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Publicado a: 27/06/2018

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[TEXTO] Gonçalo Oliveira [ARTWORK] Jezz

Há duas semanas tivemos Jay Rock à procura da redenção no seu terceiro disco de originais. Longe deste ser o “tal” aclamado LP que lhe faltava, o veterano da TDE continua à procura da fórmula ideal para veicular todo o talento que lhe reconhecemos. Numa outra realidade, YOUNGSTUD não difere muito do seu colega de profissão. Com escola no boom bap e nas suas sonoridades mais clássicas, acompanhou naturalmente a evolução do rap e abraçou o trap e a cultura bass sem pensar duas vezes. Mais: tal como Jay Rock, YOUNGSTUD é um daqueles artistas que acompanhamos (e admiramos) há algum tempo que apresenta consistentemente uma capacidade fora do normal na arte de articular palavras em cima de um instrumental.

E ainda não acabámos. A estes dois MCs também lhes faltava algo, o tal projecto marcante, um clássico na conta pessoal. Se Jay Rock tentou redimir-se de um passado artístico menos fervoroso, sem qualquer gota de arrependimento, YOUNGSTUD cultivou uma Aversão a esse mesmo passado pessoal e musical.

Até há um par de anos, Pedro Campos era mais conhecido como DaRootless, até ter riscado da Internet o seu próprio currículo. O objectivo era claro: começar do zero e “aproveitar” as novas sonoridades a captar a sua atenção, mas sem nunca perder de vista a tal perícia verbal que caracterizava os melhores artesãos da escrita rap em português. Yvng $tvd (agora estilizado YOUNGSTUD) criou temas e projectos a todo o vapor que serviram como uma chapada de luva branca no rosto de todos aqueles que rotulam o trap como música sem profundidade poética.

Mesmo com todas as edições que foi acumulando no seu YouTube — algumas até foram apagadas — faltava o tal ponto de viragem nesta nova persona de Pedro Campos. Faltava o tal virar das costas ao passado, esquecendo alguns dos seus antigos vícios criativos e colocar o dedo nas feridas, abrindo-as uma última vez para as retratar em temas.

 



Grande parte desta guinada de 180° dá-se logo no início do planeamento de Aversão. O lançamento de “WHATDUDE?” como aperitivo do EP fazia prever um YOUNGSTUD no seu estado natural — produção assinada pelo próprio numa faixa consistente mas ainda carente desse necessário lado mais conceptual. Tayob Juskow foi o primeiro a entrar em cena para arrancar com este urgente processo de coaching no estúdio NOIZ, local escolhido para a gravação do projecto. Maria, ele que, tal como Pedro Campos, também é de Alverca, era a peça que faltava para completar este puzzle, o cérebro que viria a dar o input final para que Aversão soasse a algo coeso da primeira à última faixa.

Com o trio fechado, YOUNGSTUD pôde abdicar de algumas das horas extraordinárias que faziam parte do seu processo de criação habitual, deixando a maioria da produção dos temas para os seus dois novos colegas. Os versos saíram a ganhar e, se já antes lhe reconhecíamos as letras sofridas e arrancadas a ferros, as palavras que emergiram para dar corpo a este Aversão vêm de um lugar ainda mais profundo do que aquelas que encontrámos em Safira, por exemplo.

Aversão mostra-nos Pedro na pele de Ranton, do clássico Trainspotting, depois de trancado no quarto pelos pais para iniciar o processo de desmame de heroína. “O shuttle é instável, a viagem não vai ser agradável / choro compulsivo e vómito como mescalina num copo de água”, antecipa em “Shuttle”, o tema que dá arranque ao EP.

YOUNGSTUD aborda os conflitos que moram na sua mente de um ponto suficientemente distante para que estes nos soem o mais à flor da pele possível. Tão longe quanto baste para que se possa observar a si mesmo de um ponto-de-vista externo sem que os problemas lhe atrapalhem a escrita e, no entanto, perto o suficiente para que as manias e depressões fiquem ainda assim cravadas nas letras destes seis temas.

Aversão é um cocktail de drogas de prescrição e outras tantas consideradas ilegais, que se torna altamente explosivo quando a personalidade múltipla de Pedro entra em cena numa sedutora mas perigosa dança dos sentidos, ora pela ressaca de substâncias, ora pelo abuso das mesmas para escapar por momentos à realidade que o prende à Terra. “Dá-me Um Pill” é a balada perfeita para resumir este estilo de vida tão boémio como nefasto, sem nunca deixar de lado a essência que faz de YOUNGSTUD um MC com conta, peso e medida, um “poeta maldito, adito compulsivo como o Álvaro de Campos.”

 


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