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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 10/08/2023

No caminho para o primeiro álbum, a cantora dominicana criada em Itália passou por Portugal.

Yendry: “Esta é a vez da música latina”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 10/08/2023

Nascida na República Dominicana mas criada em Turim, em Itália, Yendry tem sido um dos nomes a emergir nos últimos anos na vaga de artistas latinos que reinventam a tradição e a levam para o universo pop e electrónico contemporâneo.

Tornou-se conhecida aos 19 anos após participar na versão italiana de X Factor, tendo depois sido a vocalista da banda Materianera, onde cantava em inglês. Em 2019, lançou-se a solo, começou a explorar o espanhol (a sua língua materna), e os ritmos latinos do seu país de origem. Não demorou muito até conquistar o tão desejado reconhecimento artístico e a encantar um público internacional.

Enquanto viaja pelo mundo em digressão, Yendry tem vindo a preparar o seu primeiro disco a solo. O Rimas e Batidas falou com a artista de 30 anos nos bastidores do NOS Alive, algumas horas antes de a cantora brilhar no Passeio Marítimo de Algés.



Nos últimos anos, começaste a tua carreira a solo e tens-te voltado a ligar às tuas raízes dominicanas. Como é que explicas a importância que tem explorares isso na tua música? E como e quando é que te começaste a aperceber disso?

Acho que, ao crescer enquanto dominicana em Itália… Na adolescência não foi fácil lidar com isso. Porque conhecia as minhas raízes, mas, como adolescente, estás à procura da tua identidade. E acho que foi necessário para mim voltar, por mim própria, sem a minha família, e viajar pela ilha e ver como é que as pessoas vivem e de onde é que eu venho, do meu próprio ponto de vista. Para depois entender quem eu sou. Enquanto adolescente, foi difícil para mim perceber isso… Embora fosse completamente dominicana, cresci com a cultura italiana, andei lá na escola, todos os meus amigos estão lá, a minha família ainda vive lá… É uma grande parte de mim. E tudo isto de descobrir as minhas raízes reflectiu-se automaticamente na minha música. Foi algo natural. Eu costumava cantar em inglês, e depois cantei uma vez uma canção em espanhol e… Fiquei com arrepios. Senti que havia algo na minha voz quando cantava em espanhol e quis explorá-lo.

E em casa, com a tua família, a viver em Itália, costumam falar em espanhol entre vocês?

Falamos italiano e espanhol, é uma mistura. Quando vives num sítio, é difícil manter as coisas separadas [risos]. O meu padrasto também é italiano.

Sempre sentiste que também pertencias a Itália?

Depende. Sempre senti que sou uma outsider, porque não sou realmente italiana. Acho que as coisas também mudaram em Itália à medida que fui crescendo, e que a percepção das pessoas sobre os estrangeiros é diferente. Quando estou em Itália agora, sinto-me uma italiana, mas ainda há senhoras idosas que vêm falar comigo convencidas de que não falo italiano por causa da minha aparência. Isso ainda acontece. É uma questão de tempo e as próximas gerações já estarão mais habituadas a isso.

E quando voltaste à República Dominicana, aquilo que viste e (re)descobriste coincidiu com as ideias que tinhas sobre o teu país natal?

Como adulta, pude ver o bom e o mau. Antes só ia à casa da minha família e ficava por lá, naquela pequena bolha. Agora tenho mais noção sobre o melhor e o pior do país. Mas acho que coincidiu, sim. E sinto-me em casa, lá.

E inspirou-te artisticamente.

Sim, aquilo tem uma grande onda. Há sempre muita coisa a acontecer: a música, os ritmos, a paixão que as pessoas têm pela música, o sentido de comunidade que existe lá que é muito forte… Adoro isso tudo sobre o meu país.

E, obviamente, a língua espanhola tem vindo a ganhar uma preponderância na indústria global da música, que tradicionalmente sempre foi muito orientada para os padrões anglo-saxónicos. Como é que encaras esta mudança de paradigma?

Sinto que, mais uma vez, é uma questão de tempo. E todos os tipos de música têm a sua época de ouro. E acho que esta é a vez da música latina. E, há alguns anos, quando falávamos em música latina, as pessoas só pensavam em reggaeton. Mas é música cantada em espanhol, por isso podem ser muitas coisas diferentes: a cumbia, a bachata, o merengue, a salsa… Há imensa coisa.

E também cresceste com essas sonoridades em casa?

Definitivamente, a minha mãe ouvia muito. E o meu pai ouvia mais pop em inglês. 

E acabaste por fundir ambos.

Sim [risos], sou uma mistura de ambos. Quando chegas ao estúdio, nem pensas nisso. As melodias a que estás habituada simplesmente saem. Acho que sou uma mistura de tudo aquilo que tenho ouvido. 

Este ano, lançaste os singles “La Puerta” e “Herrera”. O que é que estas canções significam para ti e como é que as descreverias?

“Herrera” é uma bachata. É o nome do bairro onde nasci e onde a minha mãe viveu até aos 25 anos. Eu estava com receio de abordar um género tão tradicional. Porque, sabes… Vocês aqui têm o fado, não é?

Sim, exacto.

