pub

Texto: Vera Brito
Fotografia: Teresa Lopes da Silva
Publicado a: 29/06/2020

O primeiro projecto de originais do músico conta com contribuições de SAM, Gabriel Salles Silva, Ariel Rosa e Raissa.

YANAGUI: “A magia da música instrumental é cada um poder interpretar como quiser”

Texto: Vera Brito
Fotografia: Teresa Lopes da Silva
Publicado a: 29/06/2020

Já todos nos cruzámos com Gui Salgueiro em algum palco, ou em vários, tantos são os projectos que integra: Moullinex, Nenny, NBC, Agir ou Da Chick são a ponta do icebergue, uma mão-cheia de nomes bem conhecidos de todos. Mas existem muitos outros.

Também faz parte da banda Pimenta Caseira, com disco a estrear ainda este ano, segundo nos conta, e mais recentemente lançou o seu EP estreia, Underground Nature, como YANAGUI, nome que pretende elevar a novos voos que lhe permitam subir a palcos apenas seus e a, quem sabe, assinar a produção de muitos outros artistas — o universo da produção é, também, algo que o fascina, embora nos confesse ainda não se sentir completamente preparado e confortável em deixar esse seu lugar de background para assumir a frontline. Os sonhos são sempre assim: lugares desconhecidos e misteriosos onde o inesperado tem lugar.

A música sempre foi uma escolha óbvia para si e, nesta entrevista que nos ofereceu, Gui Salgueiro falou-nos do seu percurso e de como as muitas pessoas com quem teve e tem o privilégio de pisar os muitos palcos são a sua maior inspiração. Underground Nature é a primeira amostra dessa amálgama de experiências que partilha connosco — um trabalho instrumental minucioso de música urbana que pretende restabelecer o equilíbrio perdido dentro daquele que pode ser o caos dos dias e da vida citadina.



Olá, Gui! Parabéns por este teu EP estreia. Começava por te pedir que nos apresentasses melhor este teu trabalho a solo e como surgiu este alter-ego YANAGUI? 

Eu lancei isto um pouco também por culpa desta situação toda de ficar em casa, porque como trabalho com muita gente, e para os outros, e como de repente não se conseguia trabalhar com ninguém, decidi dedicar-me a mim. Já tinha umas coisas feitas, aliás, no início de 2020 já estava decidido que tinha de ser este ano, e isto tudo só deu mais o empurrão para finalmente conseguir fazer isto. Já tinha muita coisa planeada, mas nunca sabia quando e agora finalmente consegui lançar. Quanto ao meu alter-ego… eu podia ser só Gui Salgueiro, YANAGUI é só para ter aquele nome de produtor, é apenas por aí, não tem grande explicação, na verdade.

Já percebi, então, que este EP é um pouco fruto de toda esta situação que estamos a viver, mas ao mesmo tempo imagino que lançar um novo projecto nesta altura também não deva ser tarefa fácil. Como é que tens vivido tudo isto?

Eu faço disto [música] vida, portanto ’tava habituado a uma rotina muito ocupada, com muitos projectos e, de repente, ficámos assim, sem fazer muita coisa, por isso dediquei-me a fazer coisas só para mim e sinto-me super realizado, sabes? Porque inicialmente só ia lançar isto naquela de uma realização pessoal, do tipo tenho aqui umas músicas e quero lançá-las mesmo que depois não se faça nada com isso, apenas para mostrar que ando aí e aconteceu. Finalmente aconteceu, já andava há um tempo para fazer isto, até porque já tinha mostrado imensas coisas a montes de gente.

Antes que te coloquem rótulos de estilos musicais nesta tua estreia, como é que tu definirias a tua sonoridade?

Hum… não sei, acho que é urbana, essencialmente. Claro que ’tá sempre ligada ao hip hop instrumental, mas também não é uma típica beat tape em que ’tou só a mostrar os beats, aqui é como se fosse uma canção mas instrumental, e como também venho do background mais do jazz, da música improvisada e instrumental, consegui conciliar ambos, entre os beats de hip hop e a música instrumental, e fazer toda uma linha, como se fosse para alguém cantar. Por isso diria que tem uma sonoridade urbana, dentro do hip hop, do soul, r&b, mas não me considero um artista hip hop, ou um artista soul, ou r&b… Por acaso não sei bem como é que hei-de rotular isso, sou uma mistura. [Risos]

Percebo, até porque depois de ouvir este EP vêm-me, de facto, várias referências à cabeça. Acho que pode estar, por exemplo, ali algures entre uma vibe Kaytranada ou Kamaal Williams, não sei se concordas… Quais são as tuas inspirações?

