples. Ao misturar técnicas de produção electrónicas vanguardistas com a famosa tapeçaria da música tradicional japonesa, o produtor chegou ao seguinte resultado: uma viagem emocionante não só pela famosa história do país nipónico, mas também pelos contos esquecidos de quem o construiu. A base são pequenos excertos de Ono no Komachi, a antiga poetisa waka do século VIII cuja beleza e delicadeza dos poemas a elevaram ao estatuto de lenda no seu país.

Soa a: banda sonora apropriada para uma visita aos templos mais ancestrais do Japão.


[Fennesz] Agora

A magia do trabalho de Christian Fennesz provém da maneira com que consegue transformar o mínimo no máximo, expandindo pequenos momentos em gigantes ambientes sónicos. No seu primeiro trabalho em cinco anos, cada faixa tem mais de 10 minutos e são varridas e arrastadas à medida que se acrescentam novos elementos: uma guitarra ensopada, uma corte orquestral, um piano avassalador; cada um faz jus ao sentimento de nostalgia que nos é passado ao longo deste disco.

Soa a: estar sentado na praia às cinco da manhã de um dia de Verão à espera de ver o sol nascer.


[100 gecs] 1000 gecs

A emoção dos 100 gecs não faz apenas sentido neste mundo omnívoro pós-Internet: é universal, é absurdo, é complemente confuso e distópico. Pode-se dizer que este é o tipo de música sem qualquer nexo que inventamos no chuveiro ou que cantamos para o nosso cão; até podem parecer músicas sem uma construção sónica ou estrutural técnica, desorientadas o suficiente para não entrarem na nossa cabeça. Mas aqui estão elas, e por alguma razão, estamos gratos por existirem.

Soa a: drogas… talvez demasiadas.


[Quelle Chris] Guns

Quelle Chris não é um nome desconhecido no universo underground de hip hop e durante os últimos anos tem lançado uma série de mixtapes consistentes e bastante surpreendentes. Mas é em Guns que se destaca como das vozes mais desafiantes do género: este é um trabalho que explora o uso de armas, examinando, a cada verso, o medo e a cor da pele de quem está nos dois lados quando se ouve o tiro.

Soa a: algo que o Kendrick Lamar tenha lançado este ano numa dimensão paralela.


[Grip] Snubnose

Grip distancia-se completamente de qualquer modelo convencional ou de interpretações mundanas do rap em 2019. A visão dele é um corpo que, por si só, se auto-sustenta, mas, que da mesma maneira, verbeta os dons e os toques de quem atrás dele abriram caminho. Snubnose toca nos diferentes ciclos da comunidade onde o rapper nasceu, começando e terminado no dinheiro: na sua má gestão, no seu vício, nas soluções que as pessoas estão dispostas a arranjar para algo temporário, quer seja no domínio da saúde, problemas amorosos ou até mesmo na violência.

Soa a: uma banda sonora alternativa do Blue Story.


[billy woods & Kenny Segal] Hiding Places

Cada hiding place neste trabalho funciona através do desconforto e, como uma catarse, faz-nos sentir deslocados, à beira de um total colapso. billy woods, o rapper, canta sobre sofrimento e indignação em medidas únicas, começando pela experiência do próprio; e, com a ajuda de Kenny Segal, o produtor, pinta um cenário tenso e agourento. Este poderá muito bem ser o disco de hip hop mais arrepiante do ano e um dos mais recompensadores quando se chega ao fim.

Soa a: NO LOVE DEEP WEB mas com um fio-condutor.


[Macaia] Subimos Todos

Em 13 temas, o álbum de estreia de Macaia mostra-nos alguém com uma alma velha com nostalgia suficiente para nos servir de refúgio para qualquer mal. Existe aqui um incomensurável sentimento de conforto — não só pelo optimismo que temas como “Bem Aqui” e “Brilho” nos transmitem, mas especialmente pelo ambiente que no geral é criado. Não há muito em que pensar: as mensagens são certeiras, a produção cristalina – só nos resta mesmo aproveitar o momento.

Soa a: algo entre hip hop reconfortante e r&b cálido.

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