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Fotografia: Nina Manandhar
Publicado a: 15/07/2023

Com um novo projecto na bagagem.

Yazmin Lacey antes do concerto no Matosinhos em Jazz: “Há uma união muito forte entre os músicos de Londres”

Fotografia: Nina Manandhar
Publicado a: 15/07/2023

Yazmin Lacey lançou este ano o seu muito aguardado álbum de estreia, Voice Notes, confirmação do talento que já tinha ficado evidente em projectos de menor fôlego, como o EP Morning Matters. Numa ligação Zoom, a cantora mostrou-se muito animada, nitidamente feliz por se poder apresentar ao público português com as suas novas canções. O álbum inspira-se nas notas áudio que foi tomando no seu telemóvel, nas ideias que foi documentando e que posteriormente trabalhou num processo que, diz ela, foi muito intuitivo e natural. Mais logo, no Matosinhos Jazz, vamos todos poder aplaudir o resultado dessa muito pessoal aventura criativa.



O Voice Notes já saiu há uns meses. Como diria que as pessoas se estão a relacionar com o disco?

Como é que as pessoas se estão a relacionar com ele? Sabe que eu, quando lanço uma coisa nova, acabo por me desprender dela. Eu tento não pensar muito sobre o que é que as pessoas possam estar a achar do disco. Eu sou capaz de dar uma entrevista, mas depois não vou lê-la nem às opiniões que lá estão. As pessoas estão a gostar das músicas e isso deixa-me contente. Mas uma coisa que me surpreendeu foi a forma como as pessoas se reviram no “Flylo Tweet” — eu não estava à espera disso.

Ia perguntar-lhe precisamente sobre isso [risos].

Até mesmo outros músicos me disseram que adoraram a faixa de introdução. Há pessoas que se revêm naquilo, outras que sentem ainda mais o que está ali a ser feito, etc. Essa foi a coisa mais surpreendente de todas. Julgo que por muito grande que seja um determinado artista, ele vai estar a partilhar parte da sua alma quando lança um novo trabalho. Vai haver gente que se vai sempre conseguir rever, nem que seja por um bocado, naquilo que eu falo na “Flylo Tweet”.

E nas outras também, certamente. Mas nessa faixa em particular, a voz foi gravada durante uma entrevista? Dá a ideia de que está à conversa com alguém, que não está a falar para si mesma.

Estava a falar com o meu amigo Isaac, com quem escrevi uma parte do álbum. Ele é produtor e assina como Melo Zed. Eu estou a falar sobre música, mas estavam a passar-se certas coisas na minha vida pessoal nessa altura. Mas falo dessas coisas de forma não específica. Sou eu a falar de onde estou, do que ando a fazer. E estava a falar com o Isaac.

E o Flying Lotus já se veio pronunciar sobre o título desse tema?

Não! Eu estou a tentar que… Noutro dia toquei num festival australiano em que ele também estava. Houve alguém que postou sobre esse tweet do Flying Lotus e eu expliquei que foi esse tweet que despoletou a minha cena toda. O tweet já é bastante antigo e surgiu numa conversa com o Zac. Eu não sei se o Flying Lotus já escutou o tema, mas eu adorava que ele o fizesse!

Estou certo de que irá ouvir. Este Voice Notes é o seu álbum de estreia e sai numa altura em que a música é consumida sobretudo nas plataformas de streaming, com as pessoas a escutarem playlists e não necessariamente álbuns inteiros. Obviamente, acredita que esse formato de álbum continua a fazer sentido?…

Sim. Eu diria que o streaming mudou por completo a forma como as pessoas recebem a música. Até mesmo para mim. Também ouço playlists com canções soltas. Mas eu sou do tempo em que se tinha o CD numa caixa, abria-se a caixa e lá dentro estavam as letras, todas essas coisas. Na minha mente, quando penso em criar um álbum é só isso que eu quero fazer. E sabe que mais? Eu queria ter posto pequenos skits pot todo o lado, entre faixas, neste álbum. Acabámos por não conseguir isso, mas eu adoro o formato. É um formato que ainda faz sentido se se tiver a paciência para sentar a escutar aquele artista durante um determinado período de tempo. Mas também gosto de alguns daqueles álbuns mais curtos. Há aí álbuns com uns 24 minutos de duração, não é?