Sim, esses dois nomes são claramente influências. Mas também sei lá… FKJ, Masego, esses nomes que vão buscar muito ao jazz e à música improvisada. Claramente Kamaal Williams é também muito uma influência, adoro o disco que ele tem com o Yussef [Dayes], o Yussef Kamaal, e aliás num projecto próximo estou a pensar em fazer qualquer coisa do estilo, ou seja, este [EP] fiz tudo praticamente sozinho, mesmo, por exemplo, se tenho uma bateria numa música, um saxofone noutra, são tudo ideias minhas, e no próximo já estou numa de fazer aquilo que eu sempre fiz, que é tocar em banda e ver o que é que sai dali, tipo jams com várias pessoas — gosto muito dessa coisa ingénua de estarmos ali a ver o que é sai, pode ser bom, pode ser mau. Também há um pianista que é o Kiefer, de Los Angeles que também é produtor – ele essencialmente faz discos em que tem claramente um beat de hip hop mas depois é piano jazz por cima, um bocado aquela onda hip hop lo-fi e eu adoro isto tudo mas também não me vejo como lo-fi. Também tenho montes de influências que acabam por não estar nitidamente no disco, mas que me influenciam sempre, desde D’Angelo, por exemplo, Jamiroquai, Prince… que estão assim nesse universo comum. E também vem de eu tocar com muita gente em projectos diferentes, tanto toco, por exemplo, com a Nenny que é mesmo uma cena afro, hip hop, como toco, por exemplo, com o Moullinex, que é mais techno, disco-house, ou como também toco com o Agir, que é mesmo pop pop, por isso consigo absorver essas coisas todas, o que acaba por me influenciar. O estar com as pessoas e as experiências que ganhamos, são essas as influências mais do que musicais — o que as outras pessoas têm para me dar e o que elas me conseguem mostrar de música. No ano passado também fiz uns concertos com o 9 Miller, por exemplo, que não tem nada a ver com aquilo que eu faço, mas que ao mesmo tem, porque é urbano, é música urbana. E essencialmente chegamos à conclusão que é a música negra que está sempre presente, na verdade.

Como é que foi o processo de composição deste Underground Nature? Já explicaste que foi mais solitário e que até nas colaborações, como dizias, assumiste a direcção musical daquilo que querias no resultado final. Como foi o processo?

Eu ’tou habituado a fazer essas coisas como director musical. Em algumas bandas assumo esse papel, por exemplo na Nenny, em que agarro nas músicas dela e adapto para a banda e faço os arranjos. Para mim, vou criando, faço um bocadinho, depois desligo daquilo e depois vou ouvir e “é bom? Não é?”, e ou continuo ou de repente tenho uma ideia diferente. Algumas das músicas do EP tiveram tipo três ou quatro versões diferentes, até eu chegar àquela que achava que estava dentro do mesmo universo entre todas. O meu processo é ir experimentando e experimentando… até ficar com ideias fixas daquilo que quero. E foi isso que fiz, peguei em algumas músicas que achava que deviam ter coisas que eu não conseguiria fazer em casa, como gravar uma bateria ou tocar baixo, saxofone, e a voz numa das músicas, que é a Raissa, uma amiga minha. Numa situação normal eu iria ter com a pessoa e seria um processo muito menos demorado, em vez de enviar a música pelo WeTransfer, a pessoa ouve, depois grava, envia de volta e “vê lá se é assim?”… [risos] portanto também foi um processo um bocado demorado, mas como não foi muita coisa foi mais tranquilo.

