LP / Digital

zeroh

BLQLYTE

Leaving Records

Texto de Gonçalo Tavares

Publicado a: 30/06/2020

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Entramos em BLQLYTE como num arvoredo escuro, mergulhado em neblina. Sons selvagens irrompem ao nosso redor como os crepitares que adornam esta mistura. Seduzidos pelo mistério, não conseguimos perceber de imediato o que estamos a ouvir. À segunda faixa começa a se tornar evidente: este projecto, a par de ser catalogado com hip hop, tem motivações bastante distintas do que associamos ao género. No lugar de beats lineares no ritmo e na duração, há uma preocupação dominante de explorar o som como um todo, aproximando-o do trabalho do sound design. A música aqui é, em primeiro lugar, uma atmosfera. 

Em 0 Emissions, compilação de 51 faixas (!) e o primeiro lançamento de zeroh pela Leaving Records, já ouvimos esta composição inventiva de electrónica e ambiências, mas não tão imersiva como em BLQLYTE. Por entre as camadas de ruídos eléctricos e coros libertam-se harpas, pianos, sopros e sintetizadores, da mesma forma que a luz se desgrenha na capa. A produção segura rimas sobre divindades femininas (“Metacine”), experiências com psicadélicos (“Hydro”), mas também sobre rotinas de trabalho, expectativas e outros elementos pessoais. A voz, pouco perceptível, mescla-se neste caleidoscópio sonoro e tudo se une numa intenção meditativa. 

zeroh alimenta-se das suas dúvidas e angústias quando compõe e o resultado tanto cria experiências verdadeiramente introspectivas (“4D, Metacine”), como incursões agressivas, munidas de distorção (“Sworn Free”). “The Lord & Nature” e “Mudblood” quebram o ambiente com flows mais característicos, partindo de convidados como Low Leaf, FR/BLCK/PR ou Jeremiah Jae.  

BLQLYTE é o acrónimo de “Black Light”, e é essa sensação que nos ofusca ao longo da experiência. Um jogo de sombras e ao mesmo tempo uma colecção de atmosferas sonoras fervilhantes, este objecto habita na penumbra, longe dos olhares e dos standards da indústria. Não é um álbum para toda a gente, mas para quem está disposto a sentir, antes da metamorfose do género, o potencial criador e místico do som.


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