Verdade…

Eu alinho nisso. Eu sempre quis fazer discos como aqueles pelos quais me apaixonei.

Realmente, quando fui ouvir o álbum, e sobretudo tendo em conta o tema de abertura, o “FlyLo Tweet”, fiquei à espera de encontrar essas “voice notes”, esses apontamentos que todos gravamos nos nossos telemoveis, espalhados ao longo do alinhamento…

Eu pensei muito sobre isso. Neste momento eu ainda sou uma artista que escreve sobre a exploração de si mesma. Muitas das coisas sobre as quais falo, são coisas pelas quais estou a passar ou pelas quais acabei de passar. Especialmente neste disco. Achei que o disco já estava tão pessoal… Não quis dar mais do que aquilo [risos]. Nós seguimos muito essas notas vocais, até porque eu converso muito com os músicos e produtores e vou mesmo tomando notas, gravando essas impressões, e algumas delas são tão pessoais… Senti-me um pouco tímida para dar mais do que aquilo que dei. Havia muitos áudios guardados no meu telefone, até mesmo pela forma como nós comunicamos, co mensagens de áudio enviadas pelo whatsapp. E eu gravava essas notas já sabendo que elas haveriam de ser guardadas numa pasta para serem mostradas às pessoas. Quando andámos a escutá-las, eu lembro-me de achar que não sentia aquilo natural. Ou seja, não foi algo que simplesmente aconteceu no momento e essa é a forma como eu mais gosto de trabalhar, gosto de confiar nessas decisões. Por isso, acabei por tirar essas “voice notes”, mas talvez o segundo álbum tenha isso [risos].

Então e quando é que chegou a altura em que pensou: “Já fiz um par de EPs, está na altura de editar um álbum”? Quando decidiu fazer este disco, já tinha em mente um conceito a seguir?

Houve uma altura em que pensei: “Se calhar está na altura de fazer uma obra mais extensa, um álbum.” Mas só senti a pressão quando as pessoas me começaram a fala: “Com que então vais fazer o teu primeiro álbum. Esse vai ser dos grandes! Meu deus! Com quem vais trabalhar? Quais as colaborações? Vais ter um contrato discográfico?” Todas essas coisas… Isso soa stressante. Foi a primeira vez no meu processo em que passei a ter de estar à conversa com muitas pessoas sem estar realmente a fazer música. Eu não estou acostumada a falar, mas sim a entrar em estúdio e deixar lá tudo. Acabei por nem fazer nada. Depois disso voltei à estaca zero. O termo Voice Notes, eu nem sabia que ia desempenhar um grande papel no álbum. Foi uma ideia que tive um dia e pensei: “Vai ser isto!” Rabisquei aquilo que poderia ser a capa e disse à minha manager: “Vou começar a fazer este álbum.” Ela deu-me o ok e, depois, a coisa foi ganhando vida no estúdio. Eu não tinha quaisquer indicações quanto a como é que iria soar. Só tinha em mente um par de pessoas com quem queria colaborar, em relação às quais me sentia segura para poder explorar. Depois disso foi só tocar. Eu sinto que se estivesse demasiado focada nessa ideia de fazer um álbum, as canções que eu faria seriam diferentes. “Se vais fazer um álbum, é este tipo de músicas que tenho de fazer”. Foi divertido poder contornar isso e fazer coisas como o “Late Night People” — não deixo de ser eu ali, mas é uma sonoridade um bocado diferente do que tinha apresentado antes. Há outros temas, como o “Tomorrow’s Child” ou até mesmo o “Sea Glass”, que é tão relaxado — eu creio que nunca teria feito esse tema se estivesse demasiado focada nessa ideia de que o álbum teria de soar de determinada maneira.

