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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 10/12/2022

Por vezes não se conseguia distinguir quem fazia o quê, e foi magnífico.

Yaw Tembe + João Almeida na SMUP: uma sirene entre o nevoeiro

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 10/12/2022

A 8 de Dezembro estreou-se na SMUP um projecto que, com certeza, irá dar muito que falar. Era um duo improvável, dada a diferença de abordagens dos seus co-protagonistas, Yaw Tembe e João Almeida. E não, ao contrário do que se poderia esperar, o que nos foi dado a ouvir não foi propriamente um diálogo de trompetes. A entrada no já mítico sótão daquela instituição da Parede (Cascais) deu-nos a ver duas mesas colocadas a meio, com cadeiras a envolvê-las para o público se sentar, mesas essas repletas de vários tipos de dispositivos electrónicos.

A partir de pouquíssimas notas tocadas nos seus instrumentos primeiros, Tembe e Almeida criaram um vendaval electroacústico com muita bruitagem e resquícios de melodias, rodando ou clicando botões em pedais de efeitos para guitarra, samplers e outra maquinaria. E foram mais as vezes em que estiveram a manipular o som dos seus trompetes do que a utilizá-los, com os ditos mantendo-se deitados sobre as pernas de ambos. 

Às tantas, Yaw Tembe disse um poema seu, de curta duração, cujas palavras não se conseguiam entender entre todo o ruído envolvido. Mas nos loops que se seguiram, ouvimo-las finalmente, em fragmentos. A sua voz foi tratada da mesma maneira que os trompetes: tratava-se, a música que foi apresentada, de uma transfiguração de outras transfigurações, em fluxo, sem transições ou mudanças de direcção, numa única longa peça improvisada. Por vezes, não deu sequer para distinguir quem fazia o quê.

Já mais para o final, João Almeida introduziu uma pequeníssima melodia no trompete que ficou em repetição: era como se um velho navio em mar revolto tivesse ligado a sirene de nevoeiro, num cenário marítimo desolador, carregado de humidade, escuro, solitário e em perigo. Tudo isto com glitches, disfuncionalidades, distorções e puro ruído à volta.

Escuro, disse, mas um escuro que já existia logo desde o início. A EAI (de Electro-Acoustic Improvisation) de Tembe e Almeida revelou-se negra, distópica, melancólica e depressiva, trazendo para dentro da sala o ambiente chuvoso que estava na rua. A música era matéria orgânica, o que poucas vezes se verifica quando se utilizam instrumentos electrónicos.

No contínuo que ia sendo tecido pareceu-nos, até, que o tempo tinha parado. O que sentíamos era o espaço, aquele espaço e o espaço da imaginação de cada ouvinte. Se drones (bordões) houve, não eram os da música (igualmente) improvisada por computador, um já cliché que por eles foi recusado. Muito ia acontecendo, com os sons a serem disparados para todos os lados. Debaixo das camadas mais em evidência, outras havia que nos convidavam a atentar nelas. 

Uma audição activa era o desafio que os dois músicos nos faziam: em certas ocasiões, o mais importante não era o que ocupava o primeiro plano, mas sim o que estava em baixo. Ou ao lado. O formato era estático, mas mesmo que as situações surgidas fossem exploradas até ao limite, havia desenvolvimentos. Lentos, mas em progressão.

Nasceu, e diga-se que magnificamente, uma nova proposta no âmbito da música experimental e improvisada portuguesa. Merece que a acompanhemos em próximas aparições.


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