Senti que no final estas colaborações soam muito orgânicas, a bateria, baixo, saxofone, a Raissa, presumo que sejam todos amigos teus ou pessoas que conheces bem…

Sim, o SAM, o saxofonista, é do Porto e toca com os Expensive Soul, a Marta Ren… e eu às vezes toco com ela também, então conhecemos-nos daí, de nos cruzarmos na estrada e de tocarmos nos mesmos festivais. O resto das pessoas já são amigos mais próximos, porque eu comecei a tocar no Cais Sodré, no Tokyo, e aquilo era um bar de rock, basicamente, de música ao vivo, e a partir de certa altura começou-se a fazer outras coisas e de repente era tudo malta que queria tocar tudo menos rock, e a ir mais para o funk e para o soul, portanto é tudo gente que conheci aí e podiam ser milhares de outros amigos [neste EP], que também fazem parte desse núcleo. Por acaso foram estes, mas sinto que quero fazer montes de coisas com todos eles. No Tokyo tocávamos covers (agora já não faço parte, mas estive uns cinco anos lá) e eram residências todas as sextas em que estávamos a tocar as mesmas músicas para as pessoas que lá vão, e acaba por se criar uma afinidade, por isso é que eles também se conseguiram entrosar no meu mundo, porque já me conhecem e são meus amigos, foi fácil explicar o que eu queria. Aliás, alguns já tinham ouvido as coisas, por isso o processo foi todo muito fácil.

Falaste dessa experiência no Tokyo, como é que foi o teu percurso? Tens formação musical? Como é que chegaste à música?

Olha a minha família vem toda da música, o meu pai é baterista e tocava com os Trovante e os Resistência, a minha mãe também é cantora, portanto desde miúdo que eu já sabia o que é que queria fazer. Depois no liceu havia aquelas bandas de garagem com a música sempre presente também e, no 10º ano, decidi estudar mesmo música. Fiz escola profissional de música no secundário, só que apenas havia em música clássica, portanto ‘tive três anos de música clássica e nem sequer foi piano, foi percussão clássica, porque eu tocava bateria antes e fui para lá a pensar que também ia tocar bateria e de repente chego e não era nada disso, eram peças clássicas, ’tás a ver? Por isso aprendi tudo o que é ler música e tudo o resto nesses anos. Depois fiz provas para entrar na Escola Superior de Música para continuar essa formação e ali a meio percebi que não era bem aquilo que queria, porque já tinha as bandas de garagem em paralelo e havia uma que estava a evoluir onde eu tocava piano. A partir daí comecei a gostar cada vez mais de tocar piano e quando fomos tocar com essa banda a um OutJazz, a seguir a nós tocou o DJ X-Acto e ele viu-nos e disse-nos “pá ’tou aí com o NBC e ele ’tá à procura de banda, vocês querem vir?” e nós “claro, claro!” [risos]

Portanto desde os meus 19 anos que comecei a pensar: “quero fazer disto vida”. Bazei da faculdade e fui estudar piano jazz, numa escola de jazz, e comecei a ter tanto trabalho nisso que já nem conseguia ir à escola. A partir daí foi sempre evoluir como músico e sinto que evoluí muito a tocar com outras pessoas e a tocar ao vivo, especialmente no Tokyo, porque imagina, era do tipo “pessoal, esta semana vamos tocar não sei o quê… apanhem isso!” E vais sempre aprendendo músicas novas, vais tocando com músicos já muito experientes, e eu fui crescendo com eles, o que me ajudou imenso a fazer o meu estilo. E a minha formação é essa, na verdade, acho que vou sempre aprendendo com qualquer pessoa, sabes? Quando entrei para Moullinex, aquilo era um estilo que eu não tinha nada interiorizado, uma cena mais disco, mais techno e tive que aprender outras coisas. Comecei a tocar com ele e a ouvir outras coisas, e comecei também a tocar de forma diferente e a adaptar-me àquilo, e hoje em dia já pego nisso que aprendi ali e levo para outras coisas. Portanto a minha formação passa também por aí: estar com outras pessoas e tocar com elas.

Regressando a este Underground Nature, dizes que é música urbana mas também penso ter encontrado em alguns momentos um lado, digamos assim, meio pastoral… sobretudo na faixa que lhe dá título. Podes falar-nos um pouco mais do conceito destas cinco faixas?