Há escritores que referem que os seus livros começam pelo título, que decidem o título antes de escreverem uma única linha ou até mesmo antes de pensarem na história. Consigo aconteceu o mesmo…

Sim. Eu sabia que aquele ia ser o título. A maior lição que eu aprendi com este álbum é a de que eu tenho de ter fé no processo. Tenho mesmo de acreditar no processo, ainda antes das coisas se começarem a compor. Mesmo a capa do disco: foi algo que me surgiu muito naturalmente depois de eu ter as composições. Eu falo muito com a minha agente — não é aquela coisa demasiado corporativa — e disse-lhe que não queria tirar uma foto para aparecer capa do disco. Estava a sentir-me super-protectora de mim mesma e não era uma coisa que quisesse fazer, ser apanhada pelas câmaras. Quando estava em casa dela, vi uma foto dela com a filha e o companheiro, tirada numa daquelas máquinas de fazer fotos tipo passe, que funcionam com moedas… E pensei “É isso! É dessa forma que eu quero fazer a minha capa”. Ela concordou e ainda por cima era uma coisa super-barata, que custava tipo umas 6 libras [risos]. A partir daí ditámos a ideia para o álbum, que é muito pessoal. Depois foi tudo muito natural. Mas para a capa final, acabámos mesmo por fazer uma sessão com um fotógrafo, que foi muito amável e isso fez-me sentir muito mais confortável. Mas isto são coisas que não se planeiam, pelo menos para mim, que não sou esse tipo de artista que consegue ter a visão da coisa no seu todo. Fico contente porque surgiram algumas surpresas ao longo do caminho. Mas é mesmo uma questão de confiar no processo, de confiar nos altos e baixos do percurso que a tua arte toma. Ao terminar este disco, fiquei muito mais confiante e estou entusiasmada para voltar a fazer mais música.

Para fazer estas músicas escolheu uma equipa bastante forte. Pode falar-me dos recursos humanos que conseguiu reunir para este álbum?

Eu posso ser uma artista a solo e as pessoas dizerem-me que a minha música é espantosa, mas é de facto necessária toda uma equipa para dar vida a isto. E uma das minhas coisas favoritas de todo este processo foi estar com essas pessoas maravilhosas em estúdio. O Melo Zed é um produtor fantástico… tive-o a ele, ao JD Reid, o Dave Okumu, claro, que foi quem me ajudou a consolidar todas as faixas no álbum. A cena que eu mais gosto nos produtores de agora é que eles são produtores, terapeutas, gerem todo um ambiente propício à expressão artística… Foi tão encantador. E tem graça, porque quando me perguntam quanto tempo demorei a fazer o disco, eu diria uns 18 meses ou talvez um bocado mais. Mas o tempo em que realmente estivemos a criar música foi mesmo muito curto. Nós falámos bastante durante esse tempo! O ambiente era tão confortável que… Eu não quero passar a ideia uma ideia errada disto, mas digo que foi fácil porque fluiu entre nós. Nós passámos horas a rir-nos no estúdio dele, a falar sobre a vida… A dada altura, lá dizíamos: “Será que podemos fazer alguma música agora?” Depois era só tocar e divertirmo-nos. Eu aprecio muito essas pessoas com quem pude trabalhar. Sinto que toda a música é muito pessoal também por termos criado esta ligação tão forte.

Diz ter demorado um ano e meio a concluir o disco. A arte é aquilo que acontece enquanto estamos ocupados a viver, não é?

