Heart Trio, magnífico trabalho lançado na AUM Fidelity em 2024, é uma prova de que a arte pode responder aos desafios que a vida nos coloca, e afirma William Parker, Cooper-Moore e Hamid Drake como uma espécie de xamãs modernos, espíritos livre que descobriram o segredo da há muito procurada ligação directa às energias benignas do universo. Este trio de pulsante coração gigante assegura esta noite a abertura da 41ª edição do Jazz em Agosto, festival que acontece em diferentes espaços da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
Parker respondeu a um breve conjunto de perguntas que ajudam a enquadrar o que esta noite fará vibrar a natureza que envolve o espaço do Anfiteatro ao Ar Livre da Gulbenkian.
Escrevi isto sobre o álbum do Heart Trio: “Há uma confluência de energias — políticas, espirituais, poéticas ou filosóficas — que a eleva a um patamar singular e deveras inventivo. Cruzar numa mesma viagem de absoluto improviso coordenadas culturais e psico-geográficas que nos levam dos Balcãs a África e daí ao Oriente só é possível se quem nos conduz em tal generosa jornada não se deixar confinar por ideias enraizadas de primazia cultural, se quem embarca em tal périplo acreditar que a música tem uma mesma origem primordial e universal e pode elevar-se acima das divisórias linhas que a história criou e que, na verdade, só são visíveis nos mapas que os homens desenham (e, como bem sabemos, mapa não é território)”. Acredita realmente nessa origem e poder universal da música?
Qualquer sistema de crenças surge da construção social chamada unidade (irmandade). Acreditar que a transformação mágica pode ocorrer através de eventos catárticos guiados pela beleza e pela verdade. Todas estas coisas estão em harmonia com a natureza (montanhas, rios, árvores). Existe também o conceito de alegria, como demonstrado por crianças que falam línguas diferentes, mas que ao mesmo tempo riem e choram na mesma língua. Charlie Chaplin foi um grande sucesso neste conceito. Chama-se som; o som transforma-se em tom, permitindo-nos assim entrar no mundo do tom. “Dentro do mundo do tom, renascemos.”
Pode falar-nos um pouco sobre os seus companheiros neste projeto? Conhece-os há muito tempo…
Conheci Cooper-Moore no início dos anos 70. Naquela época, ele tocava piano e todos os instrumentos que ele mesmo fabricava, incluindo o Ashimba, o arco de boca e muitos outros. Ele também é um grande compositor de música escrita, incluindo espectáculos e música para dança. É um dos seres humanos/músicos mais brilhantes do mundo. Hamid Drake é cheio de compaixão por aqueles que sofrem em todo o mundo. A sua percussão e os seus conceitos musicais são gestos poéticos organicamente precisos e completos. O ritmo torna-se a dança do coração, que muda de pulsação a cada momento.
Irá tocar num cenário magnífico, com um jardim onde a natureza e a arte se combinam de forma orgânica. Tocar ao ar livre da noite, sentindo os aromas que emanam da terra deve, imagino, afectar a forma como toca, não?
Vamos aproveitar a ocasião para nos elevarmos e nos animarmos. Às vezes tocamos num castelo, outras vezes tocamos numa cabana. Cada apresentação é um ritual de gratidão pela vida e uma forma de partilhar com o ouvinte. A música é alimentada pelo ambiente.
Há uma qualidade curativa na música que toca, por isso também se torna uma música de resistência contra todas as coisas más que acontecem no mundo hoje. Concorda com isso?
Todos os músicos dedicaram as suas vidas à paz e à iluminação através do seu modo de vida e da música que nos inspira.