Amanhã é dia de estreias no Teatro Municipal Amélia Rey Colaço, em Algés. Tal como se revela em comunicado,
Beware Jack e
Chullage “estreiam-se na escrita para teatro”, Carlos Afonso “nos palcos” e Cláudia Semedo “na encenação”, formando assim o quarteto principal que dá vida a
Zé-Alguém. A primeira sessão está esgotada, mas, para já, ainda há bilhetes para as restantes 11 datas.
Depois de se encontrarem pela primeira vez numa faixa em “
Chakras“, tema que fez parte de
Classe Crua, a dupla de rappers divide as despesas com o intérprete do monólogo na hora de dar uma voz credível à ideia original da actriz e presidente da Companhia de Actores, que confessa ter sido “fácil” trabalhar em conjunto: “O Chullage e o Beware puseram o seu talento ao serviço do
Zé-Alguém e tiveram sempre a capacidade de ouvir e procurar pontos comuns e consensos para chegarmos a bom porto”. O autor de
Rapressão assume ainda a sonoplastia da peça, assinando como
soundslikenuno.
Para sabermos um pouco mais sobre este “espectáculo que questiona a família, o amor, o medo, Deus, a solidão, a validação do ser pelo ter”, fomos ao encontro (digital, neste caso) da encenadora, que, em quatro tópicos, desvendou um pouco do processo e do que vamos poder ver em cima do palco.
[A génese da ideia para a peça]
“Na minha rua vivia o Sr. Zé, um sem-abrigo com quem tive a oportunidade de privar e que me despertou a consciência para o lugar de invisibilidade a que votamos as pessoas que se encontram nessa condição. Ele tinha uns belos olhos cor de avelã e uma história trágica, que podia ser a de qualquer um de nós. A empatia foi imediata e a necessidade de falar sobre este tema, que há muito me inquieta, também.”
[A inclusão de Chullage e Beware Jack no projecto]
“Há três anos, quando a ideia de fazer este projecto se desenhou na minha cabeça, pensei logo no Chullage. As nossas histórias já se tinham cruzado, a minha admiração pelo olhar ciente e crítico e pela escrita lírica sem complacência era grande. Soube logo que queria alguém que escrevesse com aquela cadência de rua elevada a poesia. O Beware foi um bombom que me chegou pela mão do Carlos Afonso. Rendi-me imediatamente à sua forma de contar histórias, revestida de memórias vividas e narrativas imaginadas. Juntámo-nos os quatro algumas vezes, mergulhámos nas ruas de Lisboa, definimos as características da personagem e algumas situações e depois os criativos deixaram as palavras acontecer.”
[A atenção mediática para o problema dos sem-abrigo]
“Por acaso, pelos eventos que ocorreram em 2019, até acho que houve uma atenção bastante mediatizada sobre o assunto, mas continua a ser uma realidade à qual viramos a cara. Creio que a maior dificuldade desta problemática seja o facto de não ser linear. São muitos os cenários que levam as pessoas a esta condição. É preciso falar de saúde mental, de adições, de migrações, de construções sociais. Apesar das várias iniciativas que têm surgido e de algumas estratégias que se têm delineado, acho que ainda não houve uma discussão profunda que se traduzisse em acções e políticas de fundo que resolvam a questão estruturalmente. O teatro tem o poder de nos fazer pensar e de promover alguma discussão sobre os mais variados temas. Espero que o público que nos visite possa reflectir sobre o seu posicionamento perante esta condição órfã de afectos e de atenção.”
[A escolha de Carlos Afonso para protagonista]
“Há muito que acompanho o percurso do Carlos. O trabalho que ele desenvolve passa por muitas horas de interacção com e compreensão do tecido que cruza as ruas. A imersão nos universos em que habitam as personagens que criou sempre me sugeriu um trabalho de muita observação e entrega, com um espírito crítico e criativo muito aguçado. Era alguém assim que eu procurava. Felizmente as nossas disponibilidades cruzaram-se e conseguimos concretizar este trabalho juntos.”