Eu queria transportar um mood que é aquela cena: tu podes viver na cidade e ao mesmo tempo podes não ’tar no caos da cidade, tipo podes ter o teu quintalzinho e a tua horta, estando na cidade. Começou muito na quarentena, em que comecei a ir a uma mata, mesmo ao lado da minha casa, todos os dias de manhã passear a cadela e comecei [a pensar]: “mas afinal parece que não estou na cidade”. O que eu estou a fazer é totalmente urbano, mas ao mesmo tempo transporta-me para outro universo, que acho que é um universo relaxante, e é muito o conceito do disco: aquela cena de ouvir relaxado, pela manhã, já tive amigos meus a dizerem-me que é o disco ideal para comer o pequeno-almoço… [risos] É uma boa vibe, ’tás ali a ouvir relaxadíssimo, sem pensar muito no que é que aquilo quer dizer, ou seja, é directo, e ao mesmo tempo não é, porque, se quiseres ir um bocadinho mais a fundo, começas a analisar o que é que eu estou a fazer, e todos aqueles pormenorezinhos. Portanto é isso, é o estar relaxado dentro do caos que acontece, ou seja, estou a falar da cidade, por exemplo, em que tu encontras também o campo. Portanto é um misto desses dois, diria.

Os concertos estão a recomeçar, aos poucos e com as restrições que já se conhecem. Tens planos para apresentar ao vivo este EP nos próximos tempos?

Pá… sinceramente não. Nunca senti necessidade de o fazer, não sei porquê. Sinto que o EP foi mais uma realização pessoal de “quero pôr isto cá fora”, e havia montes de pessoas que já sabiam que eu ia fazer qualquer coisa e me perguntavam “então quando é que isso vem?”. Já o fiz [tocar em nome próprio], há dois anos ou assim, às vezes tocava em nome próprio nos meus anos algumas músicas, umas do EP, outras não, mas não sei… sinto que ainda ’tou à procura de ver o que é que eu posso fazer. Também não quero ir só tocar por tocar, quero ter uma coisa em que as pessoas já vão lá sabendo o que é que vão ver. Portanto, por enquanto, acho que ’tou bem assim. 

Então nem tem a ver com esta situação toda da pandemia…

Não, acho que não. Se não houvesse provavelmente faria, agora continuar com isso não sei. Não pensei nisso porque como já lancei nestes termos, em que percebi que não vai dar para fazer alguma coisa, prefiro que este EP fique como um rebuçado que dou às pessoas e depois, daqui por pouco tempo, tento fazer uma coisa maior e aí sim começar a pensar numa cena para levar a tocar por aí, a festivais e assim, que claro que gostava, obviamente não é? Mas sei lá… é estranho também para mim porque eu nunca me pus na primeira pessoa e as vezes que o fiz (já fui tocar uma vez ao OutJazz em nome próprio) sei lá… não sei falar com as pessoas, é muito awkward, aquele nervoso. E por exemplo, agora vá tocar com quem for (e já fiz, por exemplo, o palco principal do Rock In Rio e do NOS Alive) não me sinto nervoso, porque ’tou ali a acompanhar e a fazer só a minha cena…

Estás mais confortável nesse backstage… 

Claro, claro. Quando se trata de seres tu, com as pessoas todas a olhar para ti e a ver o que é vais dizer ou fazer a seguir, já é mais lixado. E há muita gente que tem esse medo ou essa vergonha, e é malta que nem sequer toca ao vivo, é malta que ’tá dentro do estúdio. Mas eu não, eu estou habituadíssimo a tocar, ’tás a ver?

Mas talvez também por este ser um projecto mais pessoal, isso seja mais difícil de expor?

É e eu fico muito exigente com o que se está a passar e com o que os músicos estão a fazer. Então tenho que encontrar um equilíbrio entre o estar bem disposto, a querer curtir apenas e a fazer com que a malta curta, e o estar preocupado se vai correr bem, ou se vai correr mal, e essas coisas assim.

Li no teu Bandcamp em que dizes: “please enjoy my first EP, many more to come”, e se calhar talvez esta pergunta seja prematura, porque estamos agora a falar do teu EP de estreia, mas por acaso tens mais música nova na calha?

É assim, eu tenho sempre música nova, ou melhor, tenho sempre ideias que estão feitas e depois se eu vir que uma ideia tem pernas para andar começo a desenvolvê-la. Mas já tenho em vista um disco, com um conceito e essas coisas assim, e já tenho algumas músicas que sei quem quero a cantar ali, porque vai ser um disco não só instrumental, embora vá ter essa vertente que é algo que quero manter sempre, mas também vai ser um disco que se calhar vai ter um single com um convidado a cantar, por isso já vai ser uma coisa maior. Entretanto, também tenho outra banda, que é a Pimenta Caseira, que também se adequa a este universo instrumental e vamos lançar um disco, que estou a produzir com eles, ainda este ano (espero eu), que acaba por fazer também parte dos meus projectos mais pessoais.

Onde é que gostavas de chegar como YANAGUI? Quais são os teus sonhos a longo ou a curto prazo?

Não sei bem… acho que gostava de ser reconhecido e de enveredar pela vertente de produtor, que é uma área de que gosto muito. Gostava de chegar a alguns palcos grandes, obviamente, mas principalmente gostava que as pessoas começassem a ouvir mais música instrumental e a perceber mais esse universo, para que eu vá tocar e não achem que aquilo é uma seca, porque não ’tá ali ninguém a cantar ou a dizer “façam barulho”. Gostava de conseguir chegar às pessoas pela música, simplesmente conseguir falar com elas pela música e de chegar a mais pessoas ainda. E quem sabe a nível internacional também, porque isto não tem barreiras, às vezes há aquela barreira linguística, que neste caso não existe, por isso quem sabe ir fazer alguma coisa para outro lado, imagino-me a fazer uma residência noutra cidade, com outros músicos de fora, porque a tocar com tanta gente acabo por conhecer muita gente também. Posso-te dar o exemplo: sou grande fã da Soulection e era um sonho um dia passar lá, naquele universo de Los Angeles a que vou buscar montes de influências. E há também sempre aquela cena de “gostava de só fazer isto”, só como YANAGUI e de trabalhar só para mim, mas por outro lado também gosto imenso de trabalhar com outra gente, gosto de tocar as músicas dos outros, porque sou uma pessoa muito de tocar ao vivo, tenho essa vertente, por isso também me imagino imenso a tocar com outras pessoas, mesmo no background, não preciso de ’tar à frente. E produzir pessoas, gostava imenso de produzir alguém ou a meias. A minha primeira experiência com isso foi para o disco do NBC (o último), em que sou o teclista e então acabei por ir lá tocar, e de repente já estava tipo “e se fizéssemos aquilo e assim?”, então consegui produzir a meias com o Slow J, depois ele foi-se embora a meio e fiquei eu mais a cargo, e foi uma coisa que adorei. Aqueles sonhos, sempre a subir.

Sentes que há essa falta de representação na música instrumental? Porque agora já vamos vendo muitos nomes desse universo, como o Kamaal Williams, de quem falávamos há pouco, a encherem palcos. Sentes que ainda há essa falta de abertura do público por cá?

Há, muito, muito. Não sei se as pessoas estão mais habituadas a ouvir alguém ou a ouvir uma mensagem através das palavras e a música instrumental é passar uma mensagem através da música e cada um a interpretar como quiser. Imagina, se tu tiveres uma letra que é sobre amor, tu já sabes o que é que é, e na música instrumental, apesar de ter um título, tu podes ter ideias diferentes do que é que é, e cada um pode ter a sua percepção, e acho que isso é a magia da música instrumental, cada um pode interpretar como quiser. Agora as pessoas cá não estão muito preparadas, já começa a haver mais, claramente, Orelha Negra é um exemplo enorme do que é a música instrumental cá, claro que tem os nomes que tem, mas é um caminho que já abre imensas portas para outras pessoas que queiram fazer música urbana instrumental. E talvez as pessoas ainda associem música instrumental a jazz apenas…

E o jazz está com uma nova força agora…

Sim, tudo o que é Kamaal Williams, Yussef Dayes, e por aí, eles mesmos se intitulam de new jazz british, por isso não deixa de ser jazz, mas é urbano. E sei lá, as pessoas se calhar também associam a música instrumental a uma cena mais de DJ, percebes? Porque o techno ou o house é instrumental na sua maior parte. E também há beat tapes e produtores a lançarem beats, é muito comum, mas acaba por ser mais electrónica e a minha parte é mais instrumental mesmo tocado. Por isso eu ’tou cá para fazer a minha parte, para ver se as pessoas gostam e a ver se aparece mais gente a fazer aquilo que eu ’tou a tentar fazer também, não digo que sou o pioneiro ou dos primeiros, mas realmente gostava que houvesse mais gente a fazê-lo. E eu sei que há mais gente, sei que há colegas músicos meus que até gostavam, ou que o fazem até, mas são como eu, trabalham tanto para outras pessoas que também acabam por não ter tempo. Mas é isso, gostava claramente que houvesse mais gente a gostar da música instrumental.


pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos