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Publicado a: 30/06/2017

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[TEXTO] Nuno Afonso

Rodeado de manequins, candelabros e uma corda no chão, Young Thug apresenta-se no centro desta “natureza morta” de guitarra acústica em riste. O cenário em si é suficientemente inusitado, mais ainda se observarmos que o corpo do rapper de Atlanta se apresenta representado apenas a meio, como uma miragem poética ou um desleixado trabalho de Photoshop que ficou a meio. Como sempre, nunca nada é exacto, factual; há sempre espaço para a especulação, para uma complexidade que de resto se tem tornado omnipresente na sua vida e obra.

A capa do seu novo álbum Beautiful Thugger Girls abre as primeiras portas para um muito conjecturado trabalho. Na verdade, muitas das canções aqui presentes já antes teriam visto a luz do dia, mas de forma fragmentada por redes sociais como Twitter ou Snapchat. Porém, ninguém poderia imaginar com alguma precisão o que realmente estaria para vir – e Young Thug obviamente alimenta e extrai o que melhor pode dessa expectativa. Afinal trata-se de um dos rappers mais controversos e mediáticos do momento, detentor de uma mística inimitável.

Naquele que é o seu disco mais próximo de um noção pop, reservam-se porém alguns dos elementos perfilares que fizeram dele a persona que hoje é celebrada. Certamente que não se trata de seguimento de Barter 6, nem nunca tal seria possível. Beautiful Thugger Girls revela-se sim como conjunto de canções quase aleatoriamente dispostas, ou seja, sem uma lógica maior de alinhamento como acontecia anteriormente. Menos fluído desse ponto de vista, as formas abstractas e líquidas de outrora tomam agora um corpo de definição e cor.

 



Ainda assim, a envolvência emocional continua a trajar os versos, mesmo quando a veia bazófia ameaça espreitar (“Aye, I’m makin’ big ol’ plays/Stackin’ that Frito-Lay, just for my baby”, confessa a dada altura em “For Y’all”). Tratado de amor e fidelidade, juramento de vida louca ou carta aberta a si próprio; qualquer uma das intenções é passível de justificar Beautiful Thugger Girls.

Em todo o caso, não haverá mais nenhum artista este ano a confundir o seu público como ele. Os primeiros segundos da faixa de abertura “Family Don’t Matter”, traz uma brisa inequivocamente country em que o dedilhar nas cordas abre caminho para um breve, mas surreal, “Yeee-Ha”, qual cowboy galopando veloz pela planície. Millie Go Lightly é a voz feminina convidada para a ocasião e apresenta-se como uma (outra) carta claramente fora do baralho. A magia disto, qual será? É que afinal – por muito que custe entender e admitir – tudo bate certo. Desafiando a estrutura da lógica, a regra do bom gosto e até da própria sensatez.

 



“Tomorrow Til Infinity” volta a colocar-nos no trilho familiar de Thug, em que a melodia repetitiva e sombria assola o flow energético e imprevisível que tão bem o espelha. Por instantes, parece uma revisitação a Barter 6 – e essa é e será uma boa sensação. Não pelo óbvio apelo familiar, e o conforto que isso traz, mas pelo teor simultaneamente lascivo e ameaçador, capaz de provocar mil e uma estórias numa mente minimamente fértil.

Dois temas adiante e entramos com pés assentes num território agridoce de r&b. “She Wanna Party” aporta um potencial êxito de verão para jovens californianas numa obrigatória viagem pela Europa após um sofrido término de relação (traz mágoa e hedonismo em doses semelhantes): “Fucked her good, now her heart is in my pocket / Her heart beatin’, mind racin’, but we gotta pace it”. O mood mantém-se apaziguador em “Daddy’s Birthday”, numa produção inspirada e delicada, até alcançarmos a pista de dança montada em “Do U Love Me”. Aí o movimento corporal em câmara lenta é forçado a um maior vigor, numa aproximação ao ritmos latinos no geral, e mais especificamente a um reggaeton dissimulado. Não acrescenta nem retira algo de concreto ou essencial às restantes canções, todavia reforça a importância do registo cantado em Beautiful Thugger Girls.

 



Em “Relationship” o contemporâneo Future junta-se ao anfitrião num delírio sentimental pleno de detalhes de ostentação e luxúria, expressando um vazio final perante a abundância. Se a pop tende a ser confessional, esta é sem dúvida a expressão pop de Young Thug. Entre mais incursões com a guitarra em fundo, “Me or Us” é honestamente um momento esquecível, lado a lado a uma mediania que une temas como “You Said”, “Feel It” ou “Get High”, convocando Snoop Dogg e Lil Durk para a reunião. “I take you from the stars, take you to my world”, escuta-se em jeito de promessa.

O caribe de “For Y’all” volta a dividir sentimentos em seu redor e não seria de todo surpreendente se um dia os Black Eyed Peas pedissem justificações de autoria ao jovem rapper. Vale o que vale. É mais do que provável que venha a afastar alguns ouvidos, e por sua vez, a aproximar tantos outros. Contudo, existem três certezas em seu redor: o fluxo de trabalho é constante, a sua liberdade criativa imensa e a qualquer minuto poderá diluir estas tendências para recriar algo necessariamente distinto. Só o tempo o dirá.

Até lá, Beautiful Thugger Girls posiciona-se como exercício inventivo, bravo pelo arrojo (sério ou não) e como os grandes artistas, capaz de suscitar sensações antagónicas com a sua obra. Existem apontamentos a reter por aqui, mas de um modo geral, anseia-se mais perigo para o futuro. Após uma proposta inicial assim, o que esperar daqui adiante?

 


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