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Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 26/08/2019

Electrónica mutante, rap de intervenção, hip hop instrumental e spoken word foram alguns dos ingredientes nos últimos dois dias da edição deste ano do festival lamecense.

ZigurFest’19 – 23 e 24 de Agosto: abanar os pilares da Olaria e tomar de vez o Castelo

Fotografia: Vera Marmelo
Publicado a: 26/08/2019

A comunidade enquanto “um qualquer conjunto de indivíduos organizados de forma colectiva ou unidos por algum traço comum” encontra um bom exemplo do que isso deve ser na forma como é pensado e executado o festival lamecense. Navegando entre os locais dos concertos, o restaurante A Nave e o Café Maia, as caras tornam-se estranhamente familiares: todos os intervenientes (do público aos artistas) partilham o espaço e alimentam a ideia de que este diálogo anual que o ZigurFest estabelece com a cidade é de máxima importância, criando-se pontes entre pessoas que, à partida, não se encontrariam. Ser de cariz gratuito e em sítios inteligentemente estratégicos até pode ajudar ao sucesso, mas, se o conteúdo não fosse bom e interessante não haveria maneira de aguentar o barco durante nove edições.

Ao contrário do que acontecera nos dois primeiros dias — em que vimos muitos nomes praticamente desconhecidos a dar um ar da sua graça –, o alinhamento de 23 de Agosto fez-se fundamentalmente com músicos com alguma tarimba: Djumbai Jazz e Minus & MrDolly, os dois projectos que tocaram no Horto do Castelo, fizeram as delícias de quem procurava, em doses iguais mas com protagonistas diferentes, um pouco de euforia e contemplação.

Os primeiros, um trio liderado por Maio Coopé, trouxeram “os valores dos seus antepassados” com uma filtragem cuidada num “laboratório” onde a música tradicional da Guiné-Bissau é o assunto central do estudo. Nos primeiros 15 minutos, a plateia ainda tentou resistir à interacção entre guitarra eléctrica, percussão e kora, mas no final já ninguém resistia, formando-se um pequeno contingente de bailarinos na relva a testar a vitalidade das canções. O segundo, na companhia de Sérgio Alves (o seu “teclista favorito”), apresentou o excelente Man With a Plan, álbum editado em 2018, desdobrando-se entre ritmos empoeirados (o lo-fi de que tanto se fala), baixos gordos e melodias escapistas que pareciam ter sido feitas de propósito para aquele final de tarde. Entre os teclados, a MPC e o resto da maquinaria, o serão patrocinado por um dos MCs e produtores mais subvalorizados do rap português terminou com o disparo da remistura de “Então Paga”, faixa original de Keso com participação de Virtus. Esperemos que a belíssima prestação de Hugo Oliveira tenha obrigado a organização do festival a inscrever a dupla portuense na lista de nomes a chamar para as próximas edições…

Uma das loucuras mais saudáveis do planeamento do festival é a fuga à tentação de concentrar artistas dos mesmos universos, ou seja, é normal vermos, seguidos e no Palco Olaria, Algumacena, duo formado por Alex D’Alva Teixeira e Ricardo Martins, a causar o caos (akamoshs) com recurso a guitarra, bateria, voz e músculo rock e, algum tempo depois, assistirmos à prestação de Odete, que apenas precisa de um computador e um microfone para mostrar a sua abordagem à música electrónica que tem tanto de desafiante como de educativa; ou, no último dia, Krake + Adolfo Luxúria Canibal a testarem a resistência da casa (que neste caso foi um palco à frente da torre de menagem do castelo) com minimalismo rítmico e spoken word e, de seguida, Mynda’Guevara, completamente sozinha, a arremessar rimas interventivas em crioulo e a conquistar a audiência (“obrigaram-na” a repetir “Ken Ki Fla”) com uma mistura de humildade e atrevimento que, mais cedo ou mais tarde, lhe garantirá um lugar ao sol no panorama nacional.

No fim desta edição, as ilações que tirámos em 2018 mantêm-se, mas o que se vive, na realidade, é sempre diferente: não se repetem nomes no cartaz; existe uma preocupação em não se entrar por caminhos fáceis nas escolhas dos artistas e, last but not least, Lamego é um exemplo a seguir para todo e qualquer local fora dos grandes centros — numa altura de domínio dos algoritmos, é importante ter alguém (neste caso um grupo de pessoas) com preocupação em olhar para onde ainda pouca gente olhou. Musicalmente provocador e socialmente agregador, é importante proteger o ZigurFest a todo o custo.


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