LP / Digital

Yelfris Valdés

For the Ones...

Música Macondo Records / 2019

Texto de Manuel Rodrigues

Publicado a: 10/10/2019

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Muita coisa poderá ser dita sobre For the Ones…, álbum que junta jazz, electrónica, cantos espirituais e ritmos latinos ao longo de 38 férteis minutos. A primeira é de que este é o claro desaguar das vivências do trompetista Yelfris Valdés. O músico, nascido em Cuba mas radicado em Londres, conta com um extenso historial de projectos musicais e colaborações com outros artistas. Além de ter começado a tocar profissionalmente aos 16 anos, enquanto membro dos Sierra Maestra, grupo responsável pela fundação dos Buena Vista Social Club, Valdés integrou os Ariwo, um colectivo cubano/iraniano focado na intersecção entre música electrónica e ancestral. Junte-se a isto ainda a particularidade de já se ter conectado com nomes como Yussef Kamaal, Moses Boyd, Nubya Garcia, Cucho Valdés, Billy Harper e Charlie Hunter, entre outros.



Existe também todo o lado religioso inerente que já havia marcado presença no seu primeiro EP, The World of Eshu Dina, de 2018. Yelfris Valdés centra a sua espiritualidade na tradição Ioruba, religião de origem africana – encontrada em países como a Nigéria, o Benim e o Togo – que atravessou o Atlântico no período de colonização e escravatura e influenciou outras religiões como a Santeria, em Cuba, e o Candomblé, no Brasil. “Enquanto Santero, as crenças nos orixás ajudaram-me a melhorar a fé no dom da vida e nas coisas que realmente importam para mim: família, verdade e a distribuição de energia e acções positivas. São poucos os que receberam esse conhecimento e, enquanto músico cubano que vive no exterior, sinto que é o meu dever espalhar essa mensagem e expandi-la numa nova direcção, conectando-me a uma gama mais ampla de estilos musicais”, pode ler-se no página do Bandcamp do artista.

É por isso normal que For the Ones… seja um álbum muito rico a nível de conceito e estrutura. “After Sly”, um dos primeiros singles apresentados, demonstra-o bem. O arranque de baixo, percussão e trompete (embebido em muito reverb) é somente o presságio de uma autêntica reunião instrumental. Ainda antes da chegada do segundo minuto, uma cama de piano faz o sustento harmónico que, passado pouco tempo, estende a passadeira a uma melodia de trompete mais activa e menos ambiental (pouco reverberada neste momento). Essa melodia desemboca, logo a seguir, numa progressão de notas de teclado que rapidamente nos transportam para as sonoridades latinas, prontamente correspondidas pela percussão e, já perto do final, pela vocalização do próprio Valdés.



Há também o lado electrónico de “Red Eclipse” que concede ao álbum características viajantes, de levitação, auxiliadas pelo crescendo de sintetizador que acompanha a música até ao final. É uma canção que, de certa forma, entra em conformidade com a capa do disco. Ainda na sua página de Bandcamp, Valdés explica que o artwork criado pelo artista espanhol Fran Rodriguez é inspirado “na alteração de estados de consciência no seguimento de experiências místicas e transcendentais que podem ser alcançadas das mais diferentes formas: através da música, meditação, amor, substâncias psicadélicas, etc. A imagem representa o exacto momento em que passas para o outro nível. A iluminação, a transcendência”. Viajar sem sair do mesmo sítio, portanto.



Mais terrestre é “Canto Congo”, acappella de abertura que homenageia as ancestrais origens africanas de Valdês. Na mesma nuance chega-nos “Aceleyo Aña” – traduzido do Ioruba para “divindade da percussão” –, uma canção que, apesar dos apontamentos electrónicos, se faz valer do trompete, das vozes e da percussão para criar um imaginário tribal de pés assentes no chão, assim como em “Maktub”, na qual o anfitrião se junta ao artista marroquino Simo Lagwani, tocador guembri (ou sintir, um instrumento de três cordas de sonoridade grave utilizado na música gnawa). A ideia prossegue com “Ancestry” e “Full Moon”, as quais contam com a participação vocal do cantor senegalês Moudo Touré.

Sensivelmente a meio caminho da audição, que coincide também com o meio-termo da dicotomia entre a faceta terrestre e a viajante do disco, encontramos “Carmen”, um percurso hipnótico em que o protagonismo é entregue ao trompete de Valdés e aquilo que se julga ser um órgão sintetizado. É uma canção que, dadas as duas vertentes, acústica e electrónica, pode ser ao mesmo tempo interpretada enquanto oração de índole religiosa ou melodia para planar nas odisseias propostas pela pessoa que desenhou a capa. Um belo disco.


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