E estas músicas tradicionais têm as suas regras, as pessoas não estão habituadas a que os artistas as alterem, por isso fiquei um pouco preocupada com isso. Mas depois apercebi-me de que havia outros artistas novos a fazerem bachatas, e percebi que as pessoas estavam preparadas para as receber. E estou muito orgulhosa dessa, a “Herrera”. Tenho uma bachata que posso cantar em qualquer sítio do mundo e é isso que a música deveria ser. No último ano toquei-a num festival de música electrónica na minha cidade, em Turim, e os meus amigos a dizer-me: “uau, tocaste uma bachata aqui, isso é incrível”. Estou a poder fazer aquilo que quero fazer, que é misturar culturas, e estou feliz. A “La Puerta” também é super pessoal. Escrevi-a há dois anos, quando o meu avô faleceu. Lembro-me de estar em Los Angeles e não tinha tempo para regressar e vê-lo antes de ele partir. Essa canção foi escrita com base naquilo que estava a sentir naquele momento. É mesmo muito pessoal. Alguns artistas não lançam ou não partilham estas coisas, mas muitas pessoas identificaram-se com a música, por isso fiquei feliz.

E costumas ter dúvidas sobre o que deves ou não partilhar na tua música? Ou para ti não é uma questão?

Não é bem uma questão para mim. Já foi, no passado, mas desde que comecei a escrever sobre as minhas próprias experiências que me apercebi de que isto funciona sempre. Vai haver sempre pessoas que se vão relacionar, por isso faz sentido. Não tenho medo de transmitir as minhas emoções e aquilo que sinto. E acho que isso é algo poderoso, enquanto artista.

E sentes que, quando cantas em espanhol ou usas ritmos latinos, é mais fácil chegares a esse âmago mais profundo e emocional?

Acho que não muda muito. Acho simplesmente que é mais fácil para mim escrever sobre coisas pelas quais já passei. Estou a ficar melhor a escrever outras coisas, mas apercebi-me de que escrevo muito mais rápido quando é algo pelo qual passei. 

E estavas a mencionar há pouco a forma como os dominicanos recebem a tua música. Em geral, são um público tradicional ou estão bastante de mente aberta para ouvirem coisas novas?

Acho que está a mudar. Obviamente, ouvem muito os géneros tradicionais. Mas há uma nova geração, uma nova vaga de artistas independentes a fazer música indie, a experimentar mais, e a abrir-se para sonoridades internacionais. Por vezes, veem-me como uma artista internacional, porque venho da Europa. O que é estranho… Mas toquei lá num festival este ano e o amor foi incrível. Não estava à espera. Toda a gente estava a cantar todas as canções e a divertir-se com a minha música, fico contente que tenha sido tão bem recebida.

E de certeza que há muitas pessoas que também te acolhem como uma dominicana.

Sim, exacto. E cada vez mais. Tem sido um processo longo, também para mim. Nunca me sinto completamente dominicana, nem completamente italiana. Estou sempre a viver num limbo. Mas é bom que eles tenham orgulho de mim, que eu esteja a mostrar a minha cultura e a minha arte, e que eles digam: ela é dominicana, está a representar-nos pelo mundo. Fico feliz com isso.

Estes dois singles vão fazer parte de um álbum que estás a preparar?

Estas duas canções vão fazer parte do álbum, que está a ser trabalhado, sim. Está quase pronto, mas quero certificar-me…

Ainda vai sair este ano?

Sim, este ano ainda, preciso mesmo. E algumas das músicas já fiz há uns dois anos e quero certificar-me de que estão actualizadas em relação àquilo que sou agora, à forma como me sinto e ao meu projecto no geral. E também tem de estar actualizado em relação ao tempo… Não pode soar antigo. 

E o álbum terá algum conceito específico que possas desvendar?

O álbum é sobre tudo aquilo que tenho vindo a passar nestes anos. Obviamente, fala sobre viajar, porque é o que tenho feito, e sobre a dificuldade de encontrar um lar. Quando estás em todo o lado, e és de duas culturas, é mais difícil sentires-te em casa. Vai ser muito sobre isso. E como é o meu primeiro álbum, quero certificar-me de que vou incluir todas as minhas facetas, as várias partes da minha personalidade… Escrevi sobre as minhas lutas e aquilo que se estava a passar na minha vida nestes anos.

E como é que costuma funcionar o teu processo criativo?

Depende das pessoas com quem estou a trabalhar e do meu estado de espírito. Às vezes começo com poemas, outras vezes começo com beats ou com algum som de que gostei… Às vezes gravo coisas no dia a dia. Vai mudando. Na música, tens de te permitir a ser o mais experimental possível. É um laboratório, tens de testar.

Já colaboraste com o Damian Marley e o J Balvin, nomes de peso nas suas áreas musicais. Com quem farias uma colaboração de sonho?

Adorava trabalhar com o Kendrick Lamar. E o Caetano Veloso é outra pessoa com quem sinto que poderia fazer uma boa canção. Só uma guitarra e a voz… É a essência da música. Gosto muito dele. 

Quais dirias que são as principais ambições que tens para a tua carreira?

Diria continuar a gostar do meu trabalho, porque é difícil nesta indústria manter a paixão. Obviamente a paixão pela música vai sempre estar lá, mas para o trabalho é diferente. Mas adorava poder continuar em tour, a levar a minha música para todo o lado que possa, durante muitos anos. E quero estar orgulhosa da música que faço e lanço. Acho que isso é o melhor que um artista pode pedir.


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