É isso. Exactamente! Eu acredito muito que… Eu não tinha propriamente o sonho de fazer música desde criança, meio que vim aqui parar em 2007. E agora esforço-me mesmo muito por isto, até porque não sou daquelas pessoas que vai a estúdio todos os dias nem faz música todos os dias. Se algo me inspirar realmente, eu vou tirar notas disso, é garantido. Mas não estou constantemente a tentar fazer coisas para lançar — nada disso. Eu só estou ocupada a viver e a arte vai acontecendo — seja por conversas com amigos, por ir sair e dançar com estranhos, mudar de cidade, atravessar momentos de dor. Depois só tenho de capturar tudo isso no último segundo. As pessoas perguntam-me o que vou fazer a seguir e eu não sei — preciso de viver a minha vida e depois logo vemos [risos].

Que me pode dizer sobre a banda que vai trazer para Portugal? E presumo que o Voice Notes seja o projecto a que dará destaque durante o concerto.

Sim. Eu vou tocar muitas dessas coisas novas. Talvez inclua um par de canções das mais antigas, porque sei que há quem goste delas. Mas eu gosto de caminhar em frente e não olhar muito para o passado. A banda é incrível e estamos a divertir-nos imenso. Tenho a Sarah Tandy nas teclas, que é uma artista e pianista de jazz incrível, com quem já trabalho há uns 5 anos. Tenho o Sam Jones na bateria, que já trabalhou com muita gente, como a Nubya Garcia e o Obongjayar. Eu considero que o baterista é muito importante para a banda e estou muito feliz por poder tê-lo comigo. No baixo vou ter o Rudi — eu costumo tocar com o Mutale, mas ele de momento está fora. O Rudi é um baixista extraordinário, tem uma grande alma, boa energia… Vamos divertir-nos e estou contente por o trazer comigo a Portugal.

O cartaz deste festival também inclui o Kamaal Williams. E ter dois artistas assim seguidos num cartaz de um festival que acontece em Portugal acaba por ser sintomático da força que a cena britânica tem actualmente, não é?

Eu acredito mesmo que temos algo de especial a acontecer. Não o falo por mim. Há muita música a ser feita pela qual me apaixono. É inspirador estar no meio disso tudo, porque as pessoas estão mesmo a criar coisas à sua maneira. Há malta a fazer cenas novas muito entusiasmantes. Eu gosto muito da cena das colaborações, de fazer coisas com outras pessoas criativas. Entrei tarde na música, mas quando comecei a tocar com músicos de jazz em Londres tive a sorte de conhecer muitas pessoas, porque cada um tem os seus projectos. Há uma união muito forte. É mesmo entusiasmante. E muitos dos meus artistas favoritos neste momento são de Londres.

Eu toquei imenso o seu single de 7″ com a faixa que fez para a compilação Blue Note Re:imagined. Esse tema é um original da Doris Day, não é?

É sim.

Como é que chegou até ela?

Eu andava à procura… A versão que eu encontrei foi da Dodo Greene. Descobri-a ao vasculhar pelo catálogo da Blue Note. Ela tem uma voz muito crua e foi muito interessante ler sobre a história dela, porque estava a fazer música e de repente desapareceu do mapa. Deixou de estar interessada nisso. Acho que as pessoas determinam o sucesso pela longevidade e coisas assim, mas acho que, às vezes, apenas chegas a um ponto da tua vida em que precisas de exprimir algo, deitas cá para fora e está tudo bem se depois segues em frente. Eu fiquei muito intrigada pela história dela. Ela regressou ao sítio onde nasceu, a Buffalo, e andou a tocar em bares e pubs locais — deixou de fazer digressões e essas coisas. Adoro uma boa canção de amor, portanto gostei da música dela. Depois, é aquela coisa do amor ser dramático — “O meu coração está partido, mas eu não vou deixar de te amar!” Eu adoro essa merda. E eu quando amo algo, eu amo mesmo profundamente. Apaixonei-me por essa canção e achei que seria a indicada para a compilação. Ensaiámos com a banda um par de vezes e eu disse logo: “Vamos gravar um take.” E assim foi.


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