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Publicado a: 24/03/2018

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young fathers review

[TEXTO] Rui Correia

Enclausurados, misteriosos e imprevisíveis, assim surgem, em 2008, os Young Fathers — grupo formado por três amigos de longa data, Alloysious Massaquoi, Kayus Bankole e Graham “G” Hastings –, cantando, “rappando”, enfim, iluminando a pop pelo obscurantismo (paradoxal? A contradição está no cerne do ser humano). Os primeiros lançamentos com os EPs Tape One e Tape Two — pela editora americana Anticon em 2013 e recentemente reeditados em 2017 pela Big Dada (casa de artistas como Run The Jewels, Kate Tempest ou Roots Manuva) — começaram por revelar a primeira vaga de fanatismo por um corajoso novo mundo habitado em Edimburgo, Escócia. Símbolos disso são os prémios arrecadados: o SAY Award em 2013 (álbum escocês do ano) atribuído a Tape Two e o Mercury Prize em 2014 (atribuído ao melhor álbum do Reino Unido e Irlanda) dado ao álbum de estreia Dead.

O conhecimento do público generalista não tem sido acompanhado na mesma medida que o fervor melómano e a crítica positiva generalizada apesar de em 2018, dez anos após a sua formação, editarem o seu terceiro disco de originais Cocoa Sugar, sucessor do álbum White Men Are Black Men Too. Os últimos apontamentos de maior visibilidade vieram, sobretudo, das colaborações com Massive Attack — no EP Ritual Spirit e na tour que os levou a pisar o palco, por exemplo, no Super Bock Super Rock em 2016 — e do enorme louvor prestado pelo realizador Danny Boyle na carismática sequela de Trainspotting, destacando-os com três faixas na banda sonora do filme.

Com tanto amor demonstrado pelo grupo, deve-se começar a estranhar… Infelizmente, o ódio destilou, quando os Young Fathers foram recentemente convidados pelo Scottish National Portrait Gallery para uma performance em resposta à exposição Looking Good que explorava a aparência e a identidade masculina. Um exercício interventivo de humanização acabou desfalcado por uma corrente de comentários ultra-nacionalistas que os tornou párias da pátria. Moral da história: “não se pode agradar a gregos e troianos”. Mas terá a história servido de lição?

Cocoa Sugar é um acto de renascimento e de unificação. Dentro da sua linhagem discográfica, o intuitivo processo criativo do trio resulta fortalecido no novo álbum, captado por letras que evocam clarividência (“I’ve never seen wicked ones face their fears/ Yet I’ve always seen brave men filled with tears” cantam na faixa introdutória See How), abrindo uma janela à amplitude das emoções (“tremolo my soul” evocam em Tremolo). Todas as músicas são embebidas num experimentalismo sonoro (“normal”, no caso dos Young Fathers), de onde sobressai maquinaria analógica de ritmos frenéticos e rígidos (os temas Wow e Toy são excelentes exemplos disso), contrabalançada por pianos delicados e ambientes tão angelicais como gélidos (sente-se no single Lord).

Este é um disco que vive de dualidades, um yin-yang musical que reflecte o historial do trio escocês e que serve bem de ponto de partida para novos ouvintes. A críptica imagem que se apresenta na capa deste registo é só mais uma mensagem de disfarçada lucidez assente no seu percurso: baseia-se num dos cartazes oficiais do filme Midnight Cowboy de 1969, uma história elencada, à época, por dois jovens actores — Dustin Hoffman e Jon Voight — que estão incumbidos de nos mostrar que a ingenuidade se esvai no caos de uma cidade (Nova Iorque) superpovoada e individualista, em que só a amizade mantém à tona a sanidade das personagens. Intencional ou não, no contexto da banda, entende-se a referência: o sentido de pertença é o motor para a arte e vida dos Young Fathers.

 


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