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Fotografia: Pedro Jafuno
Publicado a: 24/03/2024

Da batida ao ambient, com toda a fluidez.

Xuri na Rua das Gaivotas 6: Serene Trails é música electrónica que se desenrola com toda a naturalidade

Fotografia: Pedro Jafuno
Publicado a: 24/03/2024

À entrada da Rua das Gaivotas 6 aquando do ameno início de noite da passada terça-feira (19 de Março), assumir que o público aqui agregado para ver a actuação integrada na 26ª edição do ciclo de concertos Jejum — e que se seguiria dentro de momentos — não fazia sentir a sua presença seria uma dedução fácil, porém errónea. Ao chegar à sala de espectáculos, tornava-se óbvio que o número de pessoas correspondia adequadamente a um ambiente que se queria, de igual forma, ameno: com uma disposição de palco simples, onde a electrónica de serviço para o espectáculo assentava no meio de uma leve decoração à base de plantas, o mote estava dado para a apresentação de Serene Trails, o mais recente lançamento da artista dinamarquesa Xuri, aka Susanne Cleworth, sob a alçada do Colectivo Casa Amarela (que também programa este ciclo de concertos) e um registo ambient definido pelo desenrolar da sua trama sónica a reflectir a justaposição fluída, heterogénea, e imprevisível dos sons da natureza — todas os factores convergiam no sentido de proporcionar uma sessão serena, portanto.

Após a subida a palco de Cleworth, e com uma projecção visual amarela derivada do artwork de Serene Trails disposta atrás da artista, o início da performance é sinalizado pela interligação entre samples vocais ininteligíveis e sons cristalinos, rapidamente acompanhados de breves notas graves que, em poucos minutos, se afirmam de forma mais preponderante e, com a saída dos samples vocais, assumem a linha da frente juntamente com acordes de synth a definir gradualmente a progressão harmónica do momento presente da actuação. Ainda que estejamos a presenciar o início deste espectáculo, um aspecto fulcral do mesmo já se torna, aqui, evidente — a oscilação de volume de vários dos sons ouvidos, que tanto atingem altitudes imponentes como, em pouco tempo, rumam a lugares mais recatados, algo que caracteriza a tal relação imprevisível dos sons da natureza que Cleworth pretende traduzir neste trabalho.

Eventualmente, tudo que o contemplamos até então é recolhido paulatinamente para dar lugar à introdução de novos elementos (como se de um novo capítulo se tratasse), através de um ostinato insistente de kick e bass seguido de arpeggios; a expressão de Cleworth é concentrada mas também descontraída, e a artista confirma-o ao lançar ao público um sorriso de conforto por esta altura do espectáculo. Saído o ostinato de cena, os arpeggios começam-se a intercalar com sequências de synth de forma lúdica, porém, não é apenas a componente auditiva que se mistura entre si — também a projecção se começa a fundir com um design igual de cor roxa. Em concordância com o cariz oscilante referido acima, regressa a combinação de kick e bass que ouvimos anteriormente enquanto algumas intervenções de sintetizador permanecem, e novos samples vocais aparecem; a dado momento, tudo isto cessa, o que permite criar espaço para respirar, e entra agora um beat de uma só nota, aguda, com o background a retomar o amarelo como cor predominante, embora agora as formas do design se diluam num resultado praticamente disforme.

Esta nova secção é, em comparação com as que nos foram previamente presenteadas, mais rítmica e percussiva, facultando a transição de um estado contemplativo para algo mais “dançável”, mesmo que o impacto apenas seja realizado no nosso interior; uma linha de baixo sem tempo certo cruza-se com a batida que iniciou esta secção e, com o desvanecer do ritmo ouvido, o baixo apodera-se do protagonismo musical para efectuar o retorno à estética mais ambient das secções anteriores, onde notas de synth etéreas e outras mais desconcertantes entram rapidamente para uma suspensão quase drone. Um último acesso de suspensão e uma última nota de baixo dão a actuação por terminada, e Cleworth solta um enorme sorriso de satisfação ainda antes da ovação de um público que terá sentido a sua atitude calmamente atenta durante todo o espectáculo recompensada, através dos aplausos entusiásticos que fez